As palavras de Sócrates fizeram comichão em muita gente. É
certo e é estranho. Estranhando, pensei: será pelo modo como na sua ausência o atacaram?
Será pelo modo ronceiro como o defenderam? Talvez. Mas reconheçamos que, tendo
sido frontal, contundente e claro, não saiu do que se poderia esperar. Mas não
foi melífluo, nem mordeu nas canelas de ninguém, fingindo que as lambia. Quando
se tratou de morder, fê-lo sem cerimónias e com todos os dentes. Antes de disparar
não fez qualquer vénia. Terá sido, só, essa frontalidade? Talvez. Mas,
verdadeiramente, uma boa parte da sua força e da devastação que causou na história da carochinha,
a que se tem reduzido a narrativa dominante, derivou do desastre a que os autómatos
do neoliberalismo conduziram o país. Uma
boa parte da força de Sócrates radicou-se na ostensiva ligeireza de quem actualmente
governa e na crescente entaramelação mental e política do inquilino de Belém. E, repita-se, na devastação que têm vindo a cometer no nosso país:
De facto, hoje, sabe-se:
1) que o caso português foi uma das partes visíveis de um iceberg europeu;
2) que a gestão dos
governos contribuiu menos para a crise em curso do que a lógica predatória do
próprio capitalismo, levada ao paroxismo pela banqueiragem, mais ou menos
mafiosa, que domina o sistema financeiro;
3) que o atual governo português não é uma excepção, no
quadro de cretinismo político dominante nos governantes da Europa fria;
4) que o atual governo é muito diferente do anterior,
protagonizando por intermédio da sua diferença um dramático acréscimo de
sofrimento para muitos e muitos portugueses;
5 ) que a troika não é a
representante de credores nenhuns, alegadamente ciosos de garantir pagamentos,
mas a agente de centros de poder fautores de uma política reaccionária de
regressão civilizacional, que nenhum governo conseguiria impor em democracia, por
mais toscamente neoliberal que fosse, sem esta encenação.
Talvez, por tudo isso, o PS tenha comentado com suavidade a importância
do evento socrático, os dois partidos da direita tenham escoicinhado, mostrando
bem que o ferro os atingiu bem no lombo, e os outros dois partidos de esquerda tenham
reagido como se tivessem sido apanhados a colher laranjas no quintal do
vizinho.
Enfim, grande movimentação; sendo, talvez, verdade que o mais
positivo foi realmente o arejamento do debate político, como reivindicou
expressamente José Sócrates.
4 comentários:
Podem fazer-se muitas críticas a Sócrates. Haverá matérias para o fazer. Mas ontem assistimos a um contraditório que era necessário para desmontar uma narrativa dominante e cobarde. É difícil, por isso, compreender o veneno destilado por Carrilho no DN. A política, no seu sentido mais nobre, também não fica engrandecida com esta destilaria de ódios de estimação.
Excelente análise!
É tudo o que me apetece dizer.
Muitos parabéns ao autor!
Maria Pinto
Também acho a análise excelente.
A entrevista era necessária e foi esclarecedora. Sócrates disse muitas verdades que já se sabiam mas que só ganharam em serem ditas pelo próprio e com a frontalidade que lhe é habitual.
Limito-me a subscrever o comentário do meu amigo e ilustre advogado António Horta Pinto.
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