sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A CRISE ACADÉMICA DE 1962

Reunião entre estudantes de Lisboa e Coimbra, alguns meses antes da eclosão da Crise de 62. Só consigo identificar alguns: Jorge Aguiar (Coimbra) no uso da palavra; sentado do seu lado direito, Jorge Sampaio (Lisboa); de camisa preta, encostado á parede, Afonso de Barros (Lisboa);de capa e batina , com lacinho, José Augusto Silva ( Coimbra - República dos Pyn-Güyns).



Vão comemorar-se em março os cinquenta anos da crise académica de 1962, cujo epicentro foi Lisboa, mas que teve importantes reflexos em Coimbra.

Acabo de remeter para os organizadores, respondendo a um pedido geral, um documento com a identificação dos estudantes da Universidade de Coimbra que foram expulsos. A primeira parte do documento transcreve um original que tenho em meu poder. Acrescentei-lhe depois um breve cometário e um pequeno aditamento. Eis a respectiva transcrição:

Crise Académica de 1962
Documento

"Em Maio de 1962, foi publicado o comunicado que abaixo se transcreve :

Sem comentários!

À UNIVERSIDADE, AOS MESTRES E AOS ALUNOS COMUNICA-SE:
Por decisão ministerial foram punidos os colegas:


1º - Acusados de organizarem o I Encontro nacional da Estudantes , cuja responsabilidade a Assembleia Magna da Academia assumiu,
a) Com dois anos de exclusão de frequência de todas as escolas nacionais:
- José Augusto Rocha ( Dir. Geral da AAC )
- Margarida Lucas ( Dir. Geral da AAC)
- Francisco Leal Paiva ( Dir. Geral da AAC e República dos Galifões)
- David Rebelo ( Dir. Geral da AAC)
- Eduardo Soeiro ( Dir. Geral da AAC e República dos Pinguyns)
b) Com dezoito meses de exclusão de frequência de todas as escolas nacionais:
- António Taborda
( Dir. Geral da AAC)
- José Sumavielle ( Dir. Geral da AAC)

2º- Acusado de “ser de certo modo, mentor da consciencialização colectiva” (sic):
Com dois anos de exclusão de frequência de todas as escolas nacionais:
- Francisco Delgado
( CITAC )

3º- Acusados de perturbar o funcionamento duma aula ( 1º assalto da polícia de Choque à Associação Académica) :
a) Com um ano de exclusão de frequência de todas as escolas nacionais:
- Luís Filipe Madeira
( República dos Kágados e Comissão da Queima de 62 ).
b) Com seis meses de exclusão de frequência da Universidade de Coimbra:
- José Luís Nunes
( Centro de Estudos Filosóficos)
- Parcídio Sumavielle ( Via Latina )

4º- Acusados de colaborarem na entrada para a Torre, quando do primeiro assalto da Polícia de Choque à Associação Académica :
a) Com trinta meses de exclusão de frequência da Universidade de Coimbra:
- António Carvalho
- Mário Brochado Coelho
( Direcção do CITAC)
- Maria Fernanda Dias ( Dir. Geral da AAC de 1960/61)
b) Com dois anos de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra:
- Alberto Mendonça Neves
( República do Prakyistão)
- António de Sousa Almeida ( Secção de Judo )
- Luís Lemos ( Secção de Atletismo )

5º- Acusados de assinarem uma moção na Assembleia Magna da AAC que pedia um voto de censura ao Reitor da Universidade e a sua demissão :
a) Com dois anos de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra:
- Albano Serra Pina
- Alfredo Estrela Esteves
( Via Latina )
- António Lameiras de Figueiredo ( República do Prakyistão)
- Carlos Alberto Furtado ( República do Prakyistão)
- Eduardo Casais
- João Bilhau
- João Quintela
- Jorge de Sousa Rocha
( República do Prakyistão)
- Manuel da Silva Ventura ( Secção Social )
- Maria Fernanda Granado
- Rui Namorado
( Via Latina )
- Rui Neves
b) Com um ano de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra:
- António Machado Vaz
( República do Bamus ó Bira)
- José Macedo Cruz
- Vladimiro Pereira Mateus


6º- Acusado de emprestar a capa e hasteada na Torre, quando ocorreu o segundo assalto da Polícia:
Com um ano de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra:
- José Luís Santos Lima
(Secção Social )

7º- Acusado de subir à Torre, quando ocorreu o segundo assalto da Polícia:
Com um ano de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra:
- José Luís Morais Alçada

HOJE, ÀS 15 HORAS UMA COMISSÃO AVISTAR-SE-Á COM AS AUTORIDADES UNIVERSITÁRIAS NA REITORIA.

Estudantes de Coimbra"

Comentário final : No momento em que o comunicado foi divulgado a Associação Académica de Coimbra estava fechada compulsivamente no rescaldo da crise. A própria assinatura do comunicado sugere que não havia em funções órgãos académicos legais. É possível que não se mencionem alguns nomes por lapso. De facto, tendo consultado o livro de Álvaro Garrido, “Movimento estudantil e crise do Estado Novo” (pag.214 ) ( Minerva Editora- Coimbra ). Os nomes dos expulsos coincidem. No entanto, devem ser-lhe acrescentados mais alguns, cuja expulsão foi decretada apenas em Agosto de 1962. Ei-los:

- Alberto Rui Pereira
- César Oliveira
( República do Prakyistão)
- António da Silva Coelho
- Joaquim Tomé
- Simão Santiago
*****************
Esta é a informação. A canalha melíflua que exercia arbitraria e ilegitimamente o poder não hesitou em tentar esmagar com brutalidade algumas dezenas de jovens escolhidos como alvo. Aconteceu o mesmo a vinte e tal estudantes de Lisboa. Só me consigo recordar de alguns: Eurico de Figueiredo, Valentim Alexandre, Mário Sottomayor Cardia, Nuno Brederode Santos, António Correia de Campos, Abílio Mendes. Queria esmagar, mas não esmagou. Agrediu mas não venceu.
Estar na lista dos expulsos da Universidade, aonde voltei quando acabou o castigo como aluno e de que fui (e de algum modo ainda sou) professor, é uma honra que não troco por nada.


Mais abaixo vai a imagem da última Via Latina publicada antes de ser proibida. A sua primeira página anuncia um Encontro Nacional de Estudantes que foi proibido, mas que se realizou. A notícia foi enviada aos censores no meio de uma anódina série de pequenas notícias. O censor deixou passar. Foi transformada numa primeira página.O director da Via Latina era António Avelãs Nunes. Duas semanas depois a proibição do Dia do Estudante, em Lisboa, desencadearia a crise académica de 1962.

2 comentários:

Artur disse...

Meu caro, aqui vai a lista dos expulsos de Lisboa com alguns exemplos das razões da expulsão

António Ribeiro,
José Garibaldi ,
Mário Sotto-Mayor Cardia,
João Carlos Passo Valente,
Eurico Figueiredo,
Manuel Valentim Alexandre,
Eugénio Pinto Basto,
António Correia de Campos,
Nuno Brederote Santos,
João de Freitas Rego Santos,
António Rego Chaves,
Augusto José Amorim,
José Luís Boaventura,
Abílio Teixeira Mendes,
José Marques Felismino,
Manuel da Silva Tavares,
António Montez,
Isabel Vila Maior,
António da Cruz Rato,
António da Conceição Bento,
José Emílio Calvário


Abílio Teixeira Mendes: expulso por trinta meses da UL por ter sido um dos dirigentes associativos da academia de Lisboa que maior actividade desenvolveu no movimento estudantil de 1962 e “por ter comparecido na maioria dos plenários feitos em Lisboa, incitando sempre a massa académica à luta”.
António Manuel Dias da Conceição Bento: expulso por trinta meses por ser um dos alunos encontrados nas instalações da UL na evacuação feita pela PSP durante a greve de fome e por ser um dos responsáveis pelo movimento de 1962.
Augusto José Carvalho de Amorim: expulso por trinta meses da UL por ter sido identificado pela PSP a 3 de Dezembro de 1961 enquanto tomava parte numa manifestação hostil na inauguração da Reitoria da UL, por ter participado na greve da fome e por ser um dos responsáveis pela agitação de 1962.
Eugénio Barata Pinto Basto: expulso por trinta meses da UL por ter participado na manifestação de hostilidade levada a efeito a 31 de Dezembro de 1961 por vários estudantes da UL na inauguração da Reitoria em frente do Presidente da República e por ter sucessivamente aderido à greve de fome.

Cláudia Santos Silva disse...

Obrigada, Rui Namorado, pelo testemunho, pelo registo.
Gostei muito de o ouvir e de o conhecer, na sessão d'O SEGUNDO SÉCULO VINTE.