sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

GERAÇÕES PERDIDAS?


Escreve-se e fala-se sobre a geração sacrificada, uma geração que viu esfumarem-se sonhos. Sonhos simples de realização e dignidade, horizontes legítimos de humanidade. As emoções que guiam essa amargura são limpas e justas. A revolta por lhes ter sido confiscado o futuro que lhes pertencia é um acto vertical.


Mas há uma pequena sombra na luminosidade dessa revolta. A sombra de um esquecimento. O esquecimento de que há séculos e séculos, em cada geração, foram sempre mais os sacrificados do que os eleitos. Sob o mando de estadistas clarividentes e futurantes ou sob o peso de estadistas obtusos , foi isso o que sempre aconteceu. Não só em Portugal, mas seguramente em Portugal.


Os poderes fácticos que resultam de um domínio e que o sustentam e perpetuam, sabem que por mais fortes que sejam, não podem deixar de ser sedutores, sob pena de a sua força máxima deixar de ser suficiente para suster as pulsões de inconformismo e revolta, que reflectem naturalmente a recusa de uma subalternidade definitiva por parte dos dominados.


Por isso, especialmente quando falta um sinal estratégico, um objectivo colectivo claro, aos exércitos dos dominados, os poderes fácticos apostam na exacerbação do imediato, na cólera contra os poderes aparentes, na explosão desencontrada das emoções justas, seguros que por muito que muitos sofram por explosões sociais desgovernadas, pouco ou nada dessas marés de desgraça os atingirá algum dia.


De facto, nenhuma incompetência na gestão da coisa pública pode ser negligenciada, nenhuma ligeireza na afectação de meios públicos pode ser aceite, nenhuma corrupção que encha os bolsos de poucos à custa de todos pode ser consentida. Mas só isso nunca será suficiente. É verdadeiramente essencial ir mais longe, ir ao fundo das coisas, para que todos compreendam, para que todos os que se sentem como uma geração sacrificada compreendam, que se os poderes políticos fossem exercidos com a competência máxima, se a afectação de dinheiros públicos fosse feita com uma ponderação inultrapassável, se a corrupção fosse reduzida a zero, enquanto o modo como está organizada a sociedade, enquanto o tipo de sistema económico-social vigente, não forem substituídos, nada fará sair a geração perdida do buraco histórico em que está. E o futuro continuará a ser apenas a promessa triste de uma sucessão de gerações sacrificadas.


É realmente assim. Os erros de governação, as más escolhas, os tropeções conjunturais , as catástrofes ocasionais, quando existam ou ocorram, podem agravar episodicamente as coisas, mas não devem confundir-se com as dinâmicas socio-económicas mais fundas que estão a conduzir a humanidade para o abismo. De facto, em diversos planos, por vários acontecimentos, os sinais têm-se acumulado nos últimos anos, alertando-nos para a acumulação acelerada de bloqueios económicos, ecológicos, sociais e políticos, que tendo já conseguido extorquir ao futuro a tonalidade da esperança, começam a ameaçar cancelá-lo, pura e simplesmente, como mera sobrevivência.


E há um desafio cruel, agravado pelas conjunturas dramáticas que se têm sucedido, complicando mais e mais a escolha de caminhos: é o facto de a justiça de uma revolta não ser garantia segura do seu desenlace auspicioso. Por isso, é não só incompreensível que alguém se conforme com o que lhe parece injusto ou errado, mas também cada vez mais arriscadas as revoltas mal calibradas. Arriscadas por inadequação prática dos meios usados, por descaso pelo tipo de caminho seguido, por completa incapacidade de uma antecipação precisa dos resultados mais prováveis.


De facto, na época actual, porventura mais do que em todas as outras, a acção cívica e a intervenção política precipitadas e impulsivas podem transformar-se em inesperados e involuntários apoios ao que mais fortemente queriam combater.


Tudo isto diz, naturalmente, respeito a toda a sociedade e não apenas à geração sacrificada. Mas talvez esta possa abrir portas até hoje fechadas. Principalmente, se compreender que, estando longe de ser a primeira geração perdida, talvez possa vir a ser a primeira geração a, maioritariamente, não se conformar com isso; ou a primeira geração que, no seu todo, está em condições de poder acabar com a fábrica de gerações sacrificadas, em que o capitalismo se transformou. E talvez possa fazê-lo tanto mais facilmente, quanto melhor perceber que o seu problema só tem solução no quadro de uma sociedade outra. Uma sociedade em que prevaleça, não a esperança num qualquer alpinismo social, mas a tranquila serenidade de o não achar necessário.

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