sábado, 12 de fevereiro de 2011

ESQUERDA SOCIALISTA - separar as águas

1. Na página da Esquerda Socialista foi incluída a entrevista que Henrique Neto deu ao jornal I há uns dias atrás. Achando sintomático que essa publicação tenha ocorrido, ela obriga-me politicamente a comentá-la.
Na verdade, a entrevista espelha bem o tipo de posições que Henrique Neto há anos vem assumindo publicamente com apreciável eco mediático. Não pretendo estender-me na apreciação crítica do conteúdo da entrevista, embora adiante possa comentar brevemente dois aspectos específicos dela.


Tendo-lhe sido perguntado nessa entrevista qual a sua ligação ao PS, respondeu: “Sou militante de base e estou atento. Tenho participado numa tendência que existe no PS chamada esquerda socialista”. Presumindo que ele se está a referir à corrente de opinião interna do PS Esquerda Socialista, a cuja Comissão Coordenadora Nacional pertenço, acho que devo esclarecer algumas coisas.
Esta corrente de opinião, a Esquerda Socialista, tem como principal vector identitário o núcleo de ideias centrais do manifesto político do clube Margem Esquerda, fundado em 2001, do qual fui um dos impulsionadores e em cuja redacção colaborei. Esse vector foi reforçado, desenvolvido e actualizado pela Moção Mudar para Mudar, apresentada em 2009 no Congresso do PS, a qual serviu de base á criação da COES ; e em cuja redacção também colaborei fazendo parte do pequeno grupo que lhe elaborou a versão final. Henrique Neto não teve qualquer participação na elaboração do manifesto da ME e, embora tenha sido um dos subscritores desse Manifesto, viria a ter uma participação na vida do clube muito reduzida. Também não teve qualquer intervenção no processo de elaboração da moção Mudar para Mudar, em 2009, não integrou as respectivas listas de candidatos ao Congresso do PS, não foi eleito delegado por essa moção, não é um dos membros da Comissão Nacional ou da Comissão Política Nacional em sua representação. A sua participação na actividade da COES tem também sido esporádica.


Quem se der ao trabalho de ler, quer o manifesto da Margem Esquerda, quer a moção “ Mudar para Mudar”, de modo a detectar o seu fio condutor, a lógica estruturante das suas ideias e da sua atitude política, comparando-as depois com o sentido e a lógica das posições políticas assumidas publicamente por HN, aliás bem ilustradas pelo conteúdo da entrevista que suscita este reparo, verificará a enorme distância que existe entre uma coisa e outra. Como continuo a rever-me na linha estratégica seguida por esses dois documentos estou tão distante do essencial das posições de HN como eles estão.


Esses documentos não são dogmas intocáveis e a corrente de opinião Esquerda Socialista não é uma prisão das ideias dos seus membros, não tendo que impedi-las de irem mudando, mas também não podem deslegitimar-se as posições dos que entendam continuar a rever-se no essencial dos dois documentos em causa e não na perspectiva politico-ideológica que transparece das posições de HN. Aliás, a minha leitura de umas e outras aponta mais para a sua incompatibilidade essencial do que para uma hipotética complementaridade entre ambas.


Ora um clube como a ME ou uma corrente de opinião como a ES só podem ser úteis se exprimirem e desenvolverem um ideário estrategicamente consistente, partilharem uma visão do mundo e da sociedade semelhantes, e se tiverem uma atitude perante o conjunto do partido em que se integrem que obedeça a padrões conviviais idênticos. Por isso, a minha impressão neste momento é a de que não faz sentido que continuem amarrados entre si os que continuam a rever-se no essencial dos documentos fundadores atrás referidos e os que se sentem em consonância com a lógica estruturante das posições assumidas principal e mais claramente por HN.


Não há nenhum mecanismo que identifique em política o certo e o errado de uma maneira absoluta. Não caio por isso na ingenuidade primária de considerar que as posições em que me reconheço estão absolutamente certas e as que eu acho que HN partilha são absolutamente erradas. Apenas estou certo que permanecermos todos misturados só pode atrapalhar uns e outros.


Por isso, entendo que o esforço, que teria de ser enorme, para chegar a um documento de toda a actual COES seria penoso, talvez inglório e seguramente estéril, numa perspectiva politica virada para o futuro. Melhor seria que a COES fosse um espaço de rápido amadurecimento das posições políticas até agora parcialmente latentes que nela se manifestem. Duas estão acima identificadas, mas não excluo que possam existir outras. Todas lucrariam com a possibilidade de levarem até ao fim a sua lógica sem estarem inibidas pela preocupação de se compatibilizarem com outras, no esforço de fazer com que no seio da COES se fizesse ouvir uma única voz.


2. Na entrevista ao jornal I no passado dia 10/02/2011, foi perguntado a Henrique Neto :
As eleições antecipadas poderiam ser uma solução?
Ao que ele respondeu: “Acho que é impossível resolver qualquer problema com o José Sócrates à frente do poder. Nestas condições qualquer solução é melhor que a actual. Um governo PS sem José Sócrates, um governo de coligação, um governo do PSD. Ele hoje é o poder, os ministros não contam para nada. O partido não conta para nada. O que ele quer é o que se faz e o que ele quer infelizmente é quase sempre errado”.

Desta resposta que espelha bem o sentido da posição de HN, quero sublinhar aqui um aspecto: HN disse expressamente que achava um governo PSD uma melhor solução do que o actual governo. Se isto não é uma posição de direita, o que lhe falta para o ser? Que alguém ache que pode defender publicamente esta posição e continuar tranquilamente integrado no partido que tão radicalmente rejeita é algo que diz respeito à sua própria consciência. Mas que se possa pensar que uma posição destas é compatível com a identidade política da COES é que me parece inconcebível. Parece-me inconcebível, mas admito que haja na COES quem assim não pense. De uma coisa estou certo: por mim, não me integro em iniciativas políticas dentro do PS, em conjunto com quem acha que é melhor um governo do PSD do que o actual governo PS.
Felizmente, esta minha posição não entra em contradição com a via que acima preconizo de separação de águas, pelo que nenhuma perturbação prática trará ao que eu acho que deve ser feito.

3. Nessa mesma entrevista, o jornalista perguntou a HN: “Independentemente de Sócrates vir a ter adversários, a verdade é que essa visão crítica da governação e do PS não é partilhada pela esmagadora maioria dos dirigentes do partido”.
Ao que HN responde: "É verdade, mas também é verdade que nas reuniões da comissão nacional, por exemplo, o presidente do partido, Almeida Santos, controla tudo. Só dá a palavra verdadeiramente a quem quer, corta a palavra, diz que não há tempo…. "
E mais adiante o jornalista inquire: “O que está a dizer é que há censura nas reuniões da comissão nacional?”
E HN responde: “Sim, há censura. O presidente do PS, com o estatuto que tem, inibe as pessoas de dizerem aquilo que pensam e mesmo quando dizem há uma censura imediata. Há um clima de pressão, mesmo não sendo preciso, porque seriam críticas isoladas. Tem sido um processo contínuo de limitação da liberdade interna.”

HN não integra actualmente a Comissão Nacional do PS, eu integro-a, bem com à Comissão Política Nacional, em representação da COES. Falei durante estes dois últimos anos, quer numa quer noutra, todas as vezes que me apeteceu, tendo dito o que entendia sem que ninguém me tentasse impedir de falar, nunca me tendo sentido inibido e muito menos vítima de qualquer censura. Que eu tenha dado conta, os diversos elementos da COES ,que tantas vezes usaram da palavra na Comissão Nacional, também podem dizer o mesmo que eu.


As limitações de tempo sempre foram dirigidas a todos os membros da CN e não apenas a quem fizesse uma intervenção crítica. A indevida falta de sequência prática que atingiu algumas iniciativas nossas, sem deixar de ser criticável, não corresponde ao que HN acima disse. De facto, desde sempre que o PS tem um estilo de funcionamento da CN e da CPN que me parecem inadequados e a necessitarem de uma profunda alteração. Esse é o verdadeiro problema. É quanto a ele que são úteis ideias novas. Mas isso nada tem a ver com o que HN disse.


Portanto, posso afirmar que nas frases que acima transcrevi atribuídas a HN pelo jornal I não é dita a verdade. Por isso, só posso lamentar que a nossa corrente, ainda que apenas indirecta e reflexamente e sem que disso tenha culpa, possa ser descredibilizada por tais falsidades.

Não foi agradável escrever este texto. Mas este é um tempo em que se deve procurar que as coisas sejam tão claras quanto se consiga dentro da COES.

16 comentários:

JGama disse...

Clarificação absolutamente necessária, sob pena de estarmos na política como as rãs em água pantanosa. Eu compreendo os estados de alma de muitos socialistas, mas esses estados de alma não podem justificar as posições que HN vem assumindo há muito tempo.

Anónimo disse...

Discordo.
Há que ter coragem para se afirmar que José Sócretes não é Socialista e está a afastar o PS da sua matriz ideológica...está a destruir o Partido.
Espero, sinceramente, que a COES apresente um candidato a secretário-geral, para dar sentiso à sua existência...

Rui Namorado disse...

Aprecio o seu apelo à coragem, compreendendo o seu sofrimento por não ter a suficiente para sair do anonimato.

Mas o principal problema não está em ter ou não ter coragem para se afirmar seja o que for. O problema está em saber se o que afirmamos está certo, se reflecte uma abordagem de um problema pelo ângulo mais adequado e se é uma base segura para uma acção política com alguma hipótese de fecundidade.

Se cada um de nós se imaginar um socialistómetro que distribui anátemas e certificados de socialismo pelos outrso membros do PS, atingirá talvez um patamar elevado de íntima beatitude, mas será politicamente de uma esterilidade absoluta. Para além de poder cair no ridículo.

Uma coisa é combatermos politicamente adversários exteriores, outra coisa é combater dentro de um mesmo partido. Neste caso, nós queremos continuar em conjunto com aqueles de que discordamos embora com um rumo mais ou menos diferente, pelo que não devemos tomar perante eles a mesma atitude que tomaríamos contra adversários exteriores, sob pena de estarmos a prejudicar o efeito das ideias que defendemos pelo modo como as defendemos.

Se ler os documentos fundadores da COES, perceberá que não pessoalizamos as nossas divergências com a actualmente linha dominante no PS, nem as situamos fundamentalmente num plano conjuntural, cientes de que é preciso o envolvimento de todos os socialistas ( impuros, incertos, sólidos, puros e até puríssimos ) para se poder fazer o que deve ser feito; e convencidos que alguns dos problemas que mais perturbam a eficácia política do PS não nasceram com esta liderança.

Por isso,julgo poder dizer que se a COES apresentar ou apoiar um candidato alternativo ele não mercerá certamente o seu apoio, já que a moção que a COES apresntaria nessa hipóteses não seria certamente compatível com a posição que sustenta.

No entanto, sempre lhe digo que, nas actuais circunstâncias políticas e organizativas, e com o tempo de que se dispõe, se o plenário da COES resolver apoiar um candidato a secretário-geral, não se envolverão nessa aventura todos os seus membros.

b m disse...

Rui,
Suponho que o teu post e comentário estarão desactualizados neste momento.
É que o Sr. Henrique Neto disse entretanto nesse inefável programa " plano inclinado" que já não era PS.
Para quê bater mais no ceguinho?! São tb. os ex- PC's que vocês têm lá no v/ partido ( fala com o Osvaldo... )O. Não é apanágio do BE !

Um abraço

Anónimo disse...

Para apresentarem a moção global têm que apresentar um candidato a secretário-geral...
Continuem a apoiar o Eng.º Técnico...

Rui Namorado disse...

1. A política quase nunca não é feita de escolhas evidentes entre A e B. Aproxima-se muito mais de uma composição complexa de escolhas relativas, ora radicadas na conjuntura, ora projectadas no longo prazo.

2.Acham que contribuiria para enfraquecer a actual direcção do PS e para abrir caminho às nossas ideias, apresentarmos um candidato vocacionado para ser presenteado com um resultado ridículo?

Anónimo disse...

Cândido Ferreira?
Porque não?

Anónimo disse...

Afinal é o Brotas que vai servir de bombo da festa!

Anónimo disse...

António Brotas é um camarada muito consistente. Vamos em frente. Coimbra tem que mostrar a diferença.

Anónimo disse...

Enquanto os entusiasmos brotianos não conseguirem deixar de ser anónimos, os socráticos agradecem.

Anónimo disse...

Um passarinho soprou-me ao ouvido: Rui Namorado apoia Sócrates...

Rui Namorado disse...

1.O passarinho que lhe soprou ao ouvido estava com os copos. Se não estivesse, teria soprado outra coisa. Por exemplo: " o Rui Namorado não se mistura, em iniciativas políticas conjuntas dentro do PS, com quem sustenta publicamente que prefere um governo de direita ao actual governo".

2.Até agora nunca apoiei Sócrates em nenhum dos Congressos em que ele concorreu, ao contrário do que aconteceu com alguns dos seus mais ostensivos contestários de hoje. Mas também não me associei nunca às matilhas da direita que lhe têm repetidamente mordido nas canelas.

3. Como o corajoso e discreto Anónimo das 18 h poderá ver, no futuro próximo, se souber estar atento, as coisas são algo mais complexas do que o seu passarinho tonto julga.

Anónimo disse...

José Sócrates é de Direita.
Peço desculpa, afinal é de Esquerda...instituiu o casamento dos homossexuais...

Rui Namorado disse...

Num critério subjectivo, cada um de nós se identifica a si próprio (ou, se tiver espírito religioso, à seita em que se reconheça) como a verdadeira esquerda. Os outros independentemente do que julguem que são, não passam de cópias defeituosas do original puro, pelo excesso de moderação ou pelo excesso de radicalidade.

Se o observador for o S. Pedro, a coisa fica perigosa, já que tendo as chaves do céu, só ele e os que com ele convirjam, entram nesse Olimpo exigente, onde só a esquerda verdadeira é admitida. Se realmente o não for, a coisa fica mais inofensiva, é apenas um arauto de si próprio a fazer-se ouvir.

Mas num critério objectivo, qualquer perspectiva que implique uma clivagem que reduza a esquerda a um pequeno destacamento, mesmo que aguerrido, estará a ditar, automaticamente e em si própria, um grave enfraquecimento do que pretende defender.

Em Portugal, e noutros países, é difícil congregar em processos de transformação social prolongados as várias esquerdas. Não sei mesmo se será possível, a curto prazo. Mas sem essa congregação, não se vê como poderá desencadear-se sustentadamente um processo desse tipo.

E se o PS é de direita, o que resta de esquerda tem dimensão para inflectir o trajecto do nosso país? A mim, parece-me que não.

Por isso, pode ser um escape aliciante, atirar anonimamente pedras, ao PS e a Sócrates, numa associação insalubre com todas as direitas, mas de um ponto de vista político esse exercício é apenas uma inesperada oferta a estas últimas.

Anónimo disse...

Vamos todos apoiar o Camarada Fonseca Ferreira a Secretário Geral.
Coimbra vai contribuir com muitos votos.

Rui Namorado disse...

Caro camarada de nome escondido:

Como escrevi no texto que cometou: "De uma coisa estou certo: por mim, não me integro em iniciativas políticas dentro do PS, em conjunto com quem acha que é melhor um governo do PSD do que o actual governo PS."

Também, por isso, não apoiei, no seio da COES, nem que tivéssemos um candidato, nem esta candidatura.

Também por isso, não voto no seu candidato.