O Bloco de Esquerda, exprimindo cruamente o que julga ser a sua identidade histórica, terá razões para ameaçar com uma moção de Censura o actual Governo, abrindo as portas do poder político à direita e desmentindo assim drasticamente o que disse há uma semana atrás. As suas razões, por mais sólidas e sinceras que sejam, não serão dispensadas de arcar com a responsabilidade das suas consequências.
Ganhará seguramente o troféu de paladino imaginário de uma esquerda mítica, mas se as suas palavras fortes apenas abrirem a porta a actos políticos estrategicamente erráticos, corre o risco de ficar reduzido à condição de mero instrumento da velha direita histórica que tanto diz abominar. O PCP, com quem o BE tão obcecadamente compete, fiel ao seu código genético e às suas inércias mais cegas, há-de encontrar maneira de lhe não ficar atrás.
Deverá o PS responder a esta agressão estratégica, praticando uma reciprocidade enraivecida, que dê como perdida a hipótese de se pensar em conjunto no seio de esquerda global, mesmo com estes seus raivosos adversários, seja a propósito do que for? Deverá subir ao imaginário castelo de um centro-esquerda, politicamente alérgico ao resto da esquerda, protegendo esse seu flanco com trincheiras cada vez mais fundas?
As emoções estarão hoje, certamente, desencontradas no seio do eleitorado do PS e da sua base social de apoio. Mas, muito provavelmente, haverá numa boa parte desse espaço uma onda de rejeição surda, quanto a tudo o que tenha a ver com BE. E assim se torna incompreensível que quem pretende crescer seduzindo o eleitorado do PS se não detenha perante a tentação de o agredir. Tal como se torna incompreensível que quem se ostenta como esquerda quimicamente pura, mesmo que escondendo pudicamente as suas raízes históricas, resvale tão claramente para o pântano insalubre da cumplicidade estratégica com a direita.
Poderá esta vistosa pirueta do BE ser encarada como a confirmação que faltava quanto ao acerto da opção por um PS aconchegado num centro-esquerda institucional e manso, alérgico ao mais ligeiro perfume de alternatividade e previamente cansado de qualquer ímpeto transformador? Parece-me que não. De facto, se assim fosse, o PS colocaria a si próprio o pesado e permanente desafio de conseguir uma maioria absoluta, mesmo votando nas outras esquerdas mais de 15% do eleitorado, ou sofrer as incertezas árduas de um governo minoritário, como únicas hipóteses que lhe restavam para evitar uma conquista do poder governamental pela direita.
Por isso, ao PS não resta outra hipótese que não seja a de procurar ser um partido da esquerda toda, se não quiser alienar duravelmente a possibilidade de ser poder com um mínimo de robustez institucional e um sólido apoio social. Não se trata de se deslocar do centro para um dos extremos, trata-se de se transformar de modo a poder ser um partido que se estenda para a esquerda sem se afastar do centro. Trata-se, ao fim e ao cabo, de ir um pouco mais longe e com mais durabilidade no caminho que percorreu quando atingiu a maioria absoluta no plano parlamentar.
É um caminho difícil, que aliás só teria êxito, se o PS verdadeiramente conseguisse trazer para o seu espaço algumas relevantes dinâmicas sociais que actualmente têm uma conotação política difusa ou vivem sob a nítida hegemonia de outras esquerdas. Mas se o PS conseguisse ser o sujeito dessa metamorfose, não só subiria duravelmente para novos patamares de expansão eleitoral, reduzindo as outras esquerdas a dimensões simbólicas, mas também seria um movimento político com a robustez social e o apoio popular suficientes, para poder enfrentar com êxito os poderes de facto através dos quais o capitalismo selvagem cria obstáculos permanentes aos governos socialistas. Por outro lado, se esta nova ambição do PS muito podia ser reforçada se fosse acompanhada pelo resto do Partido Socialista Europeu, a verdade é que ela só pode contaminar virtuosamente os seus irmãos europeus se começar por existir com nitidez e energia entre nós.
Só assim, insisto, o PS poderá olhar, com a serenidade de quem fez o que devia, para os jogos diletantes do BE e para o repetido regresso aos seus fantasmas do PCP. Pelo contrário, se apenas se continuar a ocupar de respostas conjunturais, poderá sair-se melhor ou pior no imediato, mas continuará sempre sob o permanente risco de um próximo sufoco, quando os pequenos deuses dessas esquerdas, simultaneamente trágicas e rudes, voltarem a mover as peças do seu estéril xadrez.
Ganhará seguramente o troféu de paladino imaginário de uma esquerda mítica, mas se as suas palavras fortes apenas abrirem a porta a actos políticos estrategicamente erráticos, corre o risco de ficar reduzido à condição de mero instrumento da velha direita histórica que tanto diz abominar. O PCP, com quem o BE tão obcecadamente compete, fiel ao seu código genético e às suas inércias mais cegas, há-de encontrar maneira de lhe não ficar atrás.
Deverá o PS responder a esta agressão estratégica, praticando uma reciprocidade enraivecida, que dê como perdida a hipótese de se pensar em conjunto no seio de esquerda global, mesmo com estes seus raivosos adversários, seja a propósito do que for? Deverá subir ao imaginário castelo de um centro-esquerda, politicamente alérgico ao resto da esquerda, protegendo esse seu flanco com trincheiras cada vez mais fundas?
As emoções estarão hoje, certamente, desencontradas no seio do eleitorado do PS e da sua base social de apoio. Mas, muito provavelmente, haverá numa boa parte desse espaço uma onda de rejeição surda, quanto a tudo o que tenha a ver com BE. E assim se torna incompreensível que quem pretende crescer seduzindo o eleitorado do PS se não detenha perante a tentação de o agredir. Tal como se torna incompreensível que quem se ostenta como esquerda quimicamente pura, mesmo que escondendo pudicamente as suas raízes históricas, resvale tão claramente para o pântano insalubre da cumplicidade estratégica com a direita.
Poderá esta vistosa pirueta do BE ser encarada como a confirmação que faltava quanto ao acerto da opção por um PS aconchegado num centro-esquerda institucional e manso, alérgico ao mais ligeiro perfume de alternatividade e previamente cansado de qualquer ímpeto transformador? Parece-me que não. De facto, se assim fosse, o PS colocaria a si próprio o pesado e permanente desafio de conseguir uma maioria absoluta, mesmo votando nas outras esquerdas mais de 15% do eleitorado, ou sofrer as incertezas árduas de um governo minoritário, como únicas hipóteses que lhe restavam para evitar uma conquista do poder governamental pela direita.
Por isso, ao PS não resta outra hipótese que não seja a de procurar ser um partido da esquerda toda, se não quiser alienar duravelmente a possibilidade de ser poder com um mínimo de robustez institucional e um sólido apoio social. Não se trata de se deslocar do centro para um dos extremos, trata-se de se transformar de modo a poder ser um partido que se estenda para a esquerda sem se afastar do centro. Trata-se, ao fim e ao cabo, de ir um pouco mais longe e com mais durabilidade no caminho que percorreu quando atingiu a maioria absoluta no plano parlamentar.
É um caminho difícil, que aliás só teria êxito, se o PS verdadeiramente conseguisse trazer para o seu espaço algumas relevantes dinâmicas sociais que actualmente têm uma conotação política difusa ou vivem sob a nítida hegemonia de outras esquerdas. Mas se o PS conseguisse ser o sujeito dessa metamorfose, não só subiria duravelmente para novos patamares de expansão eleitoral, reduzindo as outras esquerdas a dimensões simbólicas, mas também seria um movimento político com a robustez social e o apoio popular suficientes, para poder enfrentar com êxito os poderes de facto através dos quais o capitalismo selvagem cria obstáculos permanentes aos governos socialistas. Por outro lado, se esta nova ambição do PS muito podia ser reforçada se fosse acompanhada pelo resto do Partido Socialista Europeu, a verdade é que ela só pode contaminar virtuosamente os seus irmãos europeus se começar por existir com nitidez e energia entre nós.
Só assim, insisto, o PS poderá olhar, com a serenidade de quem fez o que devia, para os jogos diletantes do BE e para o repetido regresso aos seus fantasmas do PCP. Pelo contrário, se apenas se continuar a ocupar de respostas conjunturais, poderá sair-se melhor ou pior no imediato, mas continuará sempre sob o permanente risco de um próximo sufoco, quando os pequenos deuses dessas esquerdas, simultaneamente trágicas e rudes, voltarem a mover as peças do seu estéril xadrez.
7 comentários:
Não concordo consigo. Mas deixando desde logo uma declaração de interesses: sou de esquerda desde que me fiz homem, tento continuar a sê-lo, coisa cada vez mais difícil, mas nada me liga ao BE (nem ao PS).
Sabe tão bem como eu que a moção de censura pode ser um instrumento de derrube do governo, e assim está a ser valorizada, mas também é uma forma de afirmação ou imagem política, legítima. Que abre crise, como diz Assis (ó Namorado coimbrão, lembra-se do livro do professor Assis?), é parvoíce. Para posição política sem crise, basta apresentar uma moção com um texto que impeça o outro lado de a subscrever e de, assim, ter efeitos de derrube.
Parece-me claro que é o que se vai passar. O BE apresenta uma moção que lhe dá grande protagonismo mas, como não está interessado na substituição de Dupont por Dupond, faz isso com um texto vincadamente ideológico, não consensual, que dá pretexto ao PSD para não a votar, ao mesmo tempo que acaba sempre por comprometer o PSD com a manutenção do governo.
Era o que o PCP ia fazer, mas o BE antecipou-se.
Mas ficam sem possibilidade de apresentar outra moção, mais tarde. O que interessa? o BE vai esperar é pelo momento em que seja o PSD a assumir o ónus da "crise", com a sua própria moção.
Ainda bem que você não tem tempo de antena na televisão para tecer comentários, porque o seu post foi do mais penoso que já li.
Dois comentários críticos que ilustram bem dois tipos de mentalidade.
1. O de JVC desenvolve uma linha de raciocínio, num registo discordante, que ilustra bem o que é assumir uma posição diiferente com base em raciocínios e ideias. Pode-se ficar convencido ou não, mas é-se levado a reflectir.
2. O do Anónimo das 17.06 limita-se a anatematizar o que eu escrevi.
"Ex catedra" - sem nuances, sem apelo...
Mas este escasso bando de palavras que apenas se queria agressivo, acaba por ser revelador. De facto, o que verdadeiramente o consola é eu não ter possibilidade de difundir mais aquilo que penso.
Fico assim a saber: se o Anónimo tiver alguma vez as alavancas do poder, cercará inapelavelmente a minha voz ( e se calhar as de todos aqueles com que não concordar).
Mas a maior das ironias resulta do facto de não ficar claro se o que aflige o nosso discreto Anónimo é o facto de eu estar demasiado perto do PS ou demasiado distanciado da sua direcção.
Estimado Rui,
A mim não me aflige nada em particular, a não ser este post em particular, não gostei, tenho direito a não gostar e a expressar o meu desagrado?
Ainda por cima, sendo o espaço aberto e sem moderação de comentários.
Além disso, subscrevo a opinião anteriormente manifestada, seria redundante reproduzi-la por outras palavras.
Mas já agora, achei o post de uma ingenuidade romântica excessiva, demasiado lirismo estéril, quando no fundo, tudo se resume a uma questão de fretes e favores políticos.
Só para terminar, também não achei elegante a forma subliminar como me catalogou de Fascista. Fascista é um insulto grave!!!
1.Não está em causa o seu direito de exprimir uma opinião (que eu garanto neste blog, não moderando os comentários; e apenas me reservando o direito de apagar insultos grosseiros ou imputações falsas); está em causa o conteúdo da sua crítica e o que ideologicameente a suporta. O seu direito a criticar é idêntico ao meu de lhe responder.
2. Não o chamei fascista. Apenas o confrontei com o que disse e com uma possível consequência prática daquilo que disse.Mas o modo como me retorquiu , não deixa de ter um ligeiro perfume de autocrítica.
3.Não resisto a transcrever uma das suas frases :
"Mas já agora, achei o post de uma ingenuidade romântica excessiva, demasiado lirismo estéril, quando no fundo, tudo se resume a uma questão de fretes e favores políticos".
Na sua primeira parte, detecta-se a solidez forte de um desingénuo anti-romântico,ao que se pode reagir com um sorriso de bonomia.
Mas foge-lhe depois o verbo para a pesporrência pseudo-moralista, sugerindo que afinal sob a aparência etérea do romantismo, o que verdadeiramente conta são os fretes e favores políticos. Assim fica solta a farpa, não afirmando mas sugerindo que eu não escrevi o que escrevi por estar convencido disso, mas porque estava obrigado a fretes certamente em troca de obscuros favores.
Só não compreendo que quem rasteiramente tenta atirar-me lama para cima, se me dirija hipocritamente como "estimado".
Ilustre Rui,
Por uma questão de cortesia, poderia-me explicar porque razão a expressão "tudo se resume a uma questão de fretes e favores políticos.", o levou a pensar que eu me estava a referir a si?
Grato.
Oculto interlocutor:
1. Porque se o não fosse, o seu texto não faria qualquer sentido.
2. A propósito: não é
"poderia-me",
mas sim
"poder-me-ia".
Enviar um comentário