Na Europa na última década, pouco a pouco, há um murmúrio que vem crescendo lentamente, ainda latente mas elucidativo como sintoma, cujas raízes mergulham nos mesmos problemas. Portugal não é excepção.
E enganam-se os que julgam que a história registará, com espanto e aplauso, as proezas traduzidas em aumentos centesimais de alguns índices económicos, especialmente se mais tarde se verificar que, em vez de entupirem a gula dos especuladores, abriram as portas a convulsões sociais desgovernadas, que levaram na frente agências de rating, banqueiros, economistas, jornalistas, comentadores iluminados, gestores, estrelas de rock, treinadores de futebol, mas afundaram também o país e a Europa, por algumas décadas.
Os partidos de direita já pensam discretamente nas polícias, mastigando banalidades. Os partidos de esquerda parecem meios zonzos, atolando-se estranhamente em trivialidades. Mas se à esquerda não for gerada a sagacidade de se perceber que chegou o momento de se começar a sair do capitalismo, num processo politicamente pilotado por timoneiros seguros, sem iludir desde já a necessidade algumas mudanças urgentes, no quadro nacional , no plano europeu e à escala mundial, corre-se o risco de se caminhar para explosões sociais estéreis ou para desilusões pantanosas que afundem as sociedades. A revolta pode transformar-se em esperança, se à esquerda for encontrada a maneira de se aproveitar a energia crítica dos que se rebelem para abrir caminho para uma sociedade diferente.
Quem à esquerda falhar esse desígnio dificilmente terá futuro, podendo obrigar ao despontar de novas entidades, que não estando condenadas á partida ao falhanço, enfrentarão certamente, nesse caso, escolhos bem mais difíceis do que aquilo que terão que enfrentar na outra hipótese.
Não estamos perante um imenso telejornal a regurgitar de sangue, espectáculo e anedotas dramáticas, para ser visto em cómodas poltronas e para permitir que uma enésima especialista em relações internacionais mastigue no ecrã televisivo um rosário de previsíveis tontices, com a gravidade solene de quem descobriu a pólvora. Estamos perante um aviso sério, feito desta vez pelas pessoas aos mercados, de que por todo o mundo há cada vez mais pessoas pouco dispostas a sofrer a ditadura dos ditos, mesmo que ( ou especialmente por) isso ocorra para que o actual tipo de sociedade tenha um estertor mais prolongado. Aviso sério, com a saudável particularidade de se destinar não a manter injustiças e desigualdades, mas a diminui-las já no decurso de um caminho que se destine a acabar com elas.