domingo, 29 de agosto de 2010

Eleições no PS de Coimbra


Aproxima-se mais um momento de escolha na Federação de Coimbra do PS. Os dois candidatos que disputam a respectiva liderança, Mário Ruivo e Vítor Baptista, são os mesmos que se enfrentaram vai para dois anos, numa pugna que o segundo venceu.

Há dois anos, tomei posição pública contra as duas candidaturas, nenhuma das quais, a meus olhos, projectava, no que era então visto como futuro, uma mudança substancial de rumo. Nem uma mudança de rumo, nem uma verdadeira renovação do partido. O número de votantes em ambas as candidaturas equiparou-se ao dos militantes que não votaram em nenhuma delas. Assim, mesmo em conjunto, não motivaram uma grande parte dos socialistas de Coimbra.

Nos dois anos decorridos, quer no plano nacional, quer no plano distrital, a vida do PS continuou, no essencial, a repetir aquilo que tinha vindo a ser. Os partidos integrados no Partido Socialista Europeu e na Internacional Socialista mantiveram-se perigosamente estagnados, tendo escandalosamente desaproveitado a dramaticidade e a gravidade da crise do capitalismo, que entretanto se desencadeou, como factores impulsionadores de uma renovação e intensificação do seu protagonismo. Na Europa, nenhuma outra parte da esquerda se mostrou capaz de substituir o PSE como pólo institucional, com virtualidades de alternativa à direita dominante; e não se abriu a porta a uma cooperação consistente e sistemática do PSE com as outras esquerdas, sem prejuízo de uma ou outra tímida excepção. Em Portugal, a conflitualidade entre o PS e as outras esquerdas acentuou-se.

Entretanto, em 2009, o PS perdeu as eleições europeias, ganhou politicamente as autárquicas e triunfou nas legislativas, embora perdendo a maioria absoluta que antes detinha. O governo socialista é agora minoritário. Aproximam-se as eleições presidenciais, sendo Manuel Alegre o candidato que o PS apoia. O actual Presidente da República será um candidato muito forte, mas para o PS uma vitória de Manuel Alegre revela-se , cada vez mais, como decisiva.

Compreende-se, neste contexto, que aquilo que é verdadeiramente determinante, nos próximos tempos, para a vida dos portugueses e para as esperanças dos socialistas, sejam os acontecimentos nacionais e o que vier a ocorrer no seio do PS como um todo. Nessa medida, a linha e a força política da nossa Federação distrital, não sendo factores irrelevantes, não serão decisivos. A conjuntura é, por isso, mais difícil e mais dramática do que aquela com que nos deparávamos há dois anos.

E tal como há dois anos, continuo sem me identificar politicamente, no seu todo, com qualquer das duas candidaturas, nenhuma das quais soube construir uma identidade política própria que a distinguisse substancialmente da outra. Portanto, continuo também a não apoiar qualquer delas.
Mas, ao contrário do que ocorreu há dois anos, deixei de me afirmar politicamente contra as duas. Assim, no momento em que não sei qual delas irá vencer, afirmo a minha disponibilidade para vir a cooperar com os órgãos que legitimamente vierem a ser escolhidos, em tudo aquilo que, não contrariando a minha consciência, possa vir a ser considerado por eles como útil. A isso me leva o agravamento das dificuldades políticas enfrentadas pelo PS, que acima descrevi, nos seus traços gerais.

Isto, sublinho, é o essencial, mas não quero deixar de reconhecer que a actual liderança da Federação de Coimbra, neste último mandato, se revelou mais aberta e mais eficaz do que nos anteriores. Paralelamente, também reconheço que a candidatura que contra ela se apresenta, tendo tido o mérito de subsistir minimamente agregada durante os últimos dois anos, tem também menos marcado no seu código genético o modo como, na sua origem, se afirmou em concorrência desleal com uma outra iniciativa política de alternativa que, também por isso, se viria a frustrar.

Todo o PS ganharia se a campanha se centrasse no debate de ideias, de propostas políticas e de rumos de abertura para a renovação do partido. E talvez assim metade dos militantes não ficasse em casa, indiferente ao que parece ser pouco mais do que um digladiar de “tribos” políticas, tecidas mais por fidelidades e cumplicidades pessoais do que pelo cimento saudável da partilha de ideias e de propostas estruturantes.
Não posso, entretanto, deixar de lamentar que protagonismos pessoais, oriundos das instâncias burocráticas centrais do PS, ao afirmarem-se com inabilidade, tenham projectado uma imagem de imiscuição tosca na pugna distrital, em vez de se revelarem com a altura, com a imparcialidade e a distância que se esperariam das instâncias administrativas centrais do Partido.

Na moção de orientação política geral que subscrevi no Congresso Nacional do PS de 2009, Mudar para Mudar, com base na qual se viria a constituir dentro do PS a corrente de opinião Esquerda Socialista, diz-se: “Os militantes não são meras peças para aplaudir e ajudar a ganhar eleições. Têm de ser actores fundamen­tais da génese e do devir partidário. E, tema prioritário, o PS não são só os militantes. São, também, os apoiantes e os eleitores, cuja intervenção tem de ser integrada na vida partidária activa (concretizando, assim, as disposições esta­tutárias). É necessário e urgente aprofundar a democracia interna do PS, abrir o partido à sociedade e modernizar as suas estruturas, práticas e imagem”.

E, para isso, propunham-se várias medidas, entre as quais destaco algumas, por que me bato, em conjunto com muitos outros camaradas, há uma boa dezena de anos:

1. “Eleições Primárias para a designação dos candida­tos do Partido aos actos eleitorais, sendo o seu uni­verso eleitoral constituído por militantes, apoiantes e eleitores declarados, previamente recenseados;
2. Instituição de regras e meios de transparência nas eleições internas, que assegurem condições de de­mocraticidade efectivas, com igualdade para todos os candidatos e pesadas sanções disciplinares para as irregularidades processuais, as pressões e expedien­tes ilegítimos;
3. Obrigatoriedade da declaração de interesses dos dirigentes partidários (idêntica à que é exigida aos titulares de órgãos de soberania e altos cargos polí­ticos) com registo à guarda e controlo da Comissão Nacional de Jurisdição.”

Se as duas candidaturas chegassem a acordo, pelo menos nestes três pontos, pondo desde já em prática a segunda medida, estariam a dar um significativo impulso para uma verdadeira requalificação do PS em Coimbra e um precioso impulso para a renovação do PS , no seu conjunto.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Contracapa da Vértice - 46


Vértice nº 256, Janeiro de 1965

“ O maior desregramento do espírito é julgar as coisas por aquilo que se quer que elas sejam e não por aquilo que se viu que elas efectivamente são.”

BOSSUET ( Tratado do Conhecimento )
[ Esta frase esteve escrita numa das paredes do meu quarto, na República dos Pyn-güins, em Coimbra , durante vários anos .]

Poemas Imperfeitos - 15 e 16


15 . [1965 ]

Se na madrugada branca
de longínquos tédios
um poeta morrer
naufragado de sombra

que terei eu a dizer ?


16. [ 1965 ]

Sobre a alegria clara e lúcida
dos meus vinte e três anos
escrevo as palavras frágeis
deste dia de chuva

Escrevo e respiro
por dentro de cada sílaba

Vou pela rua
e dói-me cada minuto
cansado de humildade
e de tristeza

[ Rui Namorado]

domingo, 22 de agosto de 2010

A fugidia sombra das palavras


Soube-se que a "direcção nacional" (sic) do PS disse não sei quê. No remanso deste Agosto, agora mais ameno, quando já se acirram as espadas afiadas da "rentrée" política, dou comigo a pensar: "Direcção nacional" ? Mas afinal o que é isso?

Sei, de ciência certa, que não é a Comissão Nacional, nem a Comissão Política. Pertenço a ambas e em nenhuma das reuniões realmente existentes se tratou desses transcendente "não sei quê".

Só pode ser, portanto, o Secretariado Nacional. Mas terá esse circunspecto areópago desperdiçado a sua preciosa atenção, em trivialidades de base? Admito longinquamente que sim, mas não acredito.


Perante tão percuciente reflexão, apenas resiste o óbvio mais prosaico: a expressão "direcção nacional" é uma simples força de expressão, uma retórica de empolamento, usada por um qualquer camarada com funções administrativas centrais, quando se sente demasiado leve politicamente, para estar à altura das necessidades objectivas de uma qualquer circunstância, em que se vê obrigado a ser protagonista. Poder-se-ia ter falado apenas no camarada António, ou Silva, ou Francisco, mas teria sido demasiado ligeiro. Só revestindo esse comezinho António, ou Silva, ou Francisco, do manto solene da expressão em causa , o assunto ganharia altura no voo simbólico da sua importância. E assim aconteceu.


Dito isto, recordo com algum embaraço que muito provavelmente , eu próprio, uma e outra vez, me terei deixado embalar pela sedução simplista dessa retórica. Nada de muito grave, desde que todos nós nunca esqueçamos que, por detrás da enorme sombra da expressão "direcção nacional", está sempre, salvo expressa e explícita afirmação em contrário, a modesta realidade de um António, de um Silva, ou de um Francisco.

Regressado o pensamento à natural hibernação da época, Agosto vai continuar espreguiçando-se, na sua decepcionante marcha para o fim das férias. Nada de grave, se os pássaros mais crispados não estragarem a doce melancolia de Setembro.

sábado, 21 de agosto de 2010

Notícias do avesso

Notícias estranhas, parecem ter chegado à vertigem das novidades políticas "coimbro-paroquiais":
“ O mandante apoia o seu mandatário”.
“ O autor apoia a sua obra “.
“ O poeta revê-se nos seus versos “.
“ O conspirador apoia a sua conspiração”.

E, em vez de lhes chamarem "confirmação", chamam a isso "notícias".

Neste ambiente vagamente etéreo, difuso e embriagante, que se vive na "casa socialista" que nos está mais próxima, se tudo continuar na santa rotina do costume, daqui por uns anos, numa manhã talvez triste de Coimbra , alguém poderá muito bem ter de perguntar “ por quem os sinos dobram”?

Até lá armazéns de palavras ambulantes continuarão a pairar nos céus do Choupal, dizendo-nos frases feitas, exalando gravemente banalidades e esgaravatando na arca dos lugares-comuns da política as pesadas palavras que nos cansámos de ouvir.

Perigosa, no entanto, uma melancolia de Outono, quase nos faz repousar, quando nos segreda: “ Deixem os amanuenses da política, encerrados nos seus rituais vazios, prosseguirem na desfilada para o abismo. Já não há nada a fazer”.
"São eles a cara ou coroa de um destino?" - pergunto-me e não sei responder.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Contracapa da Vértice - 45

Vértice - nº 356 -Setembro de 1973
"Muralha alguma defenderá o homem que, devido à riqueza, pisa,
cheio de insolência, o altar da justiça; há-de perecer".
ÉSQUILO ( Agamémnon)

Poemas Imperfeitos - 12 a 14


12. [1966]


Cada vez menos jovens tocam guitarra.

Têm os dedos perdidos numa teia de ódio
ou debruçados nas negras harpas do tédio.



13. [1966]


Sobre a flor ainda húmida
dos teus lábios

uma palavra fica guardada
para te dizer



14. [1968]


Os meus olhos navegam no teu corpo
como pássaros de estio


E o vento sopra ao longo dos meus braços
como um mar sem regresso
[Rui Namorado]

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Poemas Impefeitos - 8 a 11



8. [ 1967]


o teu peito é uma gazela vazia
cansada da floresta


9. [ 1966]


este inverno foi triste
como um choupo de mágoas


10. [ 1966]


esta árvore por exemplo
descansa todos os dias nos séculos


olharmos ou não para ela
é um detalhe perdido na sua história


11. [1965]


Na minha terra
há vozes à procura do coração dos rios


São as águias magníficas
dos frutos mais futuros
[ Rui Namorado]

Contracapa da Vértice - 44

Vértice - nº 299 -Agosto de 1968

"Os homens são iguais porque são livres; e são livres porque são iguais; eis um círculo vicioso à primeira vista, mas uma demonstração verdadeira e exacta para quem a quiser aprofundar".

ALMEIDA GARRET

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Educação em Debate - 2


O José Gama, velho amigo e camarada, e um dos participantes na elaboração da moção de que reproduzi excertos na minha recente postagem sobre Educação em Debate, comentou-a em termos que devem ser salientados. Após uma apreciação genérica concordante, escreveu:

"O pensamento crítico não poderá esquecer os sinais que se vão revelando todos os anos lectivos. A discussão sobre as retenções é um dos sinais. As nossas escolas confrontam-se com acentuados níveis de insucesso. Onde está a principal origem desse insucesso? O que se pede à escola para resolver este problema não se traduz numa impossibilidade para ela mesma? Por que é que há em Portugal tantas crianças e adolescentes que não querem a escola como local de aprendizagem?"

Tem toda a razão. Tal como não nos devemos deixar aprisionar num imediatismo que nos impeça de encarar o longo prazo e de superar as primeiras aparências, não podemos ignorar as arestas que todos os dias ferem alunos e professores. Sem o húmus do que está a ser vivido, as reflexões prospectivas correm o risco de se revelarem incapazes de ajudarem a descobrir o caminho que nos há-de levar de onde estamos para onde sonhamos que se venha a estar num futuro.

As interrogações que coloca não podem ser iludidas. Se as deixarmos em suspenso estaremos a inquinar e a desprestigiar quaisquer visões optimistas que lhes queiramos contrapor.

Aliás, para além da óbvia superficialidade das declarações da Ministra quanto às retenções, o que poderia até ser natural numa abordagem jornalística, se pensarmos bem , o modo como se refere ao assunto é um sintoma indiciador de uma atitude complacente e invertida quanto ao insucesso escolar.

Na verdade, se a Ministra encarasse o fim dos "chumbos" como o desenlace final de um longo processo de transformação do sistema de ensino, que tornasse possível que esse fim dos chumbos reflectisse um dramático aumento da capacidade do sistema escolar para vencer o insucesso escolar, teria sido certamente essa saga que ela poria em destaque. O fim das repetências seria a natural caducidade de uma das mais graves sequelas de um sistema de ensino obsoleto e um sintoma de que ele tinha progredido o suficiente para tornar realmente possível uma dramática redução do insucesso escolar até um nível residual. O fim das repetências seria um índice da qualidade de um sistema educativo e não um objectivo primário de uma política educativa.

Não foi isso que aconteceu. O fim das repetências foi anunciado um pouco como um coelho (salvo seja) que se tirasse de uma imaginária cartola, permitindo que se pensasse que estávamos perante a proposta de uma medida administrativa, que seria alcançável com um simples estalar de dedos.

Na verdade, se, por exemplo, a Ministra tivesse dito que o insucesso escolar, traduzido nas repetências, é uma tortura pouco útil para as vítimas e um prejuízo estéril para o país. E, portanto, sendo necessário combater-lhes as causas em profundidade iria começar por reequacionar por completo a formação de professores, para finalmente reverter a deriva para onde essa formação foi lançada pelo cavaquismo, poderíamos discutir as suas ideias, mas não tínhamos qualquer razão para a acusar de pretender acabar com as repetências sem primeiro vencer a falta de conhecimentos dos alunos que se supõe estar na sua base. Podíamos não concordar com ela , mas não tínhamos qualquer ponto de apoio, ou sequer qualquer pretexto, para confundir a sua ambição estratégica com qualquer cosmética superficial das mazelas mais feias do sistema de ensino.

Uma direita de coragem !


O Coelho, alegadamente bravo, há meses colocado num dos altares políticos da direita portuguesa, discursou num episódio de verão ocorrido recentemente no sul do país, com o máximo de energia que, com realismo, se lhe pode exigir.

O partido que lidera pode constitucionalmente diligenciar no sentido de derrubar o actual Governo, sem que este e o partido que o sustenta possam fazer nada para o evitar, desde que assegure para isso o apoio de toda a oposição.

O Presidente da República, aliás apoiado pelo partido de Coelho do qual é oriundo, até 9 de Setembro próximo, desde que verificados certos pressupostos que lhe compete a ele sopesar, pode dissolver a Assembleia da República, provocando novas eleições.

O referido Coelho, usando a gastíssima alegação de que o Governo não governa, parece achar positivo que se façam novas eleições, que ele julga que o levariam ao poder.

Prometeu, ele em coerência, fazer o PSD agir nesse sentido? Apelou ele ao “seu” Presidente da República para tomar as providências necessárias? Nada disso. A corajosa criatura limitou-se a desafiar o Governo a que se demitisse ele próprio.

Numa primeira análise, a proposta é um disparate político, envolvida no ridículo de exprimir uma exigência aos seus adversários, para que façam a si próprios o que o destemido Coelho não se sente capaz de lhes fazer. Se formos um pouco mais fundo, no entanto, é também uma proposta sintomática: de facto, Coelho sabe que a coragem política não abunda nas suas hostes, nem circunstancialmente no ânimo do seu Presidente, pelo que espontâneamente pressupôs a sua existência num dos sítios onde sabe que ela existe, o actual Governo e o partido que o apoia.

Pode discutir-se a motivação substancial da proposta, que aliás, me parece em contradição, quer com a valorização da estabilidade institucional numa conjuntura económica áspera, quer com algumas posições políticas do próprio Coelho, tomadas há uns meses a esta parte. Mas o que ela reflecte estruturalmente é o que acabo de dizer: o máximo de coragem política que Passos Coelho reconhece como existindo no seu próprio campo é a de exigir ao PS e ao Governo que façam contra si próprios aquilo que o PSD não é capaz de lhes fazer.

domingo, 15 de agosto de 2010

Educação em debate - 1


As medidas educativas continuam a ser pretexto frequente para um ruído pouco fecundo, ao qual não tem escapado, por completo, nenhum dos intervenientes que dispõem actualmente de uma maior projecção mediática. De facto, as medidas de política educativa dos governos do PS, as críticas das oposições e do sindicalismo docente, bem como, de um modo geral, o alarido mediático que tem rodeado a educação, pela mão de diversos fazedores de opinião, têm reflectido muitas questões, têm tido méritos e deméritos, mas essencialmente têm, a meu ver, passado ao lado do essencial.

Aliás, foi isto mesmo que procurou mostrar a moção política sectorial, intitulada “EDUCAÇÃO―LIBERTAR E DESENVOLVER” que eu e outros socialistas, pertencentes ao clube político Margem Esquerda (e mais tarde, na sua maioria, integrantes da corrente de opinião interna dentro do PS, Esquerda Socialista), apresentámos no Congresso do PS de 2009.

Conforme consta do registo oficial da moção foram seus autores: Rui Namorado (militante nº19862), José Gama (militante Nº 19856), Fernanda Campos (militante nº 19859), Júlio Mota (militante Nº 17417), Margarida Antunes (militante nº 30999), tendo sido seu delegado proponente José Gama.


Realmente, essa moção começava por afirmar que :


“A educação está no centro do futuro. É um dos factores nucleares do desenvolvimento social e um dos espaços socioculturais, onde se confrontam vários projectos de sociedade e diversas visões do mundo. O PS tem, por isso, que a encarar prospectivamente, com toda a clareza, por três motivos principais:
I) a educação tem centralidade estratégica, na procura de uma sociedade nova;
II) tem havido um exacerbamento cego das pressões neoliberais, tendentes a reduzir a
educação a uma oportunidade de negócio como qualquer outra;
III) o PS tem sido, regra geral, omisso quanto ao essencial desse debate, não tendo, por isso, criado as condições necessárias para poder resistir com eficácia à deriva gerada pela ideologia neoliberal dominante.”


E de imediato continuava :

“Se o mundo actual se limitar a evoluir, repetindo-se a si próprio, dele só poderemos esperar, menos liberdade, mais desigualdade, mais incerteza, maior agressividade ambiental. Mas se o quisermos evitar, dificilmente conseguiremos romper os bloqueios que actualmente nos tolhem, sem a impregnação profunda do nosso quotidiano pelo binómio “educar-e-aprender”.
Por isso, a educação é, não só um problema de hoje, mas também um sonho de amanhã.
Devemos vivê-la como utopia, sem esquecermos o imediato. Olhar para longe, não significa descurar o que está perto, até porque, como disse Jacques Delors, a educação é “uma utopia necessária”, uma vez que “ela deve (...) aspirar à utopia para poder levar a bom termo, mesmo as suas tarefas mais prosaicas”.
No entanto, “educar-e-aprender” é, não só um binómio potenciador do desenvolvimento dos saberes e das capacidades da espécie humana, mas também um modo enriquecedor de preenchimento do nosso quotidiano. Por isso, o desenvolvimento do processo educativo, a conquista de condições de aprendizagem ao longo da vida, não são apenas instrumentos de uma melhoria da qualidade do nosso desenvolvimento e da vida em sociedade, são também antecipações de um outro quotidiano mais universalmente humanizado”.


Contextualizada assim a problemática da educação, o texto prosseguia:

“Mas, por enquanto, vivemos ainda o tempo de uma educação imperfeita. E seria razoável esperar que de uma sociedade imperfeita brotasse uma educação perfeita? Sejamos realistas. Não se pode exigir às instituições educativas aquilo que só é alcançável através de profundas mutações da sociedade.
É certo que é mais fácil tornar a escola um bode expiatório, envolvendo-a na ilusão de que tudo se lhe pode pedir, com base num pequeno conjunto de medidas e decisões administrativas, desconsiderando assim, por completo, a necessidade de uma organização social diferente. Mas o excesso de expectativas quanto às transformações das práticas educativas nunca fará com que elas dêem frutos alheios à sua natureza. Todavia, pode em contrapartida perturbar as transformações que realmente podem ser feitas na escola. É, por isso, indispensável uma visão lúcida quanto aos limites da educação.”

Partindo dos alicerces gerais assim explicitados, a moção destacava depois a imperatividade da responsabilização do Estado por uma educação pública, como elemento nuclear de uma República democrática:

“Um dos pontos fulcrais, que é imperioso reafirmar, é o princípio da responsabilidade do Estado pela educação pública, encarada como um dos bens sociais estruturantes do desenvolvimento social, como um dos espaços centrais da qualificação e da civilização dos seres humanos, como um insubstituível gerador de cidadania e de humanidade.
O Estado não pode, na verdade, deixar de inscrever a educação pública entre as suas obrigações básicas. A Constituição da República Portuguesa, aliás, aponta com clareza, no plano dos deveres do Estado quanto ao ensino público, os vectores essenciais das suas obrigações nesta matéria.” Assim, nos termos do nº1 do art. 75º: “ O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Isto mesmo não pode ser esquecido, para se entender o que significa o n.º 2 do mesmo preceito, nos seus precisos termos: “ O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”.
É este o contexto constitucional da liberdade de ensino, cuja garantia, evidentemente, não envolve uma obrigação do Estado a subsidiar as empresas privadas que se dediquem a esta actividade. Na verdade, o apoio financeiro do Estado ao ensino não-público resulta de uma opção política, não é um dever constitucional. O PS não pode ignorar estas directivas constitucionais, pelo que a diferença de natureza, entre os dois sistemas, é um vector estrutural da política educativa. Não se trata de menosprezar a intervenção não-pública no sistema educativo, trata-se de a situar num plano que, sendo justo, reflicta com nitidez a diferença no modo como deve ser encarada em face da educação pública ».


E depois de, premonitoriamente, sublinhar o modo como a Constituição encara a responsabilidade do Estado quanto a uma educação pública, defendia as virtualidades prospectivas desse caminho, procurando atingir o cerne da questão :

“Na verdade, só um forte protagonismo público na educação pode corresponder aos desafios suscitados pela mudança do seu papel da no desenvolvimento social.
De facto, há muito que a educação era um factor do desenvolvimento social, mas agora está a transformar-se no seu eixo. Ou seja, o conhecimento é cada vez mais central no processo produtivo, ao mesmo tempo que se vem afirmando como um incontornável factor de qualificação dos tempos livres.
A condição necessária para se chegar a uma sociedade justa é, de maneira cada vez mais nítida, uma equilibrada partilha do trabalho, do rendimento e dos tempos livres, sendo nuclear o papel da educação nesse processo evolutivo. Por isso, tem de se assegurar o papel propulsor do Estado, na permanente adequação do sistema de ensino às crescentes exigências da sociedade”.


Depois, na mesma linha de raciocínio, a moção perspectivava o contributo da educação para uma sociedade futura que seja, na verdade, um avanço relativamente ao presente:

"Em convergência com o que se acaba de dizer, devemos equacionar os problemas
levantados pela sociedade da informação, cuja evolução, se tiver êxito, contribuirá para uma sociedade democrática do conhecimento.
A sociedade do conhecimento possibilita e exige uma reformulação profunda do sistema de ensino, radicada num interesse público democraticamente definido. O que está em causa é um processo gradual e complexo, necessariamente longo, implicando persistência e uma cadeia de objectivos estratégicos devidamente conjugados e impondo, por isso, uma pilotagem democraticamente legitimada e, assim, controladamente radicada no interesse público.
Não podemos, por isso, deixá-lo perturbar por lógicas corporativas, nem por interesses de grupos minoritários, tenham eles o poder que tiverem, seja esse poder do tipo que for. Mas também não podemos ignorar a necessidade de respeitar os direitos de todos os trabalhadores da educação, com natural relevo para os direitos dos professores, evitando confundir direitos com privilégios e não caindo no erro de alienarmos o empenhamento solidário nas políticas educativas dos que, no dia a dia, serão sempre os seus principais executores.
De facto, a sociedade da informação, em que estamos a entrar, representa um enorme
contributo para uma mais rápida viabilização de uma sociedade do conhecimento. No entanto, na ausência de um forte protagonismo do sistema educativo nessa viabilização, dificilmente evitaremos uma desregulação de todo o processo, dificilmente beneficiaremos de uma maneira durável das oportunidades abertas pelas novas tecnologias da informação.
Em termos esquemáticos, podemos dizer que, se não gerarmos uma capacidade crítica de filtragem do manancial de informação que nos é oferecido, o que só um conhecimento radicado num pensamento crítico proporciona, rapidamente nos podemos ver submersos num caos informativo que nos atrofiará, em vez de potenciar as nossas capacidades. A educação, o sistema de ensino, estão no centro deste desafio".

Mostrada a dimensão e a natureza do desafio a que a educação tem que responder o texto salientava a complexidade que traz ao problema a atmosfera malsã do actual processo de globalização neoliberal:


"Tudo isto se complica ainda mais, pelo facto de um dos aspectos predatórios da globalização capitalista actual ser a tentativa de tornar o ensino numa prestação de serviços mercantis como quaisquer outros. Uma prestação de serviços que querem reduzir a mais uma oportunidade de negócio, a mais uma área social a ser invadida pela lógica lucrativista, a mais uma instância de subordinação absoluta a uma lógica de mercado.
No entanto, sendo a educação um processo de humanização radicado na aquisição de
conhecimentos, na integração social das novas gerações, na afirmação da identidade cultural dos povos, instância decisiva na construção do nosso futuro colectivo, não pode deixar de ser uma responsabilidade que cabe, em primeira linha, ao Estado, ao poder democrático, enquanto expressão política do bem público.
Se um Estado nacional renunciasse a essa obrigação estruturante da sua razão de ser, sofreria um imenso golpe na sua legitimidade. Se um Estado nacional, que, por qualquer razão, corra especiais riscos de subalternidade, seguisse por esse caminho, estaria a pôr em perigo a identidade cultural do respectivo povo, a sua própria sobrevivência nacional. Hoje, mais do que nunca, é preciso compreender a educação num contexto de internacionalização dos conhecimentos e das experiências que a envolvem, sem renunciar a enraizá-la na cultura de cada povo, nomeadamente, valorizando a língua como elemento nuclear da sua identidade."


Esta série de excertos da moção política sectorial, intitulada “EDUCAÇÃO ― LIBERTAR E DESENVOLVER”, pretende mostrar como há difíceis questões para enfrentar no campo da educação, que estão muito para além dos temas que ocupam o palco do debate político neste campo. Perante essas questões quer o actual Governo quer os seus críticos, regra geral, têm privilegiado o empolamento de pequenos detalhes que, não sendo irrelevantes, estão longe de ser estruturantes.

Talvez a complexidade reflectida nos excertos transcritos não atinja ainda o patamar desejável para uma abordagem futurante e fecunda da problemática em causa, mas ficar aquém dela será sintoma de um simplismo seguramente insusceptível de gerar frutos relevantes.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Os procuradores perdidos


Será um importante contributo cívico, para o desenvolvimento da democracia em Portugal , o completo esclarecimento do modo como foram urdidas várias teias mediático-judiciais, dirigidas a enxovalhar algumas das mais altas lideranças do PS, e muito especialmente o seu actual Secretário-Geral, actualmente na chefia do Governo. Não está em causa qualquer imperativo de encontrar destinatários de novos processos judiciais, nem uma tentativa de compensar eleitoralmente o PS por eventuais prejuízos eleitorais que o possam ter atingido, através de um estímulo especial aos eleitores concebido para esse fim. Nada tenho contra quem se mova pela força de qualquer dessas duas legítimas lógicas, mas considero que o essencial é desenvolver uma pedagogia cívica que torne muito mais difícil no futuro que alguém, seja contra quem for, siga por caminhos idênticos.

Ou seja, é muito importante deslegitimar ainda mais , quer cívica, quer eticamente, as tentativas de enxovalhar mediaticamente os adversários políticos que não se conseguem vencer em pugnas eleitorais decentes.

Dentro deste espírito, podemos concentrarmo-nos, por enquanto, no chamado processo Freeport. Se conseguirmos reflectir sobre aquilo que é público acerca dele, ao arrepio da sua imagem artificial, até agora mediaticamente projectada, chegaremos com relativa facilidade a constatações, que nos podem ajudar a confirmar a ideia de que estamos realmente perante uma campanha orquestrada contra um dirigente político que lidera um governo democraticamente designado, que, em última instância, visou uma viciação da vontade do eleitorado, por intermédio de uma utilização abusiva da máquina judicial e do complexo mediático-informativo.


Para robustecermos essa ideia, suponhamos que as entidades públicas envolvidas nas várias faces do processo tinham conseguido a modesta proeza de, cumprindo os seus deveres básicos, terem assegurado o respeito pelo segredo de justiça. Concedamos que se tivessem limitado a dar conta publicamente de quem fosse sendo constituído arguido (mesmo sabendo-se que essa qualidade pode basear-se mais no interesse do visado do que na intensidade dos eventuais indícios que o envolvam). Imaginemos até que se tivessem limitado a dar notícia dos nomes dos cidadãos ouvidos. Pois bem, em qualquer dessas hipóteses o nome do Primeiro-Ministro, José Sócrates, nunca teria sido atirado para a praça pública como tendo algo a ver com o processo: ele nem foi acusado, nunca foi constituído arguido, nem sequer foi ouvido. No entanto, todos sabemos que não foi isso o que aconteceu. E é isso mesmo que é uma anomalia grave no funcionamento da justiça portuguesa.

Nesta medida, o que resultou até agora objectivamente deste processo, decorridos tantos anos, torna ainda mais verosímil a ideia de que estamos perante um aproveitamento politico-mediático de um processo judicial, para se atacar um Primeiro-ministro democraticamente designado. Na verdade, dificilmente, se poderia compreender tudo o que se passou se estivéssemos apenas perante uma resposta normal da máquina judicial, desencadeada com naturalidade por indícios de comportamentos duvidosos de um qualquer cidadão.
Aliás, o surrealista episódio da menção, feita pelos procuradores encarregados do processo, de um rol de perguntas que quereriam ter dirigido a José Sócrates, mas não dirigiram, é tão insólito que parece muito menos um erro fruto de grosseira incompetência, do que um gesto falhado de auto-defesa perante aquilo que acabo de dizer. De facto, o rol das perguntas virtuais parece ter como único efeito útil directo, evitar que se diga que durante anos se alimentou a ficção de um envolvimento de um cidadão num processo, o qual nem sequer foi ouvido. Assim, é como se tivessem recorrido à invocação de uma espécie de estado de necessidade, para justificarem o estranho envolvimento num processo, pelos seus detractores, de alguém que afinal nem sequer nele foi ouvido. Tanto mais que não podem deixar de estar cientes do peso desqualificante do seu trabalho que pode ter essa incongruência. Mas um estado de necessidade, que apenas exista na subjectividade do agente que o invoque, pode abrir a porta ao risco de novas incongruências, sem deixar de poder ser um acontecimento, por si próprio revelador, da natureza e qualidade desse agente.

De facto, para os procuradores apenas parece ter contado a sua própria posição processual, sem que, por um momento, tivessem valorizado a protecção dos direitos do cidadão José Sócrates e o respeito pelos milhões de portugueses, cujos votos o colocaram na chefia do Governo. É que em si próprias as perguntas virtuais dos procuradores de serviço ao Caso Freeport contêm uma mensagem subliminar que eles não podiam ignorar que daí resultaria, se é que não a queriam enviar. E a mensagem é simples: José Sócrates tem algo a ver com o Caso Freeport.


Ou seja, os acusadores públicos não reuniram provas ou indícios que permitissem acusá-lo ou sequer constituí-lo arguido no processo, nem sequer o tendo ouvido no seu âmbito, mas acharam legítimo enxovalhá-lo em praça pública. E não esqueçamos ele não foi acusado, nem arguido, nem ouvido. Se tivesse sido ouvido para responder às perguntas dos procuradores podia ter dissolvido num ápice quaisquer nuvens com que quisessem envolvê-lo. Assim, os procuradores parecem querer sugerir que ele não foi ouvido porque não quis. Porque não quis ou porque alguém que o defendeu não deixou. Isto é, os implacáveis que perante uma conversa de almoço, arrasaram um colega que lhes murmurou umas opiniões e fizeram suspendê-lo de funções que ocupava, comportaram-se agora como pacíficos gatinhos de estimação, quando alguém os impediu de ouvir o primeiro-ministro, contra a sua vontade. Não é verosímil. Aquilo que mais facilmente se pode deduzir dos factos, objectivamente, é que os procuradores, não tendo ouvido Sócrates porque não quiseram, entenderam que, sem a estocada final das perguntas virtuais, a sua posição como agentes do processo podia ficar fragilizada, no plano político.


A corroborá-lo está o teor das perguntas que oscila entre o ridículo e a evidência de que quaisquer respostas, entre as que provavelmente ocorreriam, nada trariam de novo ao caso. De facto, perguntas destas se tivessem sido feitas para realmente suscitarem respostas seriam na verdade muito canhestras.

Sem prejuízo de voltar ao tema quando achar oportuno, não posso deixar de me espantar com a mistificação da chamada carta anónima que desencadeou a aparência de envolvimento de Sócrates no processo. Está hoje judicialmente determinado quem foram os seus autores: gente ligada a instituições públicas envolvidas na investigação, em conluio com membros de partidos de direita. Não há por isso carta anónima nenhuma, uma vez que sabemos quem são os seus autores, sobre os quais sabemos serem daqueles que gostam de atirar pedras, desde que possam esconder a mão. Há sim um conluio entre gente que não teve a coragem de assumir o que escreveu, mas que foi descoberta. Tudo gente de grande verticalidade! Foi esta a origem dos acontecimentos mencionados, o pretexto para um enorme alarido de exploração politico-mediática de um processo judicial, cujos frutos aliás têm sido uma desilusão crescente para os seus promotores.
O caso tem outras vertentes, mas o que aqui se disse não pode ser esquecido, ignorado ou menosprezado.

Poemas Imperfeitos - 6 e 7


6 . [1965]

Os mosaicos de argila esperam
a luz fria dos olhos.


Um finíssimo gume,
azul de raiva,
inventa a amargura.


As arestas acordam
o sopro das palavras.


Prisioneiros do tempo,
provisórios,
neste lugar perdido do universo,
somos vento que sopra
devagar.


Na mais funda caverna das palavras,
prometem-se os poemas.



7. [ 1967] Soldado *

está em áfrica entre a terra e o sol


a mão ainda leve jaz cansada
a perna segue o corpo docemente


amigos longe e a mãe
cultiva amargamente
o seu jardim de angústia


mandaram-no fazer ali a guerra
trouxe-o de longe a arma ali perdida


guardou rios florestas mitos ouro
está morto longe dos rios familiares
longe dos corações que o vão chorar
* Uma versão curta deste poema foi publicada
na "Lírica do Silêncio"(1973).
[Rui Namorado]

Contracapa da Vértice - 43


Vértice - nº 238 -Julho de 1963

A sociedade mais rica é aquela em que a condição das pessoas é relativamente mais próxima.

Oliveira Martins

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Teoria das práticas


"O Partido fortalece-se, depurando-se."
LENINE

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Contracapa da Vértice - 42


Vértice - nº 331/332 - Agosto /Setembro de 1971

Muitos nos dão bons conselhos e poucos bons exemplos.

SWIFT

domingo, 8 de agosto de 2010

Poemas Imperfeitos - 4 e 5


4. [ 1964 ]

apenas uma membrana
entre os olhos e a loucura


dois átomos de alegria
no silêncio do pântano


e há um pássaro triste
encostado ao inverno


com as asas perdidas
neste tempo fechado


5. [ 1966]


há um grito que rasga
a garganta dos povos


um sabor sem limite
de tristeza e angústia


são raízes que crescem
com palavras de sangue

[ Rui Namorado]

sábado, 7 de agosto de 2010

Poemas Imperfeitos - explicação e começo

Vou hoje iniciar a publicação de alguns dos meus "Poemas Imperfeitos ". Não sei quantos, nem com que periodicidade. Por diversas vezes, já ofereci à leitura generosa de quem visite o Grande Zoo, poemas de que sou o autor.

Esta série, que poderá eventualmente vir a ser publicada em livro, é no entanto um caso particular. Antes do 25 de Abril, para além de ter participado em iniciativas colectivas e de ter publicado poesia em jornais e revistas, vi editados dois livros de poemas da minha autoria: Maio Ausente, Cancioneiro Vértice, 1970; e Lírica do Silêncio,Centelha, 1973. Desse modo, fui publicando os poemas que me pareceram mais conseguidos,mais susceptíveis de se projectarem explicitamente em aspirações colectivas ou de espelharem, com maior expressividade, o modo como ia participando no devir da história.


Alguns anos após o 25 de Abril, viajando por velhos cadernos, apercebi-me da existência de um enorme manancial de versos não publicados, quase sempre por burilar, muitas vezes reflectindo poemas que ficaram nos primeiros passos, eventualmente traduzindo emoções de um matiz mais pessoal. E verifiquei que, independente do seu mérito literário, nalguns casos modesto, mesmo à luz do meu tolerante olhar, eram documentos sugestivos das emoções de um português, então na casa dos vinte anos , ou começo dos trinta, que resistia à ditadura salazarista, em especial no universo das lutas estudantis. No seu todo, são documentos poéticos que reflectem uma atmosfera, em regra menos directos e menos modelados do que os que foram publicados. Sem deixarem de ser poemas , são principalmente documentos que reflectem um testemunho da dolorosa lavra sofrida em Portugal pelos jovens que aqui se não conformavam com o cerco em que os tinham fechado. Por vezes, incluem uma data ou o ano da sua primeira versão, mas pode acontecer que isso não ocorra. Podem ser ligeiramente retocados, mas não modificados. Em regra, serão poemas curtos, quase instantes poéticos, podendo contudo haver algumas excepções.


Vou hoje começar com a difusão de três desses poemas imperfeitos. A escolha de hoje , bem como a que se reflectirá em publicações futuras, não obedecerá a qualquer arrumação temática ou cronológica. Cada poema é independente.


Poemas Imperfeitos - 1. [1966]


As palavras enferrujam,
em sua oculta pousada interior.


Ou foi talvez esta leve morfina
de um calendário sem datas.


Este rio silencioso como um lago sem margens,
dias que parecem não passar.



2.[ 1967]


uma pequena gota de tempo
executa os seus ritos
na manhã cinzenta

melancolia


3. [ 1963 ]


Despe-te, noite!


Fica apenas silenciosa espera do dia,
por cima do nosso sono.


Abandonada pelos sonhos,
completa e frugal, rectilínea,

como a nossa dor de esperar um outro tempo
que não seja de exílio e desespero.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Contracapa da Vértice - 41

Vértice - nº 248/249 - Maio/Junho de 1964

Não se deve ser pessimista; os pessimistas são espectadores.

GUIZOT

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Observação do poema



talvez jardim, ou sombra de inventar-se

talvez punhal, ou golpe de perder-se

talvez saudade, ou risco de chorar-se



o poema está escrito em tempestade,

cobrindo-se, secreto, das palavras

que esperam o mistério de dizer-se



o poema é um lago, ou é um espelho

onde mostras e colhes rudemente

as tão breves flores do pensamento



uma estrela de verão, um estio suave

o cerco que rompemos e nos salva

do fantasma cansado destes dias



poema é um segredo imaginado

pelas palavras que não foram ditas,

um gesto da memória adormecida



quando chega , vem de antigamente

como se fosse o vinho das palavras

que todos gostaríamos de ser



por isso, um poema é um navio

que nos trouxe de todas as viagens,

o inverno mais frio, só da saudade



orquestra de palavras sem fronteiras

que nos dizem por dentro, devagar,

completos, inteiros, desvendados



Rui Namorado

[Laceiras, 5 de Agosto de 2010]

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Cães de guarda !


O Gustavo Manuel Namorado, advogado que não conheço pessoalmente, mas que partilha comigo no Facebook uma cadeia de amizade, trocou comigo, nessa instância, algumas ideias e opiniões críticas sobre o MP, aliás notoriamente suaves.

Tanto bastou para lhe ser cancelada a inscrição no Facebook, o que o obrigou a ter que se inscrever de novo e implicou o apagamento dos comentários que havia feito.

Por isso , sou obrigado a perguntar : Quem é o dono da quinta ? Quem é o cão de guarda? Porque anda a canzoada tão perto das nossas canelas ?


Queremos conhecer o rosto da censura. Queremos conhecer o rosto do censor. Queremos conhecer o rosto do mandante. Queremos saber de quem é a "longa manus" que aqui se manifesta.

Protestemos!! Eu protesto.

O Facebook consente que pescadores de águas turvas andem por dentro dele à caça das ideias que lhes não agradam ?

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Rapsódia, não apenas triste


os dedos do tempo estrangulam friamente

as linhas do teu rosto

e os outonos sucedem-se mais rápidos

deixando-nos despidos na porta do inverno



nada disso se vê

só uma luz que guardas docemente

procede solícita à habitação dos olhos



as palavras os sonhos as ideias

incendeiam por dentro a sombra do futuro



peregrinos de silêncios e de histórias,

estamos aqui e somos a viagem,

mas viajando, estamos à procura

da mais funda raíz que nos criou



os dedos da memória saboreiam

o perfume perdido da saudade

descem ruas , sobem pensamentos

deixam os anos corromper as horas



olhando-nos, sabemos que viemos

da repetida cólera dos povos,

desse vento de dor, dessa aventura

desse gesto sempre interrompido

de sermos nós a própra liberdade



por isso, sem medida percorremos

caminhos, romances, ilusões

e nas portas do tempo executamos

os gestos inesperados e audazes



este tempo para nós é um exílio

e uma pátria sorvida gota a gota

somos hoje, até ao fim do mundo,

mas há em nós a sombra de outro tempo



neste outono que desce pelas tardes

num passo desabado e melancólico

há esperanças que fraquejam e se apagam



semeemos portanto novos ventos

que tragam o sabor das tempestades

e nas harpas tão frias dos invernos

acendamos a luz da primavera


[Laceiras, 3 de Agosto de 2010]
Rui Namorado