domingo, 27 de junho de 2010

Foi à lã, acabou tosquiado...



1. Um dos ideólogos de pena ligeira da nossa direita, que, aliás, tem transportado melancolicamente pela vida aquilo que alguns psicólogos políticos consideram ser a amargura ( ou a angústia) do renegado, com o nome civil de Vasco Correia Guedes, mas que usa o nome de Vasco Pulido Valente, em homenagem ao seu avô materno, resolveu arrasar, de uma vez por todas José Saramago, aproveitando-se do facto definitivo da sua morte.

Fazendo jus ao seu enormíssimo ego, que levou a que fosse voz corrente nos idos dos anos 60 nos meios estudantis de Lisboa que o referido Vasco se considerava a si próprio, modestamente, como o mais inteligente da Europa, o referido académico reduziu implacavelmente o nosso Prémio Nobel a uma sombra quase banal.


2. Com a devida vénia, recolhamos na blogosfera do colega O MacGuffin o referido texto de VPV, publicado no Público de hoje:
“Ainda Saramago"

O prémio Nobel não garante a importância literária de ninguém. Basta ver a longa lista de mediocridades que o receberam. Pior ainda, o prémio Nobel é atribuído muitas vezes por razões de nacionalidade ou pura política, sem relação alguma com a obra, que num determinado ano a Academia Sueca resolveu escolher. Que Saramago fosse o único escritor de língua portuguesa a receber essa mais do que duvidosa distinção não o acrescenta em nada, nem acrescenta em nada a língua portuguesa. Só a patriotice indígena (de resto, interessada) a pode levar a sério e protestar agora indignadamente porque o Presidente da República se recusou a ir ao enterro do homem. Por mais que se diga, e até que se berre, Saramago não era uma glória nacional indiscutida e universalmente venerada.Pelo contrário, desde sempre que viveu do escândalo e da polémica. Devoto do Partido Comunista e ateu militante, não lhe custou muito. E Sousa Lara, com ignorância contumaz da nossa direita, acabou por lhe dar uma grande ajuda. O Evangelho segundo Jesus Cristo, qualquer que seja o seu mérito literário (e, para mim, é pouco), não passa de um repositório de lugares-comuns sobre o Cristianismo (alguns dos quais do século III), que não revela sombra de pensamento original e só pode perturbar um analfabeto. Para defender a sua fé, ao que parece acrisolada, Sousa Lara teria feito melhor em proibir A Relíquia e O Mandarim, dois livros de facto subversivos, que justamente não incomodaram a burguesia de uma época em que o Catolicismo era a religião de Estado.De qualquer maneira, a fama de incréu beneficiou Saramago. Como também a fama de comunista, adquirida no DN em artigos que suavam ódio e, dia a dia, pediam violência e, mais tarde, num ou noutro romance em que mitificou o povo à boa maneira neo-realista. Mas nem essa fidelidade à esquerda e ao PC merece muita consideração. Ele, que denunciava tão depressa tanta gente, nunca condenou a sério os crimes sem nome (e sem número) do "socialismo real" e, no fim da vida, gostava de se apresentar como um campeão dos direitos do homem, um exercício para que obviamente lhe faltava toda a autoridade. Apesar disso, o Estado democrático, manifestamente impressionado com o Nobel, não o tratou mal. Instalada na Casa dos Bicos, mesmo no centro da Lisboa antiga, a Fundação Saramago é homenagem bastante.”


O texto de Vasco Graça Moura sobre Saramago, publicado recentemente no DN, dá a resposta que pudesse ser considerada necessária a este mesquinho amontoado de palavras de VPV. Mostra como se pode continuar fiel a si próprio e ao mesmo tempo ser-se generoso e objectivo, no reconhecimento do mérito de quem esteja política e ideologicamente muito longe de nós. Como aí afirma VGM: " Devo dizer que fui amigo dele e prezo grande parte da sua obra, sem subscrever, como é evidente, as suas posições ideológicas e políticas. Isso nunca me impediu de tentar compreendê-lo, nem de admirá-lo naquilo que penso ser a parte mais válida do que escreveu."


3. Naturalmente, que quem usa a acidez implacável dos seus maus fígados, para julgar os outros do alto de um pedestal imaginário, onde só ele a si próprio se colocou, sujeita-se que acabe por aparecer quem use, para lhe desenhar o perfil, o mesmo estilete implacável com que VPV tão frequentemente disseca os seus alvos.

Foi o que hoje aconteceu no blog Politeia, quando o J.M. Correia Pinto escreveu um texto intitulado "A MEDIOCRIDADE NACIONAL", tendo como sub-título "O DESPEITO". Eis o texto que, mais uma vez com a devida vénia, aqui transcrevo:


"Filho infeliz pela atenção que a mãe dedicava a Álvaro, estudante medíocre, escritor falhado, sem norte na vida, ruma a Inglaterra como súbdito do Império na esperança de obter um grau académico concedido pelas tradicionais facilidades com que as metrópoles tratam os ex-colonos.Alcançado o objectivo, juntamente com centenas de outros oriundos da África, Pacífico e Caraíbas, regressa à Pátria para colher as vantagens do 25 de Abril. Tenta a televisão. É ridicularizado por Salgado Zenha num programa sobre o divórcio. Incapaz de se exprimir oralmente, procura emprego nos jornais. Simultaneamente ascende à categoria de professor por via administrativa.Traindo as tradições familiares, liga-se à direita que o aproveita como “idiota útil”. Não há notícia da sua passagem pelo Parlamento, nem pelo Governo, embora tenha lá estado. Escreve umas historietas sobre factos passados, a que a grande intelectual Manuela Moura Guedes chama história com h grande.Desacreditado intelectualmente e muito debilitado pela exposição pública que Mónica fez das suas fragilidades, vinga-se em Saramago num acesso vesgo de despeito e inveja.É esta a nossa direita!"


4. Pode haver quem ache que esta não é única narrativa possível sobre a vida e obra de VPV, e até pode alegar-se que dela transparece alguma antipatia quanto à figura central da narrativa, mas certamente que ninguém poderá objectivamente achá-la mais áspera do que as narrativas que o azougado ideólogo conservador faz, quando escreve acerca dos outros.

E uma coisa eu posso assegurar ao Correia Pinto: se o César de Oliveira ainda estivesse entre nós já lhe teria exprimido exuberantemente o seu entusiástico aplauso pelo texto.

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