sexta-feira, 5 de março de 2010
Pulgas aflitas
Saltitam de desespero em desespero, carpindo um país cuja morte iminente auguram, sufocados. Usam gravatas de um azul doce e o fato é de um cinzento discreto, que quase pede desculpa por ser cor. O olhar é liso como um gato morto, como um lago parado e sem destino. E o ar é grave. Muito grave. O país sai-lhes da boca como uma tragédia sem remédio. Se tivesse salvação, eles pediriam um salvador. Rigorosos, desembucham os números da nossa desgraça. A bem dizer, se o destino não tivesse sido para nós de uma bondade excessiva, há muito que teríamos deixado de existir.
Pulgas aflitas da história uivam como se uma agonia sem fundo as possuísse de tristeza.
Em melodia, vão dizendo: o país só se salva se os pobres deixarem de ser gastadores, se apertarem um pouco mais o cinto, se deixarem espremer ainda um pouco mais os salários. Têm que deixar os ricos enriquecer um pouco mais, para que com a sua infinita bondade salvem o país. É preciso levar o pescoço à guilhotina e deixá-lo cortar e deixá-lo, cortar e deixá-lo cortar.
Pulgas aflitas, pulgas amestradas, pulgas pagas. Bem pagas, para deixarem comichões de desgraça em cada raio de futuro, em cada assomo de esperança, em cada ímpeto de resistência. Pulgas realistas solidamente apetrechadas pela ciência de todos os números. Pulgas anafadas, sem rugas, sem fome. Pulgas de hotéis de cinco estrelas, sempre vigilantes.
Os desgraçodontes ruminam todos os nossos dias como se fossem os últimos. Choram. Levam-nos para o purgatório liso do talvez.
Portugal vai acordar amanhã. Olhará decerto com a bonomia possível para o corpo cansado das pulgas aflitas e pô-lo-á no museu, num museu de história natural.
Mas , entretanto, fazem comichão.
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4 comentários:
Bravo!
Bem! Essas pulgas merecem que alguém lhes atire à cara o nojo que as suas mordidelas causam...
Muito bom mesmo! Modestamente, acrescentaria apenas que um bom banho e depois roupa lavada, com gravata ou sem ela, dependendo da ocasião, podia ajudar.
Embora, o André Pereira não deixe de ter razão, uma coisa é certa,se paramos para apanhar uma pedra de cada vez que ouvimos um cão ladrar, jamais chegaremos ao fim da viagem...
Gostei.
Só que perante o estado da "coisa" não há "Quitoso" que chegue
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