domingo, 13 de janeiro de 2008

Santa Aliança ?


Numa manifestação liderada aparentemente pelo Presidente da Câmara de Anadia, um autarca do PSD, tomou veementemente a palavra contra o Governo, por interposto Ministro da Saúde, o Secretário-geral do Partido Comunista.

É possível que a decisão de encerrar as urgências no Hospital de Anadia mereça crítica e protestos. E mesmo que não mereça os cidadãos têm o direito de protestar. O direito ao engano, quer por parte do Governo, quer de quem protesta contra uma medida sua, é um elemento integrante da lógica democrática.

Mas, assim como ao Governo não deve bastar a convicção de estar certo, para se dispensar de convencer os visados pela sua política da sua razoabilidade, também a quem protesta não deve bastar a certeza subjectiva de estar a ser injustiçado, para usar todos os meios e todos os tons para protestar.

E se isto é assim para cada cidadão, muito mais o é para os responsáveis políticos e em particular para aqueles que, estando num acto de protesto fazem com que aí esteja simbolicamente o Partido a que pertencem.

Por isso, quando Jerónimo de Sousa compareceu e discursou numa manifestação liderada por um autarca do PSD, era o PCP que estava a aderir a uma manifestação organizada sob a égide do PSD, ainda que formalmente não fosse uma manifestação partidária. Mas esta circunstância, podendo até parecer trivial, está longe de o ser numa perspectiva política global. E seguramente ela tem como característica tornar ostensivo o que talvez seja uma lenta evolução política do PCP e do PSD.

Uma evolução pouco compreensível, uma vez que ambos parecem ter enveredado por uma reconversão estratégica, por razões meramente tácticas, o que é sempre uma aventura de consequências imprevisíveis.

No entanto, pelas figuras envolvidas e pelas circunstâncias do evento, aliás, selado por um abraço caloroso do Presidente ao Deputado, a questão tem maior relevância quanto ao PCP.

Será que o PCP está disponível para formar governo com o PSD no caso de o PS não repetir a maioria absoluta e a direita não ter maioria relativa? Se está, acha que o PSD formaria um governo com o PCP nessas circunstâncias? Se não está, qual o alcance político que tem o reforço de um iniciativa de um autarca do PSD com a sua presença e participação?

Aliar-se à direita para combater este governo, reforça ou enfraquece quem dentro do PS admita uma coligação à esquerda (ou um acordo parlamentar), no caso de o PS não ter maioria absoluta e a direita no seu todo ser minoritária?

O mais preocupante é que este episódio pode indiciar que, no fundo no fundo, o PCP não deixou ainda de ver no PS o inimigo principal que gostaria de riscar do mapa se pudesse. Uma espécie de nostalgia do PRD, ou, mais remotamente, a sombra do velho princípio táctico do Partido Comunista Alemão dos anos trinta, em pleno estalinismo: “Enterrar o nazismo sobre o cadáver da social-democracia”. Sabemos o desenlace: o nazismo enterrou os comunistas e os sociais-democratas.

8 comentários:

aminhapele disse...

A Anadia é a capital dos espumantes e do leitão.
Seja qual for o pretexto,terá sempre procissão garantida.
A análise política,seguindo os mestres,não falha!
Já lá tinha estado o Bloco.
A conclusão,de hoje é mais que evidente:Jerónimo está "objectivamente a fazer o jogo da reacção".

Anónimo disse...

A complexidade da realidade não cabe na simplicidade dos slogans.

Qualquer erro de qualquer das partes faz, em maior ou menor grau,mas sempre, o jogo dos adversários.

E é isso que torna a política bem mais complicada do que aquilo que parece, do que aquilo que uma boa parte dos políticos julgam.

Quintanilha disse...

Para combater o PS, o PCP é capaz de se aliar a satanás!

Anónimo disse...

Quem se alia a Satanás tem que ir ao Inferno.

E depois Satanás pode não o deixar sair.

Anónimo disse...

O amigo anónimo fala que nem um Papa!

Anónimo disse...

Que Deus te abençoe!

Unknown disse...

Caro Rui, com todo o respeito e admiração que tenho por ti, permite-me discordar neste ponto. Certamente que a questão da saúde é complexa, mas não me parece que o modo como este governo e o ministro Correia de Campos está a proceder a estes encerramentos em cadeia sirva as populações e melhore o sistema de saúde ou sequer que isso seja digno do PS (apetece gritar: volta António Arnault!...).
Se por acaso o RN partilha desta opinião, fico sem perceber o seu ponto de vista. Então o problema é o de saber se quem protesta (ainda que seja presidente de câmara) tem esta ou aquela filiação ou é concordar ou discordar das medidas e dos encerramentos? O problema é denunciar os motivos dos lideres políticos (do PCP, do BE ou outros) quando aparecem ao lado das populações ou dos movimentos de protesto? Não será isso descabido neste contexto? Trata-se de uma questão de fidelidade (de lealdade corporativa) ao governo e ao partido que se apoia? E que razões tenho eu (que até sou filiado) para crer que o PS, enquanto tal, possa adoptar alguma posição diferente da do Governo? E onde estão as ideias e o espaço de discussão se nas reuniões do partido se atacam camaradas – na sua ausência – não por aquilo que pensam mas por revelarem, o que pensam? Depois, a velha postura de dividir tudo entre os “bons” e os “maus” tem algum sentido nos dias que correm? É claro que não vou deixar de apoiar uma qualquer causa só porque alguém situado noutro campo ideológico fazer o mesmo!! (como se os actuais quadros e dirigentes do PS ligassem ‘peva’ à ideologia...) Não aceito é que perante o mar de resignação em que nos encontramos, e no contexto das politicas que genericamente considero liberais (e portanto anti-socialistas) que estão sendo aplicadas por este governo, os cidadãos (sobretudo os de esquerda, republicanos e socialistas) tenham de ficar calados quando aparece alguma voz discordante. E felizmente sabemos que elas existem, dentro e fora do partido! Creio, portanto, que colocar a questão nos termos do RN no actual momento é completamente desadequado.

Anónimo disse...

RN disse:

1. Globalmente, não estou de acordo com a actual política de saúde do Governo. Mas nem todas as coisas com que não estou de acordo merecem o mesmo grau de crítica. E não estou em desacordo com todas as coisas. No entanto, o meu desacordo não é uma opinião isolada, integra-se na minha opinião quanto à política do Governo, a qual por sua vez é um aspecto da minha posição no combate político que é a vida da sociedade actual, no âmbito da qual tem lugar de destaque a política do Governo.
Isto não condiciona o fundo das minhas posições, mas influencia tacticamente o modo como retiro consequências práticas delas e o tipo de acções que daí resultam.

No meu caso, as implicações políticas das minhas atitudes públicas têm uma importância reduzida . Traduzem-se numa questão pouco mais do que pessoal. No caso de um Presidente da Câmara, esse eco é muito menos pessoal. No caso de um líder partidário, há um significado público e simbólico notórios. O meu comentário incidia sobre este aspecto do problemas . Excluía expressamente a discussão da bondade dos motivos que levaram à manifestação.

2. Neste, como em muitos casos, não é indiferente a escolha das companhias do nosso protesto, nem o modo como se protesta. E se todos os protestos têm um contexto táctico que os faz compreender , nenhum está imune a repercussões estratégicas, sejam elas assumidas ou não, tenham ou não os seus actores consciência dessa repercussão.

De um ponto de vista táctico os protestos visam o governo do PS a partir de uma medida concreta no campo da saúde. É compreensível que nessa perspectiva dois partidos da oposição se revejam nesse ataque. Mas o PSD tem uma política de saúde que visa a privatização dos respectivos serviços como objectivo global, deixando eventualmente uma parcela pública residual. O PCP visa um regresso ao carácter público pleno da prestação de serviços de saúde.

Ora, as questões que mais alarido têm causado, não são as mais estruturantes. E pelo menos na caso das maternidades são tecnicamente recomendadas e inscrevem-se numa linha de orientação que começou nos anos 80 e que levou Portugal ao topo dos países com menos mortalidade infantil.
O fecho das urgências não é algo que possa ser avaliado como se todos os encerramentos fossem iguais. Está inquinado pelo facto de se encerrarem serviços que realmente não são serviços de urgência (mas eram designados e sentidos como se o fossem), para numa rede mais larga se valorizarem os verdadeiros serviços de urgência existentes ou se criarem novos que realmente o fossem.
Provavelmente, nuns casos justificam-se noutros não, sendo certo que não houve protestos duradouros em todos os casos.
No entanto, mesmo que as medidas tomadas se justifiquem em termos de um técnica de organização da saúde, elas não podem deixar de ser politicamente sustentadas. E um ponto central dessa sustentação é o esclarecimento das populações afectadas, que se o não forem ficam realmente angustiadas e aflitas , porventura, mais do que o objectivamente justificado. E eis como um factor aparentemente processual, se torna numa questão substancial: se as pessoas ficarem aflitas, mesmo que erradamente, a sua qualidade de vida fica atingida.
Por outro lado, neste caso como, por exemplo, no do parque escolar, parece-me indispensável integrar estes processo de reestruturação numa política de combate á desertificação. Talvez se chegasse em muitos casos a medidas idênticas, mas certamente elas seriam compensadas por estímulos de sentido inverso.
Em suma, estou apenas a identificar muito superficialmente o sentido geral das minhas opiniões quanto à conjuntura na saúde.

4. Por último, e como reparo marginal. Morreu ontem um bebé junto ao Hospital da Anadia. O pai disse expressamente que tudo tinha sido feito para o salvar, mas que provavelmente ele estaria já morto quando chegou ao local. Expressamente lhe perguntaram se a morte do filho teria sido provocada pelo encerramento das Urgências. Ele disse que não.
Os promotores de uma manifestação de protesto, por causa do encerramento das urgências, não hesitaram em aproveitar a morte da criança para a misturarem nos protestos e nas reivindicações. Foi uma atitude inqualificável. Uma falta de respeito pela dor dos que perderam o filho.Pior, foi aproveitada oficialmente, por alguns partidos da oposição. Com protestos destes, o ministro pode estar tranquilo. Opositores deste nível são preciosos apoiantes.

Este episódio veio, aliás, recordar-nos que a oposição a uma política ou a um governo tem que ser bem calibrada e bem dirigida, não pode basear-se em falsificações ou em insultos gratuitos, sob pena de favorecer aqueles mesmos que quer prejudicar.


5. Não pretendo, evidentemente, convencer-te. Quero apenas explicitar as minhas posições, para assim tornar mais claro o sentido das nossas discordâncias, que, aliás, são um fruto natural do debate político que todos prezamos.