Vou hoje comentar a nova lei para as autarquias recentemente aprovada na Assembleia da República. Mas vou concentrar as minhas observações em dois aspectos, os quais estão aliás entre os mais discutidos. O meu ponto de vista será o de um militante do PS que, numa primeira abordagem, não concorda com o essencial da lei aprovada. Sem a conhecer em detalhe, partindo da imagem que tenho dela, penso que os aspectos positivos que envolve são demolidos pelos seus defeitos.
1. Numa democracia as leis eleitorais são um dos critérios mais fiáveis e relevantes para aferir a sua qualidade; e um poderoso instrumento para o seu aperfeiçoamento. Por isso, mudar uma lei com incidências eleitorais é uma decisão que deve assentar em análises sólidas, numa reflexão aprofundada e sistemática, numa discussão aberta e alargada.
Se a lei vigente se tiver revelado genericamente adequada, as mudanças devem resultar de uma efectiva constatação dos defeitos parcelares encontrados ou de uma assumida e concretizada vontade de atingir objectivos novos. No caso de uma lei dirigida ao poder autárquico a ponderação tem que ser ainda mais cuidadosa. Na circunstância actual, quando se perfila no horizonte a hipótese de uma regionalização, não pode deixar de se ter em conta esse novo elemento.
Mas, mudar uma lei eleitoral numa democracia, cuja Constituição preza como um dos seus valores estruturantes, em matéria eleitoral, a proporcionalidade entre os votos obtidos e os lugares conquistados, nunca se pode traduzir num desrespeito por essa proporcionalidade. Muito menos, se esse desrespeito for mais desvantajoso para uns partidos do que para outros; e muitíssimo menos quando possa parecer que os partidos que têm essa vantagem são os mesmos que geram a maioria que aprova a lei. Na verdade, uma lei votada com uma maioria desta natureza, nunca será encarada como um pacto de regime, mas pode ser tida com um conluio de conveniência.
2. Por mim, penso que teria sido um progresso mudar a lei eleitoral anterior no sentido de serem gerados executivos baseados numa Assembleia Municipal que funcionasse para as Câmaras como a Assembleia da República funciona para o Governo. A vereação seria de um único partido, se ele obtivesse maioria absoluta, seria de coligação se houvesse apenas uma maioria relativa, seria baseado num acordo político se fosse essa a decisão dos partidos representados na Assembleia Municipal. Não teríamos mais a pesca à linha do Presidente da Câmara nas hostes adversárias, nem coligações de facto não assumidas politicamente. Esta homogeneização dos executivos autárquicos podia ser funcionalmente discutível, mas era democraticamente legítima e aceitável.
Todavia, seguir este caminho até um certo ponto e abandoná-lo a meio, em nome de outras lógicas, pode anular as suas virtualidades práticas, apagando por completo a sua legitimidade como mudança democraticamente qualificante.
De facto, como é que se pode democraticamente aceitar que os eleitores, que que foram a base de 59 deputados municipais, estejam sob o poder de outros 41 deputados, ou seja, de representantes de um muito menor conjunto de eleitores? Compensar o aleijão, dando o rebuçado de uma representação nos executivos, menos que proporcional, às minorias, é o reconhecimento implícito da vulnerabilidade da solução de base adoptada. Todavia, além disso, é também a liquidação da homogeneidade dos executivos, sejam eles monopartidários ou resultados de uma coligação ou de um acordo político. Ou seja, é regressar ao sistema antigo distorcido, mas agora num enquadramento orgânico diferente.
O ponto essencial é o de que, quer a maioria, quer a minoria, têm direito aos lugares correspondentes aos votos que os eleitores lhes quiserem dar. Não há que dar rebuçados a ninguém. Há que ser justo. Aperfeiçoar o que neste aspecto estiver imperfeito, muito bem. Agravar eventuais imperfeições actuais, nunca.
3. É neste contexto que deve ser analisado o problema da restrição do papel dos presidentes das Juntas de Freguesia nas Assembleias Municipais.
Na verdade, se a soberania municipal se concentra na Assembleia, cujos poderes passam a ser fundadores da legitimidade da vereação, não é possível aceitar que nela tenham assento com plenitude e identidade de poderes representantes eleitorais com bases de votos entre si muito diferentes.
1. Numa democracia as leis eleitorais são um dos critérios mais fiáveis e relevantes para aferir a sua qualidade; e um poderoso instrumento para o seu aperfeiçoamento. Por isso, mudar uma lei com incidências eleitorais é uma decisão que deve assentar em análises sólidas, numa reflexão aprofundada e sistemática, numa discussão aberta e alargada.
Se a lei vigente se tiver revelado genericamente adequada, as mudanças devem resultar de uma efectiva constatação dos defeitos parcelares encontrados ou de uma assumida e concretizada vontade de atingir objectivos novos. No caso de uma lei dirigida ao poder autárquico a ponderação tem que ser ainda mais cuidadosa. Na circunstância actual, quando se perfila no horizonte a hipótese de uma regionalização, não pode deixar de se ter em conta esse novo elemento.
Mas, mudar uma lei eleitoral numa democracia, cuja Constituição preza como um dos seus valores estruturantes, em matéria eleitoral, a proporcionalidade entre os votos obtidos e os lugares conquistados, nunca se pode traduzir num desrespeito por essa proporcionalidade. Muito menos, se esse desrespeito for mais desvantajoso para uns partidos do que para outros; e muitíssimo menos quando possa parecer que os partidos que têm essa vantagem são os mesmos que geram a maioria que aprova a lei. Na verdade, uma lei votada com uma maioria desta natureza, nunca será encarada como um pacto de regime, mas pode ser tida com um conluio de conveniência.
2. Por mim, penso que teria sido um progresso mudar a lei eleitoral anterior no sentido de serem gerados executivos baseados numa Assembleia Municipal que funcionasse para as Câmaras como a Assembleia da República funciona para o Governo. A vereação seria de um único partido, se ele obtivesse maioria absoluta, seria de coligação se houvesse apenas uma maioria relativa, seria baseado num acordo político se fosse essa a decisão dos partidos representados na Assembleia Municipal. Não teríamos mais a pesca à linha do Presidente da Câmara nas hostes adversárias, nem coligações de facto não assumidas politicamente. Esta homogeneização dos executivos autárquicos podia ser funcionalmente discutível, mas era democraticamente legítima e aceitável.
Todavia, seguir este caminho até um certo ponto e abandoná-lo a meio, em nome de outras lógicas, pode anular as suas virtualidades práticas, apagando por completo a sua legitimidade como mudança democraticamente qualificante.
De facto, como é que se pode democraticamente aceitar que os eleitores, que que foram a base de 59 deputados municipais, estejam sob o poder de outros 41 deputados, ou seja, de representantes de um muito menor conjunto de eleitores? Compensar o aleijão, dando o rebuçado de uma representação nos executivos, menos que proporcional, às minorias, é o reconhecimento implícito da vulnerabilidade da solução de base adoptada. Todavia, além disso, é também a liquidação da homogeneidade dos executivos, sejam eles monopartidários ou resultados de uma coligação ou de um acordo político. Ou seja, é regressar ao sistema antigo distorcido, mas agora num enquadramento orgânico diferente.
O ponto essencial é o de que, quer a maioria, quer a minoria, têm direito aos lugares correspondentes aos votos que os eleitores lhes quiserem dar. Não há que dar rebuçados a ninguém. Há que ser justo. Aperfeiçoar o que neste aspecto estiver imperfeito, muito bem. Agravar eventuais imperfeições actuais, nunca.
3. É neste contexto que deve ser analisado o problema da restrição do papel dos presidentes das Juntas de Freguesia nas Assembleias Municipais.
Na verdade, se a soberania municipal se concentra na Assembleia, cujos poderes passam a ser fundadores da legitimidade da vereação, não é possível aceitar que nela tenham assento com plenitude e identidade de poderes representantes eleitorais com bases de votos entre si muito diferentes.
Então eu, eleitor de Stº António dos Olivais, preciso de dezenas de milhares de companheiros para termos o voto de um Presidente na Assembleia Municipal, mas se morasse na Almedina, para o mesmo resultado, precisaria apenas de uns curtíssimos milhares?
Dir-se-á: “Já era assim”. Respondo: “Mas agora há uma evolução qualitativa nos poderes da Assembleia Municipal, que torna insustentável o modelo vigente”.
No entanto, é o inquinamento democrático, especialmente claro no ponto antes citado, que suporta a inquietude das Freguesias. Se a lei não fosse aleijada, certamente as Freguesias não encontrariam tanto eco e não seriam tão veementes.
4. Como militante do PS, inquieta-me a falta de debate interno sobre estas matérias, o que reforça e ilustra a ligeireza e superficialidade com que este assunto foi tratado dentro do Partido.
Aliás, as justificações tornadas públicas não excederam, quase nunca, a repetição de uns quantos lugares comuns argumentativos. Sintomático, aliás, é o facto de esta lei ser no essencial uma reincidência na que fora recolhida há cerca de dez anos, durante o Governo Guterres, entre outras razões pela forte contestação de que foi alvo no grupo parlamentar. Com base, entre outros, no ponto que acima comentei.
Não se aproveitou o tempo para o estudo e a reflexão sistemáticos e partilhados. Foi buscar-se o “prato” guardado na arca do esquecimento político, soprou-se o pó do tempo, deram-se-lhe alguns retoques, aferiu-se da disponibilidade do partido interlocutor e serviu-se uma pseudo-reforma requentada e bafienta.
E assim se delapidou uma oportunidade de melhorar o enquadramento institucional de algumas das nossas mais importantes estruturas políticas, lesando-se, inutilmente, a credibilidade democrática do PS.
Dir-se-á: “Já era assim”. Respondo: “Mas agora há uma evolução qualitativa nos poderes da Assembleia Municipal, que torna insustentável o modelo vigente”.
No entanto, é o inquinamento democrático, especialmente claro no ponto antes citado, que suporta a inquietude das Freguesias. Se a lei não fosse aleijada, certamente as Freguesias não encontrariam tanto eco e não seriam tão veementes.
4. Como militante do PS, inquieta-me a falta de debate interno sobre estas matérias, o que reforça e ilustra a ligeireza e superficialidade com que este assunto foi tratado dentro do Partido.
Aliás, as justificações tornadas públicas não excederam, quase nunca, a repetição de uns quantos lugares comuns argumentativos. Sintomático, aliás, é o facto de esta lei ser no essencial uma reincidência na que fora recolhida há cerca de dez anos, durante o Governo Guterres, entre outras razões pela forte contestação de que foi alvo no grupo parlamentar. Com base, entre outros, no ponto que acima comentei.
Não se aproveitou o tempo para o estudo e a reflexão sistemáticos e partilhados. Foi buscar-se o “prato” guardado na arca do esquecimento político, soprou-se o pó do tempo, deram-se-lhe alguns retoques, aferiu-se da disponibilidade do partido interlocutor e serviu-se uma pseudo-reforma requentada e bafienta.
E assim se delapidou uma oportunidade de melhorar o enquadramento institucional de algumas das nossas mais importantes estruturas políticas, lesando-se, inutilmente, a credibilidade democrática do PS.
1 comentário:
O texto é bom...
Talvez que os "comentadores" sintam aquela doença do "mas..."
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