sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Morin e a renovação da política


O diário francês “Le Monde” divulga hoje uma série de respostas de Edgar Morin a perguntas que lhe foram dirigidas, a propósito da sua “ política de civilização”.
Estamos perante um filósofo que nos pode ajudar a ter ideias mais claras sobre o mundo em que vivemos. O título dado ao conjunto de respostas dadas por Edgar Morin é sugestivo: “A política de civilização não deve ser hipnotizada pelo crescimento”.
Permitimo-nos difundir, em versão portuguesa, uma selecção das que nos pareceram mais relevantes, sem prejuízo de recomendarmos a leitura da totalidade do texto.


Lionde Paris : O que entende por « civilização » ?

Edgar Morin : É necessário distinguir cultura e civilização. A cultura é o conjunto das crenças, dos valores próprios de uma comunidade particular.
A civilização é o que pode ser transmitido de uma comunidade para outra: as técnicas, os saberes, a ciência, etc. Por exemplo, a civilização ocidental de que falo, que aliás se mundializou, é uma civilização que se define pelo conjunto dos desenvolvimentos da ciência, da técnica, da economia..
E é essa civilização, que hoje provoca muito mais efeitos negativos do que positivos, que necessita de uma reforma, portanto de uma política de civilização.

mathieu : A utilização da palavra « civilização » não faz correr o risco de nos levar a fazer o jogo do neo-conservadorismo ?

Edgar Morin : Não vejo em quê. Se eu digo que é preciso reformar a civilização, isso faz ao invés o jogo daqueles que quereriam mudar as coisas, e não dos conservadores.

( … … … )

Vurca : Diz que a civilização traz mais efeitos negativos do que efeitos positivos. Quais são os efeitos negativos ?


Edgar Morin : Eu falo do facto de, por exemplo, a ciência não ter trazido apenas benefícios, já que trouxe também armas de destruição em massa e possibilidades de manipulação biológica.
A técnica e a economia hoje concorrem para a degradação da biosfera, e para todos os problemas ecológicos com que nos deparamos actualmente.

Digo também que em toda a parte onde os bens materiais foram facultados a uma parte da população, eles não suscitaram um verdadeiro bem-estar psicológico e moral, e que há mal-estar em todos aqueles que conhecem o bem-estar..
O individualismo, que é uma coisa positiva no plano da autonomia e da responsabilidade pessoal, desenvolveu-se provocando o esvaimento das solidariedades.
São todos estes fenómenos de degradação que são os aspectos negativos, ligados ao facto de que o que predomina, é a quantidade, o “mais”, em detrimento do melhor. É por isso que é preciso uma reforma de civilização.

Cathy : Disse: « A política de civilização (…) deveria basear-se em dois eixos essenciais (…) : humanizar as cidades, o que exigiria grandes investimentos, e lutar contra a desertificação dos campos.”. Que compatibilidade encontra entre as acções levadas a cabo pelo governo e a sua concepção da política de civilização?

Edgar Morin : Penso que, até agora, o que os diversos governos têm feito é muito insuficiente quanto a esses dois aspectos. Por exemplo, a revitalização dos campos suscita o facto de, em primeiro lugar, se dar vida à aldeia. Fazer regredir a agricultura industrial e a pecuária industrial que poluem os alimentos e os lençóis friáticos, em benefício de uma agricultura de pequenas e médias explorações, dedesenvolver até ao máximo a agricultura biológica.
Quanto às cidades, também se está muito longe de as humanizar. Há o problema aterrador da vida nos subúrbios que tendem a transformar-se em ghetos. Há também o dos que vivem nas cidades gigantes, hiper-atravancadas, tóxicas, num clima tão insalubre que as doenças psicossomáticas se multiplicam, assim como o uso das drogas e dos soníferos.
Assim , penso que até agora, estes dois problemas não foram enfrentados com a força suficiente.


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Jyp : Pensa que se pode aplicar uma autêntica política de civilização, quando o objectivo prioritário para o país, fixado pela maioria presidencial, é o crescimento a qualquer preço?

Edgar Morin : Justamente, eu penso que uma política de civilização não deve ser hipnotizada pelo crescimento.
É preciso abandonar a procura do cada vez mais pela procura do cada vez melhor. O crescimento é um termo puramente quantitativo. É necessário saber quais são os sectores onde deve haver crescimento, e aqueles onde, pelo contrário, deve haver decrescimento.


(… … …)

Francisco : Qual é para si o « melhor » de cada civilização, para efectuar essa simbiose que evoca ?


Edgar Morin : Creio que, no que diz respeito à civilização europeia, são as ideias de democracia, de direitos do homem e da mulher. No que diz respeito à China , é uma civilização fundada no taoismo, numa concepção da vida e da natureza muito rica e uma ideia de sabedoria.
Creio que nas pequenas civilizações de Índios da América do Norte ou da Amazónia, há artes de viver, saberes, conhecimentos, que não devem ser desprezados, mas sim poder ser adoptados.
Diria que todas as culturas têm as suas virtudes, as suas superstições, os seus erros, e penso que são sobretudo as virtudes das diferentes culturas que se deveriam reencontrar.
Aqui, no nosso país, vê-se muito bem, que há a aspiração a uma arte de viver que faz com que se procure tanto no budismo zen, como no budismo tibetano do dalaï-lama, respostas à sua aspiração de viver de uma outra maneira.
Penso que o Ocidente em geral e a Europa desenvolveram sobretudo o lado material e técnico da civilização, e subdesenvolveram tudo o que diz respeito à alma, ao espírito, à relação consigo próprio. E eu penso que além disso, pode-se aproveitar o que nos tragam muitas outras civilizações.

Gwaihir : A imagem do mundo actual não se inclina mais para a teoria do choque de civilizações de Samuel Huntington do que para a simbiose entre elas ?

Edgar Morin : É o grande problema da actualidade : evitaremos uma guerra de religiões ou de civilizações ? O que eu digo vai no sentido contrário ao do choque de civilizações.

(Constance Baudry)

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