Dilma não cometeu qualquer crime :
uma demonstração jurídica.
A Redação da revista brasileira CartaCapital publicou ontem
(28/08/16) na sua página virtual, um esclarecedor texto da sua responsabilidade
sobre o golpe de Estado urdido contra Dilma. É feita uma análise jurídica das
acusações que lhe são feitas. A partir de dois depoimentos feitos já na própria
sessão final ndo julgamento que está nadecorrer. É um bom complemento do texto ontem
aqui publicado. Como escreve num excerto de abertura: “Ex-ministro da Fazenda e jurista afirmam que presidenta afastada agiu
dentro da lei em decretos de crédito suplementar e que não houve pedaladas
fiscais”.
“O terceiro dia do julgamento da presidenta afastada Dilma Rousseff ocorreu em clima
de tranquilidade no Senado, no sábado 27, sem os bate-bocas das sessões
anteriores. O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, ouvido como testemunha da
defesa, afirmou que Dilma não cometeu crime de responsabilidade ao editar os
decretos em avaliação no processo de
impeachment e que não houve “pedaladas fiscais”. “Ela seguiu
estritamente o que está na lei”, disse.
Sobre as “pedaladas” — atrasos no pagamento de dívidas
da União com bancos públicos referentes ao Plano Safra —, o ex-ministro afirmou
que as medidas não podem ser consideradas como operações de crédito entre o
Banco do Brasil e o governo federal, o que é vedado pela Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Segundo ele, esse entendimento sempre foi pacífico. “
O Ministério Público indica que eventual atraso no pagamento de equalização de
taxa de juros não se trata de operação de crédito. Há um parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que caracteriza isso como não sendo
operação de crédito. As autoridades do Tesouro Nacional, sob o comando do
vice-presidente em exercício, atestam que não é operação de crédito”, declarou.
De acordo com Barbosa, não existe base para crime de
responsabilidade da presidenta afastada "nem na questão do pagamento de
passivos junto aos bancos públicos, nem na edição de decretos”. Os atos que
integram a denúncia contra a presidenta, argumenta, foram amparados pela
legalidade, e as acusações ignoram normas e interpretações consolidadas da
administração pública.
A respeito dos três decretos de créditos
suplementares, cuja edição é apontada pela denúncia como tendo ignorado e
comprometido a meta fiscal do ano de 2015, o ex-ministro afirmou que eles não
aumentaram os gastos do governo e seguiram a lei. “A elaboração dos decretos
segue um procedimento já regulamentado da mesma forma há 16 anos. Há um sistema
da Secretaria de Orçamento Federal para apresentação de pedidos de créditos
suplementares. Todo esse sistema é autorizado pela lei orçamentária, aprovada
pelo Congresso Nacional”, disse.
Questionado sobre a lei que obriga o governo federal a
cumprir a meta fiscal no trimestre ou no quadrimestre, o ex-ministro explicou
que a meta é anual. "Tanto é que você só verifica se cumpriu a meta quando
é feito o balanço de caixa em janeiro de cada ano”.
Segundo ele, o não cumprimento da meta é passível
apenas de multa. "Em várias esferas municipais e estaduais a meta vem sendo
descumprida sem protestos de deputados e senadores", disse. Barbosa também
afirmou que descumprir a meta não é crime.
O depoimento do ex-ministro da Fazenda foi o mais
longo de todas as sete testemunhas que já se manifestaram: durou mais de oito
horas, incluindo um intervalo para almoço. Ele foi interpelado por 32
parlamentares.
Jurista diz que acusação se baseia em nova interpretação das leis
O último convidado da defesa ouvido pelos senadores
foi o professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)
Ricardo Lodi. O jurista, ouvido como informante, afirmou não ser possível haver
impeachment sem crime de responsabilidade, materialidade e dolo da presidenta.
Para ele, Dilma Rousseff foi afastada sob acusações que se apoiam em nova
interpretação das leis, feita depois de os fatos terem ocorrido.
“É a tentativa de imputação de um crime quando, no
momento que os fatos ocorreram, aquela conduta era considerada lícita por todos,
pelo TCU, pelos técnicos do governo, pela doutrina. O que se está fazendo nesse
processo de impeachment é, após a conduta, ir criando aos poucos, burilando a
tipificação dessa conduta, para fortalecer a tese da acusação no meio do
processo”, avaliou o jurista.
Segundo Lodi, em 2015 o TCU mudou o entendimento sobre
as operações entre os bancos públicos e a União. Para ele, não houve crédito,
que seria vedado, mas apenas uma obrigação legal.
Ao analisar as ilegalidades apontadas pela acusação
referentes ao crédito de suplementação orçamentária, Lodi afirmou que a
exigência de compatibilidade entre a abertura de crédito suplementar e a
previsão da meta, e não a obtenção financeira da meta, seria uma novidade
criada após a edição dos decretos."Nunca se fez essa interpretação no
Direito Financeiro brasileiro até o acórdão do TCU do dia 7 de outubro de
2015", disse. "Os decretos são de julho e agosto de 2015, quer dizer,
o que temos aqui é uma criação de Direito novo, não por alteração da letra da
lei, mas por alteração da interpretação que essa lei recebeu dos seus vários
aplicadores."
A modificação das teses da acusação ao longo do
processo de impeachment foi também apontada pelo advogado da defesa, José
Eduardo Cardozo. Para o defensor de Dilma Rousseff, a questão da meta
orçamentária, com cumprimento bimestral, teria surgido somente depois de
iniciado o processo e não seria compatível com a lei.
Para Ricardo Lodi, não há, no Direito Financeiro, a
figura da meta orçamentária. Segundo o professor, desde 2014, a Lei de
Diretrizes Orçamentárias repete que os decretos de crédito suplementar levam
automaticamente ao aumento do contingenciamento na mesma proporção. Com isso,
argumentou, não houve elevação de despesa pública. "Parece não ser
juridicamente possível considerar que houve abertura de crédito suplementar sem
prévia autorização legislativa. A autorização legislativa foi prévia, mas
submetida a uma condição, que foi cumprida com o contingenciamento automático
daqueles recursos que foram previstos pelos decretos de
suplementação", afirmou o jurista.
Plano safra
Na opinião de Lodi, a interpretação de que os atrasos
de pagamento das obrigações do Plano Safra seriam operações de crédito,
constante da denúncia contra a presidenta afastada, também seria uma regra
alterada depois dos fatos. "Essa é uma construção jurídica que inexistia
no Direito financeiro brasileiro e foi criada depois dos fatos serem
assentados. Nunca a doutrina brasileira, inclusive a jurisprudência
administrativa do Tribunal de Contas, tinha feito tal analogia. Os elementos
centrais de uma operação de crédito — a existência de vontade das duas partes,
o instrumento contratual, a transferência de recurso de credor para devedor –
inexistem no adimplemento de obrigações ex lege [advindas da lei]",
continuou.
Sobre o Plano Safra, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)
perguntou ao professor se o tempo que o governo demorou para pagar a
equalização dos juros do crédito agrícola ao Banco do Brasil e o valor
envolvido seriam capazes de tornar crime o que ocorreu.
Segundo Ricardo Lodi, até o acórdão do TCU de 2015,
não havia analogia entre atraso no pagamento desse tipo de obrigação e operação
de crédito. Para ele, o tempo até o pagamento e o valor em questão não são
capazes de mudar a natureza do ocorrido e transformar uma prática até então
aceita em crime de responsabilidade."Se prevalecer a interpretação que se
está querendo impor, vamos chegar à conclusão que a União não pode contratar
com os bancos que ela controla, pois em qualquer relação contratual pode surgir
o inadimplemento, gerando um direito de crédito. Está se tentando confundir
direito de credito com operação de crédito", avaliou o jurista.
Ausência de culpa
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) perguntou a Lodi
sobre a autoria das pedaladas fiscais e sobre o fato de o Ministério Público
ter inocentado Dilma na esfera comum. Lodi foi enfático ao dizer que, quanto às
pedaladas, era preciso deixar claro que o regramento normativo atual não prevê
competência da presidente da República nesses casos. "Não há que se
falar de omissão ou delegação. Essa competência é conferida pelo legislador ao
ministro da Fazenda", disse.
Segundo ele, o parecer do Ministério Público Federal
não aponta operação de crédito os atrasos pelo Tesouro Nacional nos repasses
aos bancos oficiais para quitar pagamentos de prestação de serviços ou
subvenção de juros para programas do governo.”
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