A
Ética- Pirilampo
A
vida tem ironias que nos surpreendem. Esse é um dos seus encantos. Vejam o
estranho caso dos três secretários do atual governo vítimas de uma irreprimível
vontade de apoio à nossa seleção. Tão irreprimível que os deixou á mercê da tremenda
voragem galpista de um convite para
que concretizassem in loco tão
denodado apoio. Lá foram. A seleção de todos nós passou pelo arco do triunfo. Foi
tempo de condecorações, de abraços e discursos, de multidões em delírio e de
comovidas lágrimas em romarias privadas. Foi o tempo do “somos os melhores do
mundo”. Um tempo rápido, mas eufórico. Mas naturalmente os nossos dias voltaram
, enfim, à sua mansidão tensa, ainda que
vagamente à sombra do ruído europeu.
Agosto procurou-nos com o seu hálito de queima,
levando alguns de nós para as praias de todos os algarves e outros mais
contidos para as aldeias desertas do Portugal profundo. Em casa, ficaram muitos,
continuando a enfrentar a imensidão do mês, mal preparado para uma escassez nas
carteiras. E a vida continuou indiferente à canícula, devidamente avisada de
que estamos em férias. Nada se passar parecia um destino, mas não era notícia.
Foi
aqui que regressaram os três secretários de estado. Já não como partilhadores
das glórias futebolísticas, mas como potenciais figurara de um caso
suficientemente interessante para nos fazer escapar do tédio noticioso de
agosto.
Os
turcos ainda tentaram ajudar com uma espécie de golpe, a nossa seleção
alegadamente C foi para o Brasil mostrar que em campo pode ser um A muito
grande. Mas é pouco. A canícula é grande e a atenção fraca. É indispensável
algo que acorde, que torne verosímil bater
nas panelas. E assim voltaram os três secretários de Estado. Já não como candidatos
a heróis na vertigem da vitória, mas como vilões necessários na voragem de
agosto.
Aceitaram
um convite da GALP. Um convite da GALP, vejam bem. Eu próprio, como muitos de
nós, talvez digamos: Eu não aceitaria o convite! Aliás, não é preciso grande
imaginação para se pensar que os próprios secretários de Estado, hoje não aceitariam
esse convite. Mas aceitaram. E a virtude não os pode desculpar.
E
assim, o CDS e o PSD depois de alguns relâmpagos de indignação e algumas
vociferações dispersas, convergiram finalmente na ética. Abandonaram
prudentemente os meandros jurídicos, onde se consideram fracos, para meterem
todas as suas fichas na ética como adamastores da virtude. Fiquei pois descansado,
por saber que para a nossa direita, sempre alegadamente institucional, não está
em causa uma questão jurídica. Apenas a ética, uma ética com letras enormes que
estejam à medida da sua grande dimensão moral a preocupa verdaeiramente.
E
fiquei aliviado, já que estava assim a ser dada uma garantia implícita de que com
o tandem PASSOS- CRISTAS a verticalíssima direita portuguesa ia fazer com que a
ética invadisse a política. E assim ficaria dormitando no remanso deste fim de
tarde na Beira profunda, se às vezes não tivesse o infeliz hábito de pensar.
De
facto, sendo pouco provável que a ética hoje tonitroantemente colocada no topo
da política pelo CDS e pelo PSD, fosse uma breve comichão estival, provocada
por um vírus desconhecido, ela não nasceu decerto de supetão. Já estaria
irremediavelmente entranhada nos passos e nas cristas, quando há pouco tempo
atrás essa figura cimeira da cimeira dos Açores, que foi o Comissário Barroso,
levou os seus dez anos de experiência e informações na liderança da Comissão europeia,
para o redil insalubre da Goldman Sachs. E no entanto não foram ouvidos os seus
gritos de indignação.
Admito
que no segredo das suas comichões éticas mais profundas, a Dr.ª Cristas e o Dr.
Passos tenham sentido a sombra de um ligeiro incómodo. Mas nada que
justificasse uma conferência de imprensa, um comunicado, uma entrevista, uma
fuga de informação, de onde pudesse deduzir–se o assomo de uma preocupação
ética, o mais leve perfume de censura pelo deslize de Barroso para dentro da
Goldman Sachs. Nada. Absolutamente nada, a não ser alguns breves sussurros de
júbilo, envergonhado é certo, mas júbilo.
Aqui
o meu pensamento começou a inquietar-se. Então as cristas e os passos erguem-se
como gigantes da ética contra três viagens de secretários de estado de um governo
de que não gostam, mas não ronronam o esboço de uma reserva ética em face da
deriva para dentro da Goldman Sachs de um ex-presidente da Comissão Europeia,
que por acaso veneram ? Olho com desconfiança para a ostensiva duplicidade
dessa ética que ruge contra quem não gosta mas nem chega a miar contra quem
venera. É muito fraca a ética de uma ética dessas ─ pensei eu.
E
foi então que o meu espírito de compreensão admitiu que talvez não fosse tanto
assim. Talvez houvesse uma explicação que pudesse reinserir no campo da decência
a referida ética cristo-passista. E a explicação surgiu subitamente iluminada
por uma certeza, relativa é certo, mas que vos apresento tal como me surgiu.
Estamos
perante uma nova ética , a ética-pirilampo: ora se acende ora se apaga, embora
nunca deixe de existir. E foi essa caraterística que suscitou o infeliz acaso
acima referido. Embora continuadamente presente quer nos seguidores de Cristas,
quer nos seguidores de Passos, por mero acaso, ela estava apagada no caso
Barroso/Goldman e estava acesa no estranho caso dos três secretários de Estado.
Confesso
que não estou totalmente convencido com esta nova ética que é a
ética-pirilampo. No entanto, atrevo-me a sugerir uma conferência de imprensa conjunta do CDS e do PSD para serem
apresentadas todas as virtualidades, virtudes e implicações da ética-pirilampo.
E já agora, sem querer intrometer-me, sugiro que a figura central da conferência
seja alguém com credibilidade na matéria, o ex-ministro Relvas, do nunca
esquecido governo Passos-Portas.
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