quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Um discurso para a História




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Roberto Requião pertence ao PMDB, partido de Eduardo Cunha e de Temer, mas, como podem ouvir, nada tem a ver com esses vermes políticos. O seu discurso merece ser ouvido. É uma notável peça de oratória parlamentar, mas é também uma evocação histórica e uma peça de combate político. Este Senador do Paraná  honra a política brasileira e mostra que há nela quem seja honrado e  vertical. Quem  na hora do combate não traia nem se agache.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Discurso de DILMA

Vou transcrever integralmente o discuro da Presidente Dilma ontem proferido no Senado Federal do Brasil. É um documento histórico que mostra bem a sua estatura política, colocando  no lado negro da história os senadores que venham a votar pela sua destituição. Não sendo, no momento em que estou a escrever, ainda certa a aprovação do “impeachement”, ela é no entanto provável. Se ocorrer, terá início um período negro  na história do Brasil, que não se sabe como irá decorrer e quando acabará.




Eis o discurso completo de  Dilma Rousseff:

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,

No dia 1º de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados. Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Pr Lula foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação.
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano — foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.
Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
Muito obrigada.


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Brasil - Dilma não cometeu qualquer crime

Dilma não cometeu qualquer crime : uma demonstração jurídica.


A Redação da revista brasileira CartaCapital publicou ontem (28/08/16) na sua página virtual, um esclarecedor texto da sua responsabilidade sobre o golpe de Estado urdido contra Dilma. É feita uma análise jurídica das acusações que lhe são feitas. A partir de dois depoimentos feitos já na própria sessão final ndo julgamento que está nadecorrer. É um bom complemento do texto ontem aqui publicado. Como escreve num excerto de abertura: “Ex-ministro da Fazenda e jurista afirmam que presidenta afastada agiu dentro da lei em decretos de crédito suplementar e que não houve pedaladas fiscais”.



“O terceiro dia do julgamento da presidenta afastada Dilma Rousseff ocorreu em clima de tranquilidade no Senado, no sábado 27, sem os bate-bocas das sessões anteriores. O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, ouvido como testemunha da defesa, afirmou que Dilma não cometeu crime de responsabilidade ao editar os decretos em avaliação no processo de impeachment e que não houve “pedaladas fiscais”. “Ela seguiu estritamente o que está na lei”, disse.
Sobre as “pedaladas” — atrasos no pagamento de dívidas da União com bancos públicos referentes ao Plano Safra —, o ex-ministro afirmou que as medidas não podem ser consideradas como operações de crédito entre o Banco do Brasil e o governo federal, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Segundo ele, esse entendimento sempre foi pacífico. “ O Ministério Público indica que eventual atraso no pagamento de equalização de taxa de juros não se trata de operação de crédito. Há um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que caracteriza isso como não sendo operação de crédito. As autoridades do Tesouro Nacional, sob o comando do vice-presidente em exercício, atestam que não é operação de crédito”, declarou.
De acordo com Barbosa, não existe base para crime de responsabilidade da presidenta afastada "nem na questão do pagamento de passivos junto aos bancos públicos, nem na edição de decretos”. Os atos que integram a denúncia contra a presidenta, argumenta, foram amparados pela legalidade, e as acusações ignoram normas e interpretações consolidadas da administração pública. 
A respeito dos três decretos de créditos suplementares, cuja edição é apontada pela denúncia como tendo ignorado e comprometido a meta fiscal do ano de 2015, o ex-ministro afirmou que eles não aumentaram os gastos do governo e seguiram a lei. “A elaboração dos decretos segue um procedimento já regulamentado da mesma forma há 16 anos. Há um sistema da Secretaria de Orçamento Federal para apresentação de pedidos de créditos suplementares. Todo esse sistema é autorizado pela lei orçamentária, aprovada pelo Congresso Nacional”, disse.  
Questionado sobre a lei que obriga o governo federal a cumprir a meta fiscal no trimestre ou no quadrimestre, o ex-ministro explicou que a meta é anual. "Tanto é que você só verifica se cumpriu a meta quando é feito o balanço de caixa em janeiro de cada ano”.
Segundo ele, o não cumprimento da meta é passível apenas de multa. "Em várias esferas municipais e estaduais a meta vem sendo descumprida sem protestos de deputados e senadores", disse. Barbosa também afirmou que descumprir a meta não é crime. 
O depoimento do ex-ministro da Fazenda foi o mais longo de todas as sete testemunhas que já se manifestaram: durou mais de oito horas, incluindo um intervalo para almoço. Ele foi interpelado por 32 parlamentares. 
Jurista diz que acusação se baseia em nova interpretação das leis 

O último convidado da defesa ouvido pelos senadores foi o professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Ricardo Lodi. O jurista, ouvido como informante, afirmou não ser possível haver impeachment sem crime de responsabilidade, materialidade e dolo da presidenta. Para ele, Dilma Rousseff foi afastada sob acusações que se apoiam em nova interpretação das leis, feita depois de os fatos terem ocorrido. 
“É a tentativa de imputação de um crime quando, no momento que os fatos ocorreram, aquela conduta era considerada lícita por todos, pelo TCU, pelos técnicos do governo, pela doutrina. O que se está fazendo nesse processo de impeachment é, após a conduta, ir criando aos poucos, burilando a tipificação dessa conduta, para fortalecer a tese da acusação no meio do processo”, avaliou o jurista. 
Segundo Lodi, em 2015 o TCU mudou o entendimento sobre as operações entre os bancos públicos e a União. Para ele, não houve crédito, que seria vedado, mas apenas uma obrigação legal. 
Ao analisar as ilegalidades apontadas pela acusação referentes ao crédito de suplementação orçamentária, Lodi afirmou que a exigência de compatibilidade entre a abertura de crédito suplementar e a previsão da meta, e não a obtenção financeira da meta, seria uma novidade criada após a edição dos decretos."Nunca se fez essa interpretação no Direito Financeiro brasileiro até o acórdão do TCU do dia 7 de outubro de 2015", disse. "Os decretos são de julho e agosto de 2015, quer dizer, o que temos aqui é uma criação de Direito novo, não por alteração da letra da lei, mas por alteração da interpretação que essa lei recebeu dos seus vários aplicadores."
A modificação das teses da acusação ao longo do processo de impeachment foi também apontada pelo advogado da defesa, José Eduardo Cardozo. Para o defensor de Dilma Rousseff, a questão da meta orçamentária, com cumprimento bimestral, teria surgido somente depois de iniciado o processo e não seria compatível com a lei.
Para Ricardo Lodi, não há, no Direito Financeiro, a figura da meta orçamentária. Segundo o professor, desde 2014, a Lei de Diretrizes Orçamentárias repete que os decretos de crédito suplementar levam automaticamente ao aumento do contingenciamento na mesma proporção. Com isso, argumentou, não houve elevação de despesa pública. "Parece não ser juridicamente possível considerar que houve abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa. A autorização legislativa foi prévia, mas submetida a uma condição, que foi cumprida com o contingenciamento automático daqueles recursos que foram previstos pelos decretos de suplementação", afirmou o jurista. 
Plano safra
Na opinião de Lodi, a interpretação de que os atrasos de pagamento das obrigações do Plano Safra seriam operações de crédito, constante da denúncia contra a presidenta afastada, também seria uma regra alterada depois dos fatos. "Essa é uma construção jurídica que inexistia no Direito financeiro brasileiro e foi criada depois dos fatos serem assentados. Nunca a doutrina brasileira, inclusive a jurisprudência administrativa do Tribunal de Contas, tinha feito tal analogia. Os elementos centrais de uma operação de crédito — a existência de vontade das duas partes, o instrumento contratual, a transferência de recurso de credor para devedor – inexistem no adimplemento de obrigações ex lege [advindas da lei]", continuou.
Sobre o Plano Safra, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) perguntou ao professor se o tempo que o governo demorou para pagar a equalização dos juros do crédito agrícola ao Banco do Brasil e o valor envolvido seriam capazes de tornar crime o que ocorreu.
Segundo Ricardo Lodi, até o acórdão do TCU de 2015, não havia analogia entre atraso no pagamento desse tipo de obrigação e operação de crédito. Para ele, o tempo até o pagamento e o valor em questão não são capazes de mudar a natureza do ocorrido e transformar uma prática até então aceita em crime de responsabilidade."Se prevalecer a interpretação que se está querendo impor, vamos chegar à conclusão que a União não pode contratar com os bancos que ela controla, pois em qualquer relação contratual pode surgir o inadimplemento, gerando um direito de crédito. Está se tentando confundir direito de credito com operação de crédito", avaliou o jurista.
Ausência de culpa
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) perguntou a Lodi sobre a autoria das pedaladas fiscais e sobre o fato de o Ministério Público ter inocentado Dilma na esfera comum. Lodi foi enfático ao dizer que, quanto às pedaladas, era preciso deixar claro que o regramento normativo atual não prevê competência da presidente da República nesses casos. "Não há que se falar de omissão ou delegação. Essa competência é conferida pelo legislador ao ministro da Fazenda", disse.
Segundo ele, o parecer do Ministério Público Federal não aponta operação de crédito os atrasos pelo Tesouro Nacional nos repasses aos bancos oficiais para quitar pagamentos de prestação de serviços ou subvenção de juros para programas do governo.”


domingo, 28 de agosto de 2016

BRASIL - um juiz põe a nu o golpe.


Mais uma vez recorro ao jornal espanhol Público para dar a conhecer um texto sobre o processo golpista de que está a ser  vítima a Presidente Dilma. Desta vez, é  uma entrevista com um juiz brasileiro. Transcrevo-o em espanhol, a língua em que foi publicado.
O jornal abre o texto com o destaque de uma frase do entrevistado : “Sim, estamos perante um golpe de Estado”. E prossegue: “Así de tajante se muestra en esta entrevista el magistrado André Augusto Bezerra, presidente de la Asociación de Jueces para la Democracia, en relación al juicio político al que se enfrenta Dilma Rousseff. La "falta de un crimen de responsabilidad" y los "indicios de desvío de finalidad" del 'impeachment' son sus principales argumentos.


SAO PAULO.- El presidente de la Asociación de Jueces para la Democracia de Brasil, André Augusto Bezerra, explica a Público cómo la presidenta Dilma Rousseff se enfrenta a un juicio político “no por un crimen de responsabilidad” y sí por la pérdida de apoyo parlamentario, un motivo insuficiente para derribar a un mandatario en un sistema presidencialista.

¿Se puede decir que el 'impeachment' al que se enfrenta Dilma Rousseff es un golpe de Estado?
Si entendemos que un golpe de Estado supone una toma del poder ilegítima, fomentada por agentes del Estado y en torno a un proyecto político-económico, sí que podemos decir que estamos ante un golpe. No hay ningún crimen de responsabilidad que se le pueda atribuir a la presidenta Dilma, lo que hay es un pretexto jurídico para derribarla, que ha sido planeado por grupos de la oposición desde que ganó las elecciones de 2014. Por lo tanto la toma de poder capitaneada por el vicepresidente de la República y la oposición, con apoyo del Parlamento es ilegítima y organizada por agentes del Estado. Con Dilma fuera del Gobierno se pretenden aplicar una serie de reformas neoliberales, anti sociales, que difícilmente habrían salido adelante con un presidente elegido por el voto popular. Por lo tanto alrededor del golpe hay un proyecto político y económico.


Algunos juristas se niegan a hablar de golpe porque dicen que con crimen de responsabilidad el 'impeachment' sería un instrumento jurídico contemplado en la Constitución.
El impeachment está previsto en la Constitución, como también lo están otras medidas excepcionales como el estado de sitio. El que esté contemplado no quiere decir que sea apto para hacer efectiva la aplicación de la medida. La Constitución exige que haya un crimen de responsabilidad para hacer el impeachment y no hay nada definido en la ley como crimen que se le pueda atribuir a la presidenta. Las "pedaladas fiscales" (uso de fondos de bancos públicos para cubrir programas de responsabilidad del Gobierno) no son un crimen, incluso son una práctica frecuente en los gobiernos de diversos estados del país, y ninguno de ellos ha sufrido ni una sola sanción por ello.

¿Salir de la presidencia del Gobierno por las 'pedaladas fiscales' sería un castigo desproporcional?
Sin ninguna duda. Se están confundiendo actos reprobables o actos ilegales con actos criminales. Pero el pretexto de la "pedalada fiscal" demuestra mucho más. Lo que dice es que hoy en día la cuestión presupuestaria aparece como la principal preocupación de los Estados. Los derechos humanos y la participación popular en la gestión pública se encuentran en un segundo plano. Éste no es un problema exclusivamente brasileño, sino de la mayoría de las democracias representativas y que está generando una gran desconfianza en el sistema, como lo vemos hoy en países de todo el mundo.

El abogado de Rousseff, José Eduardo Cardozo, dijo que este 'impeachment' sería un acto de “venganza”. ¿Qué opinión le merece esta afirmación?
No sé si es un acto de venganza, no sé si la política brasileña trabaja con este concepto. Lo único que está muy claro es que se trata de una toma del poder desprovista de amparo jurídico.

¿Cuánto pesa lo político en relación a la formalidad jurídica del proceso?
En el derecho brasileño el impeachment es un juicio mixto: político y jurídico. Debe seguir los requisitos jurídicos que piden que haya una existencia concreta de crimen de responsabilidad y el procedimiento debe seguir los respectivos procesos legales. A su vez el juicio se produce en el Senado, que sería la parte política. De este modo el peso político debería equilibrarse con el peso jurídico. Pero en el caso de la presidenta Dilma Rousseff esto no ocurre. Lo que vemos es que prevalece de manera desproporcional el aspecto político. Al final de cuentas están haciendo de la pérdida de apoyo parlamentario, algo que es un hecho habitual en los sistemas presidencialistas y que debería resolverse a través del diálogo entre poderes, el principal motivo de pérdida del mandato de una presidenta elegida democráticamente por el pueblo.

¿Se están cumpliendo adecuadamente los ritos del proceso?
No. No hay un crimen imputado a la presidenta de la República, por lo tanto no se están cumpliendo adecuadamente.

Las conversaciones telefónicas que salieron a la luz en mayo entre el expresidente de Transpetro, Sergio Machado, y el exministro de Temer, Romero Jucá, decían que el Tribunal Supremo “ya estaba al tanto de todo” y que estaría “de acuerdo con el 'impeachment'”. ¿El Tribunal Supremo en Brasil es independiente?
En teoría el Tribunal Supremo Federal es independiente. Hasta ahora la nominación de sus respectivos miembros la realiza el Ejecutivo y es aprobada por el Senado. Los criterios de elección de sus jueces no suele ser claro; en realidad no hay mucha transparencia en ese proceso. Creo que la sociedad civil debería tener una participación más activa en la selección de sus miembros.

En estas mismas conversaciones se hablaba como si se tratara de un complot para acabar con Dilma y evitar las investigaciones de Lava Jato. Jucá decía que había que “sacar a Dilma para evitar la sangría de las investigaciones”. ¿Estas declaraciones no serían un argumento para frenar el proceso contra la presidenta que aparece como algo orquestado?
Sí, deberían ser un freno. Hay indicios de que hay un desvío de finalidad en el proceso. En otras palabras, se utilizaría esta medida contemplada en la Constituución, pero no con los fines previstos en la Constitución. Cuáles serían esos fines, todavía no está claro, la Historia lo esclarecerá. Por ahora lo único seguro es que todo lo que está sucediendo viene de la mera falta de apoyo parlamentario, lo que en un régimen presidencialista no permite la salida de un jefe del ejecutivo.

¿Qué legitimidad tienen los senadores que van a juzgar a la presidenta cuando un 40% de ellos está acusado de escándalos de corrupción?
El hecho de que senadores acusados de corrupción sean los que juzguen a una presidenta que no está formalmente acusada de corrupción, mancha todavía más la legitimidad del proceso. Hay que recordar que la denuncia del impeachment la hizo el presidente de la Cámara de los Diputados, Eduardo Cunha, quien está apartado de sus funciones por serias denuncias de corrupción que pesan contra su persona.

¿Qué tipo de precedentes puede sentar este 'impeachment' para el país? ¿A partir de ahora será más fácil sacar a un presidente del poder?
El precedente de que la mera pérdida de apoyo parlamentario pueda derribar presidentes democráticamente elegidos. En Brasil ya no hay ninguna seguridad jurídica para salvaguardar el voto popular, éste será siempre rehén de la conveniencia parlamentaria.


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Brasil - uma farsa sem recuo ?



Na sua seção A contracorriente, o diario español Público, publicou um esclarecedor texto do intelectual e politólogo brasileiro Emir Sader, com o sugestivo título de Brasil ya no será igual”.
Quando no Brasil decorre o acto final de uma farsa dramática, no dia em que a policía federal resolveu arremeter contra Lula, é importante ir ao fundo do que está em causa.
Este texto, transcrito na língua em que foi publicado, é uma boa ajuda:

“Cualquiera que a el desenlace inmediato de la más profunda y prolongada crisis que el país ha vivido, Brasil no saldrá de ella igual, nunca más será el mismo país. Será mejor o peor, pero no igual. Esta crisis ha devastado la credibilidad de todo el sistema político, liquidado con la legitimidad del Congreso y propagando la falta de confianza en el Poder Judicial. Hizo que el pueblo supiera que no basta votar y ganar cuatro elecciones para que el mandato presidencial se respete. En resumen, lo que se creía que era una república se terminó. Lo que se decía que era un sistema político democrático ya no sobrevivirá. O Brasil se constituye en una democracia sólida ─para lo que el Congreso actual, este Poder Judicial, este monopolio de los medios de comunicación no pueden seguir funcionando cono hasta ahora─ o el país dejará de vivir realmente en democracia.
La derecha brasileña muestra su rostro. Y lo hace sin eufemismos. Al principio alegaba que se trataba de un proyecto para “reunificar el país”, supuestamente dividido por los gobiernos el PT. Se valían de la pérdida de popularidad del gobierno Dilma, así como del Congreso más conservador y descalificado que este país ha tenido jamás. Pero también lo hicieron a través de los viejos medios de comunicación de una forma escandalosa y sin ningún tipo de honor. Su objetivo era destruir la democracia política que hemos tenido y promover un gobierno antidemocrático, antipopular y antinacional.
Muy rápidamente fue posible constatar que se trataba simplemente de lo que ya se denunciaba por toda la región: el proyecto de restauración del modelo fracasado en los años 90 con Fernando Collor de Mello y FHC, un gobierno golpista y minoritario, contra el pueblo, contra la democracia y contra el país.
¿Cómo se va a pronunciar el Supremo Tribunal Federal sobre cualquier tema si ha permanecido callado frente a este golpe, puesto en practica ante sus narices, presidido en el Senado por su presidente, que apoya todas las brutales ilegalidades que se practican? ¿Para qué sirve un Poder Judicial, un Tribunal Supremo, si no es para impedir que un crimen contra la democracia fuera perpetrado por el Congreso? ¿O es que hay es un silencio cómplice mezclado con un vergonzoso aumento del 41% de sus salarios concedido públicamente ─con fotos en los periódicos─ por Eduardo Cunha, el político más corrupto del país. Un político cuya impunidad sólo se entiende por la complicidad de los que debieran castigarle junto a tantos otros miembros del Gobierno, incluido el presidente interino. Ya no habrá democracia en Brasil sin un Poder Judicial elegido y controlado por la ciudadanía, con mandatos limitados y poderes circunscritos.
No habrá democracia en Brasil sin un Congreso efectivamente elegido sin financiación privada, sin que represente a los lobbies elegidos por el poder del dinero. Un Congreso democrático tiene que estar basado en el voto condicionado, por el cual los electores controlen a aquello a quienes han votado y que se han comprometido con un programa y con un partido determinado.
En una democracia todos tienen el derecho a que se escuche su voz, la opinión pública no puede ser fabricada por algunas familias que imponen su punto de vista al país como si pudieran hablar en nombre de toda la población. Menos aun cuando han perdido cuatro elecciones presidenciales consecutivas. Nadie debe perder el derecho a hablar, pero todos deben tener el derecho a expresarse, sino no se trata de una democracia, sino de la dictadura de una minoría oligárquica.
En una democracia, un impostor no podría haber asumido la presidencia, por interina que sea ésta, mediante un golpe e imponer el programa económico derrotado cuatro veces sucesivamente. Más aún si ese golpista formó parte de la lista ganadora dos veces,  con un programa radicalmente opuesto al vencedor. Si todo esto está ocurriendo es porque la democracia ha sido herida de muerte, la voluntad de la mayoría no se conoce.
Si el golpismo triunfa en el Senado brasileño será necesario hacer que pague duramente el precio del atentado que está perpetrando. Que sus proyectos fracasen, que la vida de sus componentes se vuelva insoportable, que su banda de ladrones sea víctima de la inderogabilidad. Que se ocupen y se resistan en todos los espacios del gobierno ilegítimo, antidemocrático, antipopular y antinacional.
Es parte indisoluble de la resistencia democrática impedir cualquier acción en contra de Lula, que representa los anhelos mayoritarios del pueblo brasileño según las mismas encuestas que los golpistas han utilizado para buscar legitimidad popular. Esta será la señal para saber si sobreviven espacios democráticos o no. Si lograsen blindar de tal forma su gobierno y lograran constitucionalizar el neoliberalismo, habrán soterrado definitivamente cualquier señal de democracia en Brasil. En ese caso, ellos estarán abocados al mismo destino que sus antecesores: serán tumbados, derrotados, execrados y un nuevo tribunal de la verdad los juzgará y los condenará por crímenes contra la democracia. Serán derrotados por el país, por el pueblo, que construirá una democracia de verdad en Brasil”.


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Brasil - o significado de um golpe.


Começou hoje a fase final do golpe de Estado perpetrado no Brasil contra a Presidente  Dilma. É grande a probabilidade de vir a ser consumado. Um punhado de políticos conservadores, oportunistas e corruptos ocupa a ribalta no drama em curso. E não parecem dominar as consequências,  a médio e a longo prazo, do que estão a fazer, como se fossem politicamente tontos ou pura e simplesmente imprudentes. É, aliás, uma ironia histórica que no dia em que se encerra na Colômbia uma guerra civil de 50 anos, no Brasil se corra para um abismo político, cujas etapas subsequentes são imprevisíveis.

Vou hoje transcrever no meu blog mais um texto de Roberto Amaral sobre o processo que está a decorrer no Brasil. Recorro uma vez mais à página da CartaCapital , revista brasileira de excelente qualidade, honesta e esclarecedora.  Roberto Amaral  é um político brasileiro de inegável estatura intelectual e ética, que abandonou a Presidência do Partido Socialista Brasileiro, por não suportar a sua degradação  e o seu conluio com a direita mais rasteira e esponjosa. Merece ser lido com atenção. Procura a responder à pergunta "Por que destruir o símbolo Lula?", mostrando  o sentido de todo o processo :"A intenção é uma só: mandar aos trabalhadores o recado de que precisam conhecer o seu lugar e deixar de almejar o poder."

Por que destruir o símbolo Lula? - Roberto Amaral



                                           Lula em visita a acampamento do MST em julho: ele é o símbolo

Apesar de seu significado, de suas consequências e de sua brutalidade política, a tentativa de destruição eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, em curso, não é a ameaça mais grave que paira sobre o futuro imediato das forças populares, mesmo porque a vida política não se reduz ao processo eleitoral e porque não existem, nesse âmbito, derrotas definitivas, nem absolutas. Basta ouvir a história.
O movimento reacionário que nos governa hoje pensando em um projeto de poder de muitos anos –à margem dos mecanismos da democracia representativa e da soberania popular – volta suas poderosas baterias (políticas, midiáticas, policiais, judiciais) apenas incidentalmente, ou taticamente, para a figura do ex-presidente e eventual candidato à Presidência, pois seu alvo verdadeiro, de vida e morte, é o símbolo Lula, com toda a sua profunda carga emocional.
Simbologia que não se reproduz senão a espaços largos de anos e em condições objetivas e subjetivas que raramente se repetem. 
O símbolo Lula é um produto social; como construção coletiva, não pertence a si mesmo. É instrumento do imaginário: é, hoje, a leitura que dele fazem seus contemporâneos. A imagem de Lula caminha para além dos limites de país, simbolizando para o mundo afirmação das possibilidades dos trabalhadores.
O processo social não conhece a autogênese. Lula, tanto quanto o partido que fundou, o Partido dos Trabalhadores (PT), são (independentemente um e outro de seus muitos erros) o fruto da acumulação das lutas sociais, são o resultado das tantas batalhas em defesa da democracia, dos conflitos sociais e de classe, são a condensação de mais de um século de conquistas sindicais reunindo, numa só herança, desde os anarquistas do início do século passado até o varguismo que a socialdemocracia de direita, da UDN de Carlos Lacerda ao tucanato de Fernando Henrique Cardoso, intenta destruir.
Ambos, Lula e o PT, são um só fruto dos avanços políticos mais consequentes do fim da ditadura militar, direitos consagrados pela Constituição de 1988 que ainda ambos, Lula e o PT, equivocadamente, se recusaram a assinar. 
O ‘risco Lula’ não se reduz ao seu notório potencial eleitoral a ameaçar os sonhos continuístas do assalto neoliberal, até porque outras alternativas haverão de ser construídas; o perigo, a ameaça, residem principalmente – e nisso está sua maior gravidade – no que o líder popular representa e simboliza para as grandes massas como exemplo de afirmação histórica da classe trabalhadora.
A destruição política de Lula, ainda que necessária para o projeto de regressão ao passado, é perseguida pelos algozes de hoje (muitos deles aliados de ontem) como instrumento de destruição da expectativa, prelibada, de os trabalhadores conquistarem o poder e o exercerem diretamente, isto é, sem a clássica e corriqueira delegação a um representante da classe dominante.
No caso concreto, duas imagens precisam ser derruídas: a do operário transformado em político vitorioso e a do Lula presidente, isto é, de um governante de raro sucesso. Esta é a tarefa urgente, mas não é tudo – pois o projeto da classe dominante é quebrar as veleidades auto-afirmativas da classe trabalhadora. Trocando em miúdos, os trabalhadores precisam conhecer o seu lugar. Este é o recado que nos mandam.
Certa feita, ainda presidente da República, Lula se auto-qualificou pela negativa, isto é, como ‘não de esquerda’. Ignorava ele que personagem histórico não ocupa, necessariamente, o papel que se escolhe, mas aquele que, consoante suas circunstâncias e as contingências históricas, lhe é dado desempenhar num determinado momento.
Assim, independentemente de sua vontade e da vontade de seus adversários de classe, Lula, hoje, não apenas atua no campo da esquerda como é, a um tempo, o mais importante líder desse segmento político e o mais importante líder popular em atuação. E é isto o que conta para a crônica de sua condenação.  
Muitas vezes, na política, e estamos em face de um caso concreto, o personagem histórico se aparta de sua trajetória pessoal, linear, e passa a viver uma nova vida no imaginário popular: ele é ou passa a ser o que simboliza perante as massas. Tiradentes é o ‘protomártir da Independência’, a princesa Isabel ficou nos manuais da história do Brasil como ‘a redentora’, Deodoro como ‘o proclamador da República’.
Getúlio Vargas superou o papel de chefe da revolução de 30 ou de ditador para ser recepcionado pela história como o pai da legislação trabalhista, o pai dos pobres e herói nacionalista. Assim foi chorado pelas massas órfãs, ensandecidas, desarvoradas com o choque de seu suicídio. Os símbolos são a argamassa da política.
Voltando: o que Lula representa hoje, além de uma razoável expectativa de poder? No plano simbólico ele nos diz, ditando lição subversiva, que o homem do povo pode chegar à presidência da República sem precisar atravessar a margem do rio onde só se banham os donos do poder; subvertendo a ‘ordem natural das coisas’, ele nos diz que o povo pode pretender escrever sua própria história.
Isto é intolerável em sociedade que, desde sua origem – da oligarquia rural aos rentistas do capitalismo moderno –, se organizou segundo a disjuntiva casa-grande e senzala, células incomunicantes, cujos personagens têm, 'por natural', papéis definidos e próprios que não se podem confundir: de um lado os mandantes, de outro, os mandados, de um lado os senhores de direitos, de outro os portadores de deveres e obrigações. De um lado o capital, de outro o trabalho, seu servidor. A díade imutável de nossa monótona história.
Pela primeira vez na República um trabalhador, operário de macacão e mãos sujas de graxa, se fez líder trabalhista e presidente. Não se trata mais de um quadro da classe dominante operando a mediação entre capital e trabalho, como Getúlio, como Jango conduzindo as massas e dialogando em seu nome com a classe dominante, como um dos seus. Com Lula as massas se expressam, pela vez primeira, sem a intermediação do populismo. E isso não é pouco.
Pela primeira vez os trabalhadores, majoritariamente, se identificam com um partido criado e liderado por um dos seus. Não são mais pingentes de partidos da estrutura clássica que generosamente abrem espaços para a manifestação dos quadros da classe média, que neles podem atuar defendendo os interesses dos dominados: nem é mais o PTB, nem são mais os Arraes ou os Brizolas que falam pelos trabalhadores.
Nem são mais os comunistas do capitão Prestes, ou os intelectuais de esquerda que traíram sua origem de classe para se aliar aos trabalhadores, às grandes massas dos excluídos, aos deserdados da terra, para lembrar Frantz Fanon.
E isso não é pouco.
Nesse mundo dividido entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre centro e periferia, entre mandantes e mandados, não cabe aos de baixo levantar a cabeça, pensar em riqueza e desenvolvimento, senão tão-só assistir aos banquetes dos poderosos e sonhar que sempre lhes sobrarão migalhas. 
Nesse mundo conflagrado, no mundo da recessão, no reino do neoliberalismo, neste país conformado com a injustiça social e praticante das desigualdades, de renda e de toda ordem, a ascensão das massas, a revelação de sua capacidade organizativa e a construção de uma liderança própria constituem, aos olhos da casa-grande, péssimo e perigoso exemplo. Precedente que os donos do poder não querem ver repetido, e para evitá-lo tudo farão. Sem medir meios.
Assim se explica o empenho em que se aplica a oligarquia governante visando a destruir essa liderança que fugiu ao seu controle, no intento de impedir que outras, tão ousadas, lhes sigam as pegadas e o mau exemplo. É preciso, pois, desconstituir a boa memória de seu governo e destruir sua honra.
É preciso destruir o líder e ao mesmo tempo, desestimulando-a, vacinando-a contra ‘aventuras’ futuras, quebrar o ânimo da classe trabalhadora. Nesta tarefa todos estão empenhados, para dizer a essas massas, que Lula não passa de um mito, que seu partido não passa de uma fraude a ser exorcizada, que essa experiência foi na verdade um rotundo fracasso, uma mentira, uma lenda.
A classe trabalhadora, mais uma vez vencida, diz-nos a oligarquia dos proprietários, terminará por aprender uma velha lição: não está em suas posses conduzir as próprias rédeas. Volte, pois, para o chão de fábrica.
Enfim, a reação autoritária pretende ensinar à classe trabalhadora que seu papel é subalterno ao do capital e que ela tem de se conformar em ser caudatária da classe dominante. 
Resta-nos aceitar passivamente a depredação, ou resistir com toda a veemência – e não apenas, claro está, em nome da integridade física e moral do indivíduo Lula; menos ainda para livrá-lo (e seu partido) do julgamento da história a que todas as lideranças políticas devem, ao fim e ao cabo, estar submetidas. Mas para preservar um patrimônio que nos ajudará a atravessar a noite da restauração conservadora, brutal, impiedosa, despida de todo escrúpulo, e já iniciada.

O símbolo é um patrimônio coletivo.