Um amigo, que partilha comigo uma curiosidade sistemática sobre o que se
passa no mundo e a noção de que é necessário tentar aceder ao que está por
detrás do ruído mediático dominante, para podermos perceber melhor o que vai
acontecendo, teve a amabilidade de me chamar a atenção para um texto do teólogo
brasileiro Leonardo Boff. Este expoente cimeiro da teologia da libertação
fala-nos da conjuntura brasileira atual. Se percebermos melhor o que se passa
no país irmão, talvez também consigamos compreender melhor o momento que
vivemos em Portugal e na Europa.
O texto está publicado na página virtual da CTB (Central do Trabalhadores
e Trabalhadoras do Brasil ), tendo como sugestivo título : “O bullying midiático sobre o PT” e sendo
datado de 10 de agosto de 2015.
“Há um
fato inegável que após a reeleição da presidenta Dilma em 2014 irrompeu muita
raiva e até ódio contra o PT e o atual governo. Atesta-o um ex-ministro do
partido da oposição, do PSDB, Bresser Pereira, com estas contundentes palavras:
“Surgiu um
fenômeno que eu nunca tinha visto no Brasil. De repente, vi um ódio coletivo da
classe alta, dos ricos, contra um partido e uma presidente. Não era preocupação
ou medo. Era ódio. Esse ódio decorreu do fato de se ter um governo, pela
primeira vez, que é de centro-esquerda e que se conservou de esquerda. Fez
compromissos, mas não se entregou. Continua defendendo os pobres contra os
ricos. O ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e
clara pelos trabalhadores e pelos pobres”(FSP 01/03/2015).
Este ódio
foi insuflado fortemente pela imprensa comercial do Rio e de São Paulo, por um
canal de TV de alcance nacional e especialmente por uma revista semanal que não
costuma primar pela moral jornalística e, não raro, trabalha diretamente com a
falsificação e a mentira. Esse ódio invadiu as mídias sociais e ganhou também
as ruas. Tal atmosfera envenena perigosamente as relações sociais a ponto de
que já se ouvem vozes que clamam pela volta dos militares, por um golpe ou por
um impeachment.
Tal fato
deve ser lamentado por revelar a baixa intensidade do tipo de democracia que
temos. Sobretudo deve ser interpretado. Nem chorar nem rir, mas tentar
entender.Talvez as palavras do ex-presidente Lula sejam esclarecedoras:
“Eles (as
classes dirigentes conservadoras) não conseguem suportar o fato de que, em 12
anos, um presidente que tem apenas o diploma primário colocou mais estudantes
na universidades do que eles em um século. Que esse presidente colocou três
vezes e meia mais estudantes em escolas técnicas do que eles em 100 anos. Que
levou energia elétrica de graça para 15 milhões de pessoas. Que não deixou eles
privatizarem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os bancos do
Espírito Santo, de Santa Catarina e do Piauí. Que nos últimos 12 anos nós bancarizamos
70 milhões de pessoas, gente que entrou numa agência bancária pela primeira vez
sem ser para pagar uma conta. Acho que isso explica o ódio e a mentira dessas
pessoas. Pobre ir de avião começa a incomodar; fazer faculdade começa
incomodar; tudo que é conquista social incomoda uma elite perversa”(discurso no
sindicato dos bancários do ABC no dia 24 de julho de 2015: Jornal do Brasil
online de 25/07/2015).
Posso
imaginar a enorme dificuldade que possuem as classes proprietárias com seus
poderosos meios de comunicação de aceitar a profunda transformação que surgiu
no país com o advento do PT, vindo de baixo, do seio daqueles que sempre
estiveram à margem e aos quais se negaram direitos e plena cidadania. Como
escreveu acertadamente o economista Ladislau Dowbor da PUC de São Paulo:
”Eles
querem a volta ao passado, a restrição das políticas sociais, a redução das
políticas públicas, o travamento da subida da base da pirâmide que os assusta”.
E acrescenta: “A máquina administrativa herdada foi feita para administrar
privilégios, não para prestar serviços. E os privilegiados a querem de
volta”(Carta Maior, 22/09/2015).
Efetivamente,
o que ocorreu não foi uma simples troca de poder mas a constituição de uma
outra base de poder, popular e republicana que deu centralidade ao social,
fazendo com que o estado, bem ou mal, prestasse serviços públicos, incluindo
cerca de 40 milhões de pessoas, fato de magnitude histórica.
Para
entender o fenômeno do ódio social socorrrem-nos analistas da violência na
história. Recorro especialmente ao pensador francês René Girarad (*1923) que se
conta entre os melhores. Segundo ele, quando na sociedade se acirram os
conflitos, o opositor principal consegue convencer os demais de que o culpado é
tal e tal pessoa ou partido. Todos então se voltam contra ele, fazem-no de bode
expiatório sobre o qual colocam todas as culpas e corrupções (cf. Le bouc
émissaire, 1982). Assim desviam o olhar sobre suas próprias corrupções e,
aliviados, continuar com sua lógica também corrupta.
Ou pode-se
atribuir aos acusadores aquilo que o grande jurista e politólogo alemão Karl
Schmitt (+1986) aplicava a todo um povo. Este para “garantir sua identidade tem
que identificar um inimigo e desqualificá-lo com todo tipo de preconceito e
difamação” (cf.O conceito do político,2003). Ora, esse processo está sendo
sistematicamente feito contra o PT, um verdadeiro bullying coletivo. Com isso
procura-se invalidar as conquistas populares alcançadas e reconduzir ao poder
aqueles que historicamente sempre estigmatizaram o povo como jeca-tatu e ralé e
ocuparam os aparelhos de estado para deles se beneficiar.
Distorce
minha intenção quem pensar que com o que escrevi acima estou defendendo os que
do PT se corromperam. Devem ser julgados e condenados e, por mim, expulsos do
partido.
O avanço
do povo através do PT é precioso demais para que seja anulado. As conquistas
devem continuar e se consolidar. Para isso é urgente desmascarar os interesses
anti-populares, frear o avanço dos conservadores que não respeitam a democracia
e que almejam a volta ao poder mediante algum tipo de golpe.”
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