Mino Carta é um
dos mais representativos jornalistas da revista brasileira CartaCapital. Os
seus textos, independentemente de com eles concordarmos , dão-nos informação
honesta e crível, ajudando-nos a pensar.
Vou transcrever um
artigo seu, publicado hoje (14/08/2015) na página virtual da referida revista.
Ele comenta a atual conjuntura política brasileira. Intitula-se : “A fênix
nativa”; e tem como sub-título: “Se o golpe não convém ressuscite-se a
conciliação”.
É muito
esclarecedor. Ei-lo:
“Com K ou sem K, a palavra caos se oferece a diversas
interpretações. Em 1964, havia quem acreditasse que o
golpe de Estado salvaria a pátria ao sustar o caos no nascedouro. Passados 51 anos,
não falta quem entenda que do golpe nasceria o caos.
Cinquenta e um anos atrás, e mesmo desde agosto de
1961 com a renúncia de Jânio Quadros, a casa-grande deu para sentir-se ameaçada
por Jango Goulart, o vice alçado à Presidência. O mundo era outro, dividido ao
meio entre dois impérios, beligerantes de uma guerra dita fria. Os graúdos
nativos apreciavam a condição de súditos do império do Oeste, o qual padecia,
porém, de uma espinha no flanco, fincada bem ali a 100 quilômetros da Flórida,
Cuba fidelista.
Jango ostentava um
passado buliçoso, a começar pela origem getulista, e a prosseguir pela valente
militância petebista, sem exclusão da perigosa proximidade com o cunhado Leonel
Brizola. Só faltava chamar San Tiago Dantas para a Chancelaria. Implorada pela
casa-grande e seus porta-vozes midiáticos, sustentada por Washington, a intervenção militar
se deu sem derramar uma única, escassa gota de sangue nas calçadas. Falsos
pretextos fazem parte do jogo.
O golpe de 64 é
uma das grandes desgraças brasileiras, a mais recente. Interrompeu um processo
natural que, ao longo dos anos, décadas talvez, demoliria a casa-grande e a
senzala. Sofremos até hoje suas consequências.
Em relação à situação atual, gravemente turvada pelo
descontrole parlamentar, pelo fracasso petista, pelo reacionarismo tucano, pelo
terrorismo da mídia em meio a uma profunda crise econômica provocada tanto pela
fé neoliberal que assola a Terra quanto por erros governistas, a posição de CartaCapital já foi exposta inúmeras
vezes. Entendemos como golpismo
puro qualquer propósito de impeachment
ou de convocação de novas eleições.
Vivemos a enésima versão, revisada e corrigida, da conciliação das elites velhas de guerra, fênix nativa.
Poderia causar estranheza o fato de cidadãos graúdos, federações empresariais, dois jornalões e as próprias Organizações Globo se pronunciarem publicamente contra qualquer tentativa de apear Dilma Rousseff. Se bem entendemos editoriais, manifestos e entrevistas, desta feita a sanha golpista, caso satisfeita, precipitaria o caos, que agora é obrigatório evitar. Mudaram de ideia, e não me queixo. Até ontem os barões da mídia trombeteavam as manobras e, em geral, as manifestações anti-Dilma, e eis que aderem ao senso comum.
Por que, pergunto intrigado aos meus pensativos
botões. Respondem que o mundo também mudou, o maniqueísmo dos anos 60 assumiu
formas e cenários adequados a alterações fatais. Ao observar a conjuntura
mundial, constata-se que o Brasil deixou de ser aquele súdito submisso de Tio
Sam graças à política exterior praticada por Lula, ainda que Dilma tenha
baixado um tanto a bola. Vale também registrar que o velho Sam perdeu muito do
vigor de antanho. E, de resto, o Demônio hoje em dia não é o comunista. Além disso,
as Forças Armadas, conquanto incutam um inextinguível temor como númeno,
deixaram de ser, como fenômeno, um exército de ocupação pronto ao papel de
jagunço da casa-grande.
É o pano de fundo. Na ribalta, a “guerrilheira” Dilma não é Jango, e seu governo
oferta à casa-grande garantias suficientes para pôr em sossego seus inquilinos.
Não é por acaso que o diligente bancário Joaquim Levy lá está para executar a
lição da própria. Por que intervir, se a vivenda dos especuladores e dos
rentistas está em ordem? E, de outro ângulo, por que enfrentar a incógnita do
pós-Dilma, se por ora o governo acuado se dispõe a levar em conta, e se
possível executar, um pacote de providências excogitadas pelo Senado, reduto,
aliás, de numerosos oligarcas?
Melhor assim. Melhor que a tensão diminua e que o pior
seja evitado. Nada impede que paneleiros incapacitados para o exercício do
espírito crítico, e mesmo para a consciência da cidadania, renovem no domingo
16 seu protesto insensato. Pouco importa, prevalecerá a tendência desenhada
pelos graúdos, tão escassamente preocupados com a fragilidade da democracia
verde-amarela, mas sobremaneira com sua própria paz espiritual e material.
Na circunstância, melhor assim, repito. Nem por isso
perco a oportunidade de assinalar: casa-grande e senzala continuam de pé.
Vivemos a enésima versão, revisada e corrigida, da conciliação das elites
velhas de guerra, fênix nativa. Percebo que neste momento mexe as asas debaixo
das cinzas.”
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