Datado do passado dia 26 de
agosto, foi publicado na página virtual da CartaCapital um texto que merece ser
lido e meditado, da autoria do colunista
Marcos Coimbra, o qual é sociólogo, presidente do Instituto Vox Populi e também
colunista do Correio Braziliense. Ele compara a campanha atual contra Dilma (2015)
da que foi feito contra Fernando Henrique Cardoso [FHC] (1999), quando era ele
o Presidente da República.
O texto intitula-se Do “Fora FHC” ao “Fora Dilma”, procurando
mostrar “as semelhanças entre os apelos de 1999 e as
manifestações recentes” e
lembrando que “as marchas são
legítimas, mas claramente partidárias. E assim devem ser tratadas”.
“O governo está mudo, incapaz de formular e
transmitir sua narrativa dos acontecimentos no País, de como chegamos aonde
estamos e para onde vamos. Não tem um discurso a respeito do que faz, do porquê
e o que almeja. Limita-se a reagir de forma espasmódica e pouco criativa às
pressões recebidas.
Pede a todos, ricos e pobres, simpatizantes e
adversários, concordância com a necessidade de um “ajuste”. Parece no fundo
querer um cheque em branco, pois não explica aos cidadãos os motivos que o
exigem, não esclarece quais sacrifícios serão necessários e não fixa um
horizonte.
Da oposição raramente se ouve
algo que preste. Ela não expõe ideia, projeto ou proposta ao debate nacional.
Seus líderes, embora cheios de cabelos brancos, agem tal qual meninos radicais.
Fazem o mesmo que criticavam em seus velhos inimigos, os petistas contra quem
brigaram em seus tempos de governo.
A gratuita sugestão de Fernando Henrique Cardoso a Dilma Rousseff, a
renúncia, é um exemplo perfeito dessa irresponsabilidade. A menos que se
trate de uma reles vingança de quem teve de ouvir apelo idêntico.
Em 1999, em meio à crise instaurada no início de seu
segundo mandato, o tucano ouviu do petista Tarso Genro a sugestão de deixar a
Presidência e convocar novas eleições. Genro baseava-se na “fraude eleitoral”
cometida por FHC durante a campanha, quando prometera fazer o inverso do que
fazia, e no fato de ele ter perdido condições morais de governar, depois do
“escândalo da privatização”.
Enquanto os principais nomes da oposição se apequenam,
os pequenos ficam menores. Ora nos brindam com declarações de um reacionarismo
truculento, ora posam de ingênuos e fingem espanto diante das revelações a
respeito da maneira como se financia, desde sempre, a política no Brasil. Terão
se esquecido de que a eleição de praticamente todos foi custeada por meio do
mesmo mecanismo?
O que se ouve e se lê na mídia é quase sempre de
chorar. Às vezes por ignorância, na maioria dos casos por opção ideológica,
oferece-se à opinião pública uma interpretação equivocada de nossa vida
política. Em regra, a função dessa “leitura da realidade” é legitimar o
discurso da oposição. Isso ficou claro no tratamento dado pela dobradinha
mídia/oposição às manifestações antigoverno.
Centraram a discussão na dimensão quantitativa:
relevante era o número de participantes. A oposição fixou-se na quantidade
tanto quanto os meios de comunicação. Como se os manifestantes diferissem
daqueles que permaneceram em casa apenas por seu ativismo e os brasileiros
fossem uma massa homogênea, o que faria de quem protestava a amostra perfeita
de todos.
Diante dessa hipótese inverossímil, a reação do
governo e seus simpatizantes foi negá-la. À argumentação das quantidades,
proposta pela oposição e pela mídia, fez-se a contraposição da sociologia dos
manifestantes. As mesmas fotos que atestariam o “tamanho” dos eventos
evidenciariam sua composição atípica. Ao contrário de expressar o Brasil,
seriam exclusivas da classe média branca das metrópoles.
As duas teses são verdadeiras: os protestos foram
“grandes” e de fato seus participantes não eram sociologicamente
representativos do conjunto do País. Mas nenhuma delas centra-se no aspecto
mais significativo do fenômeno.
Pela segunda vez temos um presidente no início do
segundo mandato a enfrentar graves problemas. Pela segunda vez a popularidade
presidencial despenca e fica em idênticos 8% de avaliação positiva em agosto do
primeiro ano pós-reeleição. Antes de Dilma Rousseff, também Fernando Henrique ouviu
“apelos” para renunciar e viu seus oponentes moverem-se para conseguir seu impeachment.
Pela segunda vez, estimulada por clima parecido, a
oposição convoca protestos populares. O “Fora FHC” de 1999 chegou a colocar
cerca de 200 mil manifestantes nas ruas de Brasília e, muito provavelmente,
seus organizadores teriam enchido a Avenida Paulista se assim o
desejassem.
Qual a diferença em relação a hoje? Em 1999, o establishment
foi hábil ao pespegar a etiqueta de “coisa de petista” no “Fora FHC”, o que
impediu que ele fosse interpretado como uma manifestação do conjunto da
sociedade. Agora, os mesmos personagens propalam a tese inversa e querem tornar
“dos brasileiros” um movimento específico de uma porção, não majoritária, do
País.
Desde o domingo 16 veio a público uma única pesquisa
com manifestantes que continha a pergunta fundamental, a respeito do voto em
2014. Foi de responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais e
realizada em Belo Horizonte. Entre os entrevistados nas
ruas da cidade, 79% votaram em Aécio Neves e 11%
anularam ou deixaram em branco o voto. A se considerar os dados de pesquisas
semelhantes conduzidas ao longo do primeiro semestre, o quadro em outros locais
não terá sido muito diferente.
A discussão relevante não é se os manifestantes foram
muitos ou poucos. Ou se foram típicos ou não da sociedade. O mais importante:
estavam nas ruas, quase exclusivamente, eleitores do PSDB.
Problema? Obviamente não, pois esses cidadãos têm todo
direito de se mostrar tristes com o resultado da última eleição. O que não
justifica esconder da opinião pública o fato de serem eles a ocupar as ruas.
No modo como a dupla mídia/oposição apresentou e
discutiu as manifestações ficou escondida sua característica mais importante. E
o governo, em sua mudez, não teve argumentos para rebater a fábula. O Fora FHC
foi “coisa de petista”? Certamente. Falta é dar nome às atuais manifestações.
Quem sabe não poderiam ser consideradas um “tucanaço”?”