Na página virtual da revista
brasileira CartaCapital, uma das raras vozes audíveis da comunicação social que no Brasil não alinha
no fanatismo reaccionário que visa a presidente Dilma Roussef, Lula e o PT,
numa deplorável táctica golpista que desonra partidos e políticos que já
tiveram outros horizontes, encontrei um límpido texto de Roberto Amaral que vou
transcrever. Já não é o primeiro texto que aqui publico deste reputado político
brasileiro, que abandonou a presidência do Partido Socialista Brasileiro, quando
nas últimas eleições presidenciais este decidiu apoiar na segunda volta Aécio
contra Dilma.
“ Para vencer o golpismo”- é o título do referido texto. Sem
ambiguidades, com clareza e simplicidade, dá-nos um panorama esclarecedor sobre
o que se passa atualmente no Brasil. Merece ser lido com atenção.
Para vencer o golpismo
por Roberto Amaral
“O Brasil não é
uma republiqueta, e aqui não se repetirão os bem sucedidos ensaios do Paraguai
e de Honduras. Nem outros, porque a sociedade também não mais aceitará a quebra
da legalidade reconquistada após mais de 20 anos de ditadura militar. Muitas de
suas cicatrizes ainda estão vivas, outras coçando para nos lembrar do que não
poderemos jamais esquecer.
É o que não entendem as novas vivandeiras, felizmente
ainda sem tropas para cortejar. Tampouco Aécio é Carlos Lacerda, em comum
apenas o desapreço ao jogo democrático. E os muitos desvios de caráter. Também
não surpreende a nova postura de FHC: antes dele, muitos homens públicos
envelheceram sem sabedoria. É mesmo muito difícil sobrevier à propria
biografia.
Eduardo Cunha é um Severino urbano, mais articulado, e
com as mesmas raízes no atraso, a que se somam seus negócios com a ala
mercenária do pentecostalismo. E por isso mesmo incontrolavelmente audacioso e
na mesma medida perigoso. Renan Calheiros é o último vagido do latifúndio
canavieiro do Nordeste. Mas todos estão na ativa. Um presidente da Câmara dos
deputados, outro presidente do Senado Federal e do Congresso. Todos na linha
constitucional da sucessão presidencial.
Há no país uma coorte assumidamente golpista reunindo
imprensa – o maior partido da oposição –, setores ponderáveis da avenida Paulista
e partidos políticos. Esta é, oficialmente, a postura do PSDB, açulado pela
oscilação macunaímica [com o perdão a Mario de Andrade] de um PMDB que, não
sabendo se é governo ou oposição, joga maliciosamente nas duas pontas contra a
Presidente.
Mas esse PMDB, artífice da chantagem, é o maior
partido da base do governo, que dele depende para governar! Desse PMDB é
vice-presidente da República e articulador politico do governo o Sr. Michel
Temer, que, em convescote em Nova Iorque anuncia, para aplauso dos presentes,
que ‘manteria o Levy no Ministério’. Em quais circunstâncias isso seria
possível?
De um lado, portanto, está um PMDB poderoso e
inconfiável. De outro, um PSDB ensandecido pela paixão golpista. Uma união
diabólica. Girando como pião entre uma força e outra, uma base parlamentar
flébil, acuada, e um PT que do velho e aguerrido Partido dos Trabalhadores de
anos passados guarda só a sigla.
Nessas circunstâncias movem-se as peças de um
oposicionismo canhestro propelido pela irracionalidade da inveja, pelo despeito
que alimenta o ódio hepático. Esse filme o Brasil conhece e repudia: já o viu
em 1954 e em 1964 e sabe qual foi o preço pago pela democracia em ambas as
oportunidades. Rejeitamos sua reprise masterizada.
O golpismo se desenvolve em cascata: o primeiro passo
foi a recusa em reconhecer o pleito e sua lisura e a tentativa de ‘recontagem’,
insinuação de fraude eleitoral; depois as ridículas tratativas visando a
impedir a posse, depois os reiterados ensaios de impeachment (ora
por motivação política, ora judicial, ora por isso e ora por aquilo, e sempre
sem fundamentação ética ou legal); depois, promessa de ‘sangrar a presidente’,
inviabilizando seu governo, ainda que isso cobre preço altíssimo à economia
nacional e à vida de nosso povo. A tentativa é asfixiar o governo para
vê-lo irremediavelmente sem fôlego.
Essa gente não leva em conta as consequências para a
economia do país. Aí entra em cena a felonia do PMDB, que escala os presidentes
da Câmara dos Deputados (este na expectativa de ser processado por crime comum
[extosão] pelo STF) e do Senado Federal, de biografias conhecidas, para o
ofício da sabotagem. São eles os verdadeiros líderes da oposição, juncando de
trambolhos o governo da presidente Dilma, no afã de jogá-la e seu partido
contra a população.
Na verdade, não se trata do salutar exercício da
oposição – sem a qual não existe democracia digna do nome –, mas da tentativa
de exterminar politicamente a presidente e seu partido, tentativa que em si
mesma nega e repele o processo democrático. O leitmotif dessa oposição desvairada
deixa de ser a crítica pontual ou em tese ao governo. Em seu lugar se instala a
lógica do ódio que gera ódio, o mais eficaz fermento da intolerância que gera a
violência, que descamba da ofensa verbal para a agressão física.
Este é um labor mesquinho, quando todos deveríamos
estar unificados na busca de saída para a crise. Esta é a hora de buscar
compromissos honrosos, é o momento de abandonar a mesquinhez da luta pequena
que empobrece a política e passara pensar no país.
Que tempestades espera a oposição colher com os ventos
que ora sopra?
A análise só se justifica como instrumento de
ação. Se a tentativa de golpe está posta, que se erga a defesa do governo.
Sem lamentar a oposição, mas, denunciando seus arreganhos golpistas, cuidar de
sair do imobilismo em que se acham a centro-esquerda e os liberais. O momento,
portanto, não permite nem a contemplação inativa nem a autocomiseração
(“estamos no volume morto!” “temos que ser punidos pelas besteiras que
fizemos!”).
Essas duas alternativas, se escolhidas por nós,
favorecem o conservadorismo. Há uma terceira que igualmente nos enfraquece, a
da automistificação (“O petismo no poder foi revolucionário, emancipou as
massas e alijou do poder as classes dominantes!”). O primeiro passo, agora, é
distinguir o fundamental do acessório. E o fundamental me parece ser, nas
atuais circunstâncias, a sustentação do governo Dilma, até para poder
alterar-lhe a equivocada política econômica. A pura crítica nossa só interessa,
neste momento, aos setores golpistas.
Mas o governo tem que ajudar: ele precisa definir de
que lado está. A presidente Dilma Rousseff precisa se convencer de que: 1) O
Brasil não vive um 'pacto de classes': um esboço desse pacto, encarado
taticamente pela burguesia, foi feito no governo Lula, pois o projeto tucano
havia se esfacelado;
2) Fortalecida, a direita já fez sua opção, e ela é,
neste primeiro momento, Aécio Neves, candidato ‘consagrado’ em uma campanha que
para ela não acabou nem acabará antes de seu triunfo, independentemente do
preço a pagar; 3) Logo, só é possível ocupar o espaço da centro-esquerda,
deixado vago, em parte, pelo próprio governo petista, com sua tática de
conciliação permanente.
Isso implica definir uma agenda progressista mínima e
buscar implementá-la na medida que as circunstâncias permitirem. Contrário
senso, limitar as concessões à direita ao mínimo indispensável para sobreviver.
Ou seja, procurar só fazer recuos que permitam avançar. Se necessário, dois
passos à frente e um atrás, jamais o contrário. “