domingo, 29 de junho de 2014

O PAPA, os comunistas e os pobres

Li na comunicação social: “ O papa Francisco considera que os comunistas roubaram à Igreja Católica a causa ou "a bandeira dos pobres" que, no seu entender, "é cristã", uma vez que se encontra no centro do Evangelho há vinte séculos.” E ainda: "Os comunistas roubaram-nos a bandeira. A bandeira dos pobres é cristã [...]. Os comunistas dizem que tudo isto [a pobreza] é algo comunista. Sim, claro, como não? Mas vinte séculos depois [da escritura do Evangelho]. Quando eles falam nós poderíamos dizer-lhes: pois sim, sois cristãos", afirmou o sumo pontífice.”

Sábias palavras que merecem reflexão.

Em primeiro lugar, há que dizê-lo, é injusto imputar tão virtuoso roubo apenas aos comunistas. Mencione-se em tão honroso rol , também, a presença dos socialistas. Sem excluir aliás a presença de quaisquer outras esquerdas, pelo menos daquelas que se radiquem numa recusa clara  de qualquer modelo de sociedade em que o bem-estar de alguns é construído à custa da pobreza de muitos.

Em segundo lugar, é um dado objetivo verificável que os vinte séculos que durou o desfraldar da bandeira dos pobres pela Igreja não foram suficientes para acabar com  a pobreza. O que torna legítimo recear-se que o modo como a Igreja combateu a pobreza durante vinte séculos seja insuficiente para acabar com ela. Ora, como a pobreza é a desgraça dos seres humanos que são pobres, não é aceitável que nos conformemos com a inevitabilidade dessa insuficiência histórica que tão drasticamente tem atingido milhões e milhões de criaturas humanas ao longo da história. Algo se tem que somar à Igreja.

Em terceiro lugar, registo que o Papa não diz que os comunistas vieram partilhar com a Igreja a bandeira dos pobres. Acha que lha roubaram. Assim, diz que verdadeiramente no seu todo a Igreja já não leva  essa bandeira. É uma autocrítica subliminar, mas justa; uma vez que, sendo injusto menosprezar o apoio a muitos e muitos  pobres que as instituições da Igreja  têm dado ao longo dos séculos, também o seria esquecer a cumplicidade das instituições católicas com o sistema económico-social atualmente dominante, o qual é uma das mais duradouras máquinas de gerar pobres da história da humanidade. Pode dizer-se que, pelo menos aos cultores da teologia da libertação, não pode imputar-se esse pecado. Concordo, sublinhando como  é pequena a sua dimensão, no quadro do grande oceano da vida institucional da Igreja ao longo dos últimos séculos.

Em quarto lugar, em simetria com aquilo que o Papa afirma, se pensarmos na Europa, poderíamos dizer que tal como o Papa acha que os comunistas roubaram à Igreja a causa da luta contra a pobreza, os factos autorizam-nos a que achemos que  os democratas –cristãos europeus do Partido Popular Europeu roubaram aos liberais  e conservadores a bandeira da defesa dos interesses dos ricos.  E, ao longo do último século, a própria Igreja Católica Romana defendeu mais os interesses dos ricos do que os dos pobres, embora, depois de consentir que os pobres  se multiplicassem, não se tenha desinteressado da sua sorte.

Se o Papa conseguir retirar a Igreja institucional da sua proximidade insalubre com a lógica dos ricos e dos poderosos do mundo, se a distanciar realmente da sombra decadente das direitas europeias, se seguir o caminho aberto pelos cristãos que  individualmente que se têm  vindo a integrar nas esquerdas solidárias e sociais, tornará mais forte o cerco às causas da  pobreza  e mais humana , fraterna  e eficaz  a solidariedade para com os pobres. Poderá assim voltar a partilhar realmente, sem reservas em todos os aspetos, a bandeira da luta pelo fim da pobreza, a solidariedade completa para com os pobres.

2 comentários:

Válter Silva Pereira disse...

Os europeus estão, sem qualquer margem para dúvidas, divorciados da elites que os governam. O povo não acredita nos seus políticos, e com razão! Quem chega ao poder facilmente esquece a doutrina partidária, esquece a ideologia e segue o caminho da facilidade, da vantagem económica, da demagogia. Espero que este papado inaugure uma nova era dentro da igreja, um regresso às origens, um volver ao "ama o próximo como a ti mesmo" na sua prática pastoral. Afinal a Igreja não é um partido político, logo deve colocar-se fora de tal contexto, deve falar pouco e ser consequente com o evangelho que proclama. Só isso !... E não é pouco...

Anónimo disse...

=As Igrejas não nascem por geração espontânea=
Afinal. o Papa é um ser humano como qualquer um para puxar a brasa à sua Sardinha. Ele não está isento do erro.
Li o livro "O Nome da Rosa" de Umberto Eco. Lembro agora mesmo que o nosso Marquês de Pombal não vacilou perante a terrível situação que vivia o país.
A História está cheia de processos sobre a Igreja Católica
Bem, que dizer sobre o Bispo Francisco, e se em dois mil anos a igreja não fez mais do que isto que vemos...É de perguntar como um certo Bispo do Funchal...Para que servirá a igreja se amanha não houver pobres?
A não ser que continuemos como antes...Benzei os Mata-Mouros, ou, como agora nas terras dos santos de todos os credos menos um
Assino por baixo
de o "Catraio" respeitosanente