domingo, 1 de junho de 2014

Partido Socialista – sair do seu labirinto.



 1.O PS atravessa um período conturbado, com o acentuar da sua conflitualidade interna. A conflitualidade não é, em si própria, e necessariamente um mal. Mas esta, por enquanto, parece sê-lo, por se travar em torno da liderança do partido a partir das alegadas qualidades de duas pessoas e não entre duas orientações políticas separadas por aspetos estratégicos relevantes, ainda que encabeçadas naturalmente por pessoas.
Se estivessem em causa  duas visões distintas, cada uma delas se podia aperfeiçoar  no decorrer da controvérsia, agilizando as hipóteses de diálogo entre ambas e potenciando a qualidade de uma possível síntese final. As repercussões externas podiam até ser positivas, pelo relevo do que estaria necessariamente em causa. Predominantemente, não é isso que acontece com a querela atual. O que é mais visível é a tentativa de apoucamento de  cada parte relativamente à outra.
Cientes disso, mas compreendendo que desencadeada uma infeliz refrega ela haverá que percorrer um curso antes de ter um fim, os socialistas podem, no entanto, conter danos, apurar espaços de convergência no próprio calor da refrega e agir com a argúcia de quem não esquece que cada uma das partes precisa da outra para levar a bom termo os objetivos que visa.
Não se trata de um combate entre inimigos, mas de uma discordância entre parceiros de um mesmo combate. É legítimo que cada um faça valer sem tergiversações os seus argumentos, sem que com isso tente destruir o outro lado. Se e quando o fizer estará também a destruir-se a si próprio. Se é dramático que dentro da esquerda se combata por vezes como entre inimigos, muito mais dramático é que isso ocorra entre os militantes de um mesmo partido.
2. Dito isto, devo começar por dizer que não apoiei Seguro quando ele foi eleito e que até ontem não tinha ainda decidido se o apoiaria ou não num possível confronto com Costa, num futuro próximo. Depois do que aconteceu ontem, depois daquilo de que me apercebi quanto às suas propostas, é maior a probabilidade de o vir a apoiar.
De facto, entre as propostas que hoje fez na Comissão Nacional, incluem-se algumas pelas quais eu e muitos  outros socialistas nos batemos dentro do PS, há pelo menos dez anos, como é o caso das eleições primárias para escolha dos candidatos do PS a órgãos políticos e a adoção de medidas que contribuam para separar com clareza dentro do PS a política dos negócios.
Se os caminhos em causa forem adequadamente percorridos e os outros também propostos  forem calibrados com equilíbrio, quando forem concretizados, chegaremos a um novo patamar de qualidade na vida interna do PS e a uma apreciável melhoria do sistema político.
De facto, o panorama político europeu, bem como o português, depois das recentes eleições europeias , parece indicar  que, mais do que uma crise programática do partido socialista europeu, estamos perante um nível de confiança baixo, no que diz respeito ao modo como os partidos dessa área exercem, delimitam e orientam a sua intervenção política na sociedade, ao modo como se relacionam com ela.
Medidas como aquelas que foram propostas por Seguro  visam o cerne da problemática em causa. Virtuosas no plano da qualificação do sistema político, representam uma reviravolta profunda na vida interna do partido, indo na direção do que era um sentimento continuado de incomodidade por parte de muitos militantes, pela sua marginalização na designação dos candidatos  e um apego excessivo ao status quo por parte do chamado aparelho. A conjugação destes dois planos tem todas as condições para funcionar como um poderoso tónico eleitoral, nada impedindo que lhes sejam acrescentados outros fatores de fortalecimento eleitoral  e político do partido.
Por isso, penso que é muito mais benéfico para o PS, quer politicamente, quer no mero plano eleitoral, assumir e pôr em prática as mudanças referidas, do que uma mudança de líder que deixasse tudo na mesma nos planos em causa. Para mais, as propostas feitas por Seguro implicam a possibilidade de uma disputa eleitoral para escolher quem será o próximo candidato do PS a primeiro-ministro, podendo Costa, se assim o quiser, ser um dos concorrentes. E atendendo a que Costa está convencido de que dispõe de uma aceitação dentro do eleitorado do PS muito superior à de Seguro, ele só tem a ganhar com a nova maneira de designar o candidato do PS a primeiro-ministro. Por outro lado, numa disputa dessa amplitude, seja qual for o vencedor, o que podemos ter por certo é que ele ficará eleitoralmente muito mais robusto do que se a designação não passar por eleições primárias abertas.
Dir-se-á que pode gerar-se uma situação embaraçosa para um Secretário-Geral, se, concorrendo contra outro candidato, perder essa competição. Numa situação dessas, seria compreensível que se demitisse, mas uma coisa é demitir-se porque numa consulta, tendo-se pronunciado centenas de milhares de cidadãos, foi vencido; outra coisa, é demitir-se porque um seu concorrente acha que pode fazer melhor e há umas centenas de militantes que acham o mesmo. Por outro lado, a verificar-se esse tipo de resultado, pode até dar-se o caso de que, por acordo entre o SG em funções e o pré-candidato hipoteticamente vencedor, se entenda que durante um certo tempo possa manter-se em funções o SG vencido na disputa da candidatura a primeiro-ministro.
 São conhecidas noutros países situações paralelas. Não está aqui em causa nenhuma bicefalia, mas quando muito uma complementaridade que sempre dependeria nessa hipótese de uma conjugação de vontades de dois protagonistas. Uma complementaridade mais ou menos transitória consoante fosse a vontade conjugada de ambos. Pelo que conheço de uma metodologia idêntica já seguida em Itália pelo Partido Democrático, que, como se sabe, pertence ao Partido Socialista Europeu desde há pouco e integra desde a sua fundação  o grupo parlamentar do PE, onde estão os socialistas, após a escolha feita  as crispações internas no partido diminuíram e a força eleitoral aumentou. Recorde-se que nas recentes eleições europeias o PD na Itália passou a barreira dos 40%.
Seja como for, o importante é fixar a regra da escolha dos candidatos do PS a todas as eleições através de primárias abertas a simpatizantes , abertas ao eleitorado socialista habitual. Na regulação dessa via haverá que agir com rigor e equilíbrio, sendo certo que nos últimos anos se têm multiplicado experiências destas  em partidos irmãos de vários países. Esse mesmo rigor e essa mesma cautela devem ser usados para instituir as regras e os mecanismos tendentes a separar a política e os negócios dentro do PS ou a partir dele, bem como para se regularem com verdadeira transparência e equidade democráticas, quer as primárias abertas, quer quaisquer eleições internas realizadas no PS.
3. Fui apanhado de surpresa pela posição assumida por Seguro. Foi uma surpresa positiva. Mas também me surpreendeu a posição assumida por Costa e alguns dos seus apoiantes, uma vez que, se estão realmente convencidos de que dispõem de uma vantagem na popularidade, tanto maior quanto mais se alarga o universo dos consultados, só têm a ganhar com este tipo de legitimação através de primárias abertas. Realmente, um candidato a primeiro-ministro instituído pela vontade conjugada de centenas de milhares de eleitores socialistas, seja ele qual for, sairá desse processo amplamente reforçado.
 Ao conjugar esse tipo de escolha do candidato a primeiro-ministro com um processo idêntico de escolha dos candidatos a deputados, o PS apresentar-se-á nas próximas eleições como uma dinâmica coletiva de dezenas de milhares de vontades, o que se traduzirá inevitavelmente num poderoso impulso eleitoral. Um impulso que não retira importância aos principais aspetos programáticos, à questão das alianças ou a algumas vias de intervenção social novas que são necessárias, mas que será um fator de enorme relevo na atual conjuntura.
Pode compreender-se o excesso de emoção posto em diversas posições de alguns camaradas nossos, mas é bom ter-se presente que o caminho em causa beneficiará muito o partido seja qual for o candidato a primeiro-ministro, tornando-o mais forte. E muitas vezes os resultados objetivos de uma escolha política transcendem em muito as motivações subjetivas de quem escolheu.
4. E  sendo este, na minha opinião, o cerne da questão política que está em cima da mesa, não podemos esquecer também que o respeito pelos Estatutos é uma condição sine qua non para o funcionamento normal de um partido, quiçá para a sua sobrevivência. Pelo que não é possível ignorar os Estatutos do PS, especialmente quanto às competências principais dos seus órgãos nacionais, quanto ao modo como são eleitos e podem ser demitidos. Ora, sem pretender aqui a analisar em profundidade as implicações estatutárias das posições em confronto, há algumas coisas simples, mas básicas, que vale e pena reter.
Primeiro, desde que o Secretário-Geral é eleito diretamente pelos militantes,  é estruturalmente impossível que seja demitido por qualquer dos órgãos do partido, sendo essa a razão pela qual nenhum órgão nacional (nem o próprio Congresso) tem entre as suas competências o poder de demitir o Secretário-Geral. Só este por decisão pessoal e livre pode resolver demitir-se.
Segundo, os Congressos Extraordinários não são eletivos, pelo que a capacidade eleitoral ativa dos Congressos quanto a órgãos nacionais, que lhes é atribuída estatutariamente, não pode ser exercida no caso de um Congresso Nacional ser extraordinário.
Terceiro, o SG, a Comissão Nacional ou um certo número de Federações podem suscitar a marcação de um Congresso Nacional Extraordinário, mas não podem atribuir-lhe poderes que lhe não estejam previamente atribuídos pelos estatutos.

5. A conjugação do contexto estatutário com as considerações acima feitas apontam claramente no sentido de se concretizarem os pressupostos normativos, práticos e institucionais para materialização das propostas feitas por Seguro, nomeadamente, a das primárias abertas. Desse modo, pode rapidamente legitimar-se o candidato do PS a primeiro-ministro, abrindo-se  assim uma porta para uma vitória eleitoral de um PS bem mais enraizado no seu próprio eleitorado, menos crispado internamente e mais resistente à propaganda de descredibilização dos partidos que tem vindo a contaminar a opinião pública em Portugal..

11 comentários:

Carlos Esperança disse...

Para quem se encontra no mesmo espaço político, sem qualquer vínculo partidário, é agradável ponderar as ideias dos militantes capazes de as formularem.

Pinho Marques disse...

Penso que líder que tem medo dos seus militantes jamais será um lider
Digo com muita magua as minhas rsizes são dessa área

JGama disse...

O Rui sugere aqui um exame ponderado e rigoroso da situação. Ponderação e rigor devem alargar-se a todos os debates do PS, a começar pelos dois intervenientes principais. António José Seguro evidenciou crispação a mais, atitude que não o beneficia. Se o processo não decorrer com mais serenidade, prejudicará o PS e, em consequência, as alternativas democráticas para a resolução política da situação.

Anónimo disse...

1ºNão se pode vociferar contra o fechamento dos partidos, contra a presença esmagadora do chamado aparelho e considerar que propor o alargamento do universo de quem é chamado a decidir é ter medo dos militantes.
2º A serenidade e a convivialidade como atmosferas saudáveis para os partidos, especialmente para um partido socialista, são qualidades a conquistar. Sem dúvida. Mas se a crispação é um desvio ao que é desejável, muito mais o são a duplicidade e a traição. Tudo isso deve desaparecer do quotidiano da vida partidária. Mas devemos ter a noção que dizer isto é muito mais fácil do que consegui-lo.

Rui Namorado

Anónimo disse...

No PS existirá limites como em qualquer PARTIDO socialista europeu, o que não se pode é ultrapassa-los como agora.
A ambição pelo poder pode ser legitimada, mas desta forma...é devaneio!
Considero os dois titulares, sim mas poderá existir um terceiro para desempate..!
Porque estreitar o âmbito do Parlamento é reducionista r qualquer dos dois o pretendem.
Não votarei neles!
Quanto ao aparelho que vive como se fosse um partido Leninista é um paradoxo a sua existência
De o "Catraio" com respeito

Anónimo disse...

Na questão do estreitamento do parlamento também não concordo. Mas , salvo erro, neste caso estão em cima da mesa hipóteses diversas, no quadro de um respsito pela proporcionalidade que julgo não estar em causa. Pelo que, a ser assim, a diminuição do número de deputados não deverá ter uma dimensão relevante.

Rui Namorado

Martinho Marques disse...

Descer à Terra, por uma vez, e auscultar o que pensa a franja enormemente suficiente dos que fazem, ou têm feito até aqui, pender a balança eleitoral. Há os que são PS ou do PSD como se fossem do Benfica; até contrariados votam sempre no mesmo partido. Aí, o PS julgo que tem mais adeptos… Depois há os tais "muitos", que oscilam em cada eleição de acordo com a "qualidade" da governação cessante e as promessas do futuro ou as simpatias e antipatias várias que o candidato principal do partido. O que eu OUÇO é: o Seguro é simpático mas com ele não vamos lá… Os que agora votaram Marinho e Pinto - como já votaram PRD ou BE - os que votaram PC (tenho-os na Família) os que se abstiveram com um encolher de ombros descrente, traduzem a faixa que daria a maioria confortável ao PS. O que ouço é que o Seguro não traz nada de novo… Auscultem!

Martinho Marques disse...

Descer à Terra, por uma vez, e auscultar o que pensa a franja enormemente suficiente dos que fazem, ou têm feito até aqui, pender a balança eleitoral. Há os que são PS ou do PSD como se fossem do Benfica; até contrariados votam sempre no mesmo partido. Aí, o PS julgo que tem mais adeptos… Depois há os tais "muitos", que oscilam em cada eleição de acordo com a "qualidade" da governação cessante e as promessas do futuro ou as simpatias e antipatias várias que o candidato principal do partido. O que eu OUÇO é: o Seguro é simpático mas com ele não vamos lá… Os que agora votaram Marinho e Pinto - como já votaram PRD ou BE - os que votaram PC (tenho-os na Família) os que se abstiveram com um encolher de ombros descrente, traduzem a faixa que daria a maioria confortável ao PS. O que ouço é que o Seguro não traz nada de novo… Auscultem!

Anónimo disse...

Tenho a sensação que José Seguro que pouco ou nada fez durante os governos Socialistas, (veja-se o último de Sócrates) 2Á espera de um lugar ao sol" tornou-se LIDER POR FORÇA DO "APARELHO", UM PARADOXO NOS TEMPOS ACTUAIS.
Costa DESPENSOU OS COMUNISTAS NA CML E GANHOU ABSOLUTAMENTE.
devo DIZER QUE O partido SOCIALISTA TEM MAIS HOMENS E MULHERES COM CURRICULOS POLÍTICOS E SOCIAIS MAIS AVANÇADOS.
o QUE OIÇO É QUE NÃO BASTA SORRIR E SER SIMPATICO NA IMODESTIA.
É ao PS , TODO ELE, QUE DEVE ESCOLHER O SEU LIDER SEM VERGONHA DAS CÚPULAS.
Para hoje ou para amanhã os estatutos não estão conforme o programa, alguém terá de ver isso- a Comissão politica, a comissão nacional a secretaria geral ou até o aparelho convexo.
A competência do candidato deve contar primeiro, a vontade de servir e só depois algum interesse pessoal.
Ora, estamos próximos de eleições legislativas e é ao Partido todo ele que deve avançar e não um qualquer que seja.
De o "Catraio" respeitosamente


Anónimo disse...

Tenho a sensação que José Seguro que pouco ou nada fez durante os governos Socialistas, (veja-se o último de Sócrates) 2Á espera de um lugar ao sol" tornou-se LIDER POR FORÇA DO "APARELHO", UM PARADOXO NOS TEMPOS ACTUAIS.
Costa DESPENSOU OS COMUNISTAS NA CML E GANHOU ABSOLUTAMENTE.
devo DIZER QUE O partido SOCIALISTA TEM MAIS HOMENS E MULHERES COM CURRICULOS POLÍTICOS E SOCIAIS MAIS AVANÇADOS.
o QUE OIÇO É QUE NÃO BASTA SORRIR E SER SIMPATICO NA IMODESTIA.
É ao PS , TODO ELE, QUE DEVE ESCOLHER O SEU LIDER SEM VERGONHA DAS CÚPULAS.
Para hoje ou para amanhã os estatutos não estão conforme o programa, alguém terá de ver isso- a Comissão politica, a comissão nacional a secretaria geral ou até o aparelho convexo.
A competência do candidato deve contar primeiro, a vontade de servir e só depois algum interesse pessoal.
Ora, estamos próximos de eleições legislativas e é ao Partido todo ele que deve avançar e não um qualquer que seja.
De o "Catraio" respeitosamente


Anónimo disse...

Espero que não haja redução nr deputados.
Mas se por desventura acontecer...sei lá o que vai na alma dos deputados... nunca se sabe o que pode acontecer...Que será feito á proporcionalidade?
Continuo a pensar que cabe ao Partido Socialista a grande tarefa de esclarecer o povo...Mas desta forma e com estes candidatos mais aparelho me parece duvidoso.
é a tal teoria do "um em dois"
ou a da "revolução permanente" mas em períodos menos latos. Nem Trotsky...
de "O Catraio" respeitosamente