sábado, 10 de julho de 2010

Coelho sim, mas de Vasconcelos


Os Filipes só estenderam sobre nós o manto de Castela, roubando-nos a primavera durante longos sessenta anos, porque alguns portugueses com poderes e riqueza se acolheram como tapetes de indignidade à sua sombra.

Outros se levantaram, contudo, em 1 de Dezembro de 1640, abrindo de novo as portas do vento. E os portugueses isolados no canto da Europa, cercados pelo império desse tempo, pagaram pela sua independência o alto preço de uma guerra que durou vinte e oito anos. Na medida em que viram reconhecida a sua independência, venceram-na.

No lado negro da história portuguesa, um nome sobreviveu desde então como eco de todas as traições: Miguel de Vasconcelos. Há mais de trezentos anos que, uma e outra vez, um dia após outro, muitos portugueses o arremessam das varandas das suas memórias para as ruas de uma indignidade sempre renascida. Com ele mereceriam também descer os que cultivam entre nós jardins estrangeiros, os confiscadores da liberdade, os vampiros da desigualdade. Mas nem sempre descem, aproveitando a nossa distracção ou o cansaço das nossas memórias. Miguel de Vasconcelos não. Desse não nos esquecemos: todos os dias o arremessamos pela janela do nosso modo de sermos portugueses.

A comunicação social deixou escapar que Pedro Passos Coelho foi oferecer-se em Madrid para que os fantasmas dos Filipes o pudessem tomar como tapete e caminhassem sobre ele as saudades do império perdido. Ficou assim claro que esse artefacto subtil da imaginação mediática, que os poderosos querem sentar em Lisboa na ambicionada cadeira, para que possam continuar a sê-lo com tranquilidade, não é feito do precioso cristal que apregoam, mas afinal do vidro mais comum.

Não há entre nós uma Ordem dos Filipes e Castela, para com ela podermos condecorar como grande-oficial o referido Coelho, como recordação da sua untuosa viagem a Madrid. Mas sempre poderemos presenteá-lo com um acréscimo de nome, continuando a considerá-lo como Coelho, mas agora de Vasconcelos.

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