terça-feira, 13 de julho de 2010

Caminhos trocados


Quando um partido político falha por ser fiel à sua identidade mais profunda, pode ser-lhe assacado o demérito de não ter interpretado bem os sinais que o deveriam guiar rumo a um bom porto. Mas não se pode olhá-lo, fazendo cair sobre ele o peso da traição, nem fazendo-o percorrer a via sacra dos renegados. Não verá , por isso, virar-se contra ele aqueles que verdadeiramente se reconheçam no seu horizonte, estando assim, quase de imediato, pronto para novos combates e para o risco de novos desaires, mas fazendo recair sobre os seus adversários a sombra de poderem não o vencer no próximo combate.


Quando um partido político julga vencer, à custa de ter renunciado ao seu próprio caminho, de perder de vista o seu próprio horizonte, seguramente que estropiará por dentro os mais fiáveis protagonistas dos combates que lhe caberia travar, mas não conseguirá dos seus adversários mais do que o desprezo surdo que se costuma ter pelos renegados úteis. Não conseguirá dos senhores do mundo mais do que a complacência cínica com que costumam envolver os pássaros mortos. E quando, depois do fogo-fátuo dessa fugidia vitória, sobrevier uma quase certa subsequente derrota, decerto mais funda e mais amarga, tudo para ele será pior.


Muito provavelmente esperá-lo-á o desânimo das suas hostes, que podem sentir a luta política como inútil, uma vez que se perderem perdem mesmo, mas se ganharem talvez percam na mesma. Ora, o desânimo pode trazer a revolta; e a revolta pode ser uma força dissipativa de todo um espaço político. Mas mesmo que o desânimo não conduza à revolta, pode abrir-se a uma melancolia mansa, que desvanecerá todas as esperanças e desarmará todos os combates.


Em contrapartida, os seus adversários, que o sejam por serem os cães de guarda do tipo de sociedade que temos, combaterão com mais serenidade e sobranceria, pois além de saberem que também eles podem ganhar, principalmente, sabem que mesmo que percam, ganham.


Por isso, a política é bem mais do que essa amanuência de números com que alguns alegados economistas infestam o espaço público, para gáudio dos ricos e poderosos e angústia dos cidadãos. E as políticas que a materializam têm menos a ver com uma aritmética de sacrifícios e direitos, do que com um combate global que se trava em todos os planos das sociedades humanas e em todos os aspectos da vida de cada um de nós. O êxito de um equilíbrio ou a vertigem de uma percentagem podem ser afinal a tradução ingénua de um desastre político ou social.


Insista-se, muitas vezes em política o imediato é o menos urgente e nenhuma medida se pode separar das suas consequências mais fundas e mais amplas. Por isso mesmo, um partido político que se afaste das sua base social ou que se desligue da sua identidade histórica, não deve confundir-se a si próprio, encarando-se como cavaleiro andante de uma imaginária coragem, porque de facto apenas revela cruamente superficialidade e imprudência.

1 comentário:

Micael Sousa disse...

Urge formação e política e partidária, tal como uma análise história e da génese do próprio partido. Isto é especialmente importante junto dos militantes mais novos que ingressão na juventude partidária.