sábado, 20 de setembro de 2008

Deus e os mercados


No Destak de ontem (19/9/08), foi publicada a crónica que, de seguida, transcrevo, com o devido consentimento do seu autor, J. L. Pio Abreu.



Deus e os mercados

Muitas pessoas que acreditam firmemente em Deus, também fazem profissão de fé nos mercados. Às vezes dá jeito que uma entidade exterior regule harmoniosamente a nossa vida, dispensando-nos de fazer um esforço por isso. Também é certo que o movimento da humanidade é ascendente: somos hoje muitos, mas existe mais justiça do que no tempo dos bárbaros e maior comodidade do que a do homem das cavernas. A explicação é que varia: será por causa de Deus, dos mercados, ou da maximização democrática da inteligência e esforço humanos?

Às vezes acontecem coisas que fazem duvidar de Deus, sobretudo quando a maldade impune ou a desgraça gratuita nos batem à porta. Mas os crentes têm uma resposta: foi Deus que nos quis pôr à prova, foi castigo de culpa escondida ou aviso para uma penitência devida. Os Lentes de Coimbra interpretaram deste modo o terramoto de 1755, fazendo com que a prova que contraria a crença metafísica fosse tomada em seu favor.

Agora que os mercados estão a ruir como um castelo de cartas, o que dirão os seus prosélitos? Afinal, foram eles que durante muito tempo nos atazanaram com as consequências da sua fé: que devíamos privatizar a segurança social, a saúde, tudo aquilo que é pago pelos impostos e talvez mesmo o próprio Estado. O que dirão eles agora? Vão dizer que são ineficiências passageiras, a culpa da ganância excessiva ou uma provação necessária à excelsa regulação definitiva. Mas porque é que não se lembram de dizer que foi um castigo de Deus para quem acredita piamente nos mercados?

J. L. Pio Abreu

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