No domingo passado, realizaram-se eleições em dois países da União Europeia, cujos resultados devem ser muito bem pesados pelos socialistas de toda a Europa. Trazem-lhes más notícias, embora as tragam ainda piores para o Partido Popular Europeu. Estou a falar nas eleições legislativas ocorridas na Áustria e nas eleições estaduais ocorridas num dos estados federados alemães, a Baviera.
Uma particularidade comum é a de serem (ou terem sido) até agora, no plano nacional de ambos os países, governados por uma grande coligação entre sociais-democratas (Partido Socialista Europeu) e democratas-cristãos (Partido Popular Europeu).
Na Áustria, o partido mais votado foi o social-democrata, com pouco mais de 29%, o que significa um recuo de 5,5% em comparação com as eleições anteriores, realizadas apenas há dois anos, e um dos seus piores resultados de sempre. O outro parceiro e leader da grande coligação, o partido democrata-cristão, perdeu cerca de 9% em dois anos, tendo-se ficado pelos 25,9 %. A extrema-direita, dividida em dois partidos, aproximou-se dramaticamente dos 30%, ultrapassando o resultado que atingiu em 2000, antes de se ter dividido, com o qual abriu então as portas do governo pela mão dos democratas-cristãos. Os Verdes ficaram-se pelos 10%, o que reflecte uma ligeira perda de 1,5 %. Os votos por correspondência podem mudar ligeiramente este panorama, mas não é provável que abram a porta a soluções que os resultados actuais inviabilizam.
Na Baviera, os resultados, reflectindo naturalmente a especificidade desse Estado Federado, desse Land, não podem deixar de merecer uma ponderação, quanto ao seu significado nacional. O CSU, partido democrata-cristão da Baviera, desde sempre aliado à CDU nacional liderada pela Srª Merkl, governa a Baviera com maioria absoluta há várias dezenas de anos. Ainda na eleição anterior teve mais do que 60% dos votos. Mas agora ficando-se pelos 43%, não só perdeu a maioria absoluta, precisando de se coligar para continuar a governar, como recuou 17% em face das eleições anteriores, tendo obtido o pior resultado dos últimos cinquenta anos. Significaria isto que, por contraponto, o SPD subiu? Não. Os parceiros sociais-democratas que governam actualmente a Alemanha em coligação com a Srª Merkl, recuaram ainda 0,1, conseguindo com os seus modestos 19% o seu pior resultado de sempre na Baviera.
Se olharmos para o panorama dos ganhadores, não divisamos o prenúncio de qualquer alternativa consistente. Uma nova plataforma eleitoral de independentes, de cariz conservador, mas ecologista (Freie Wähler), conseguiu a sua primeira representação parlamentar com 10,2%; os Verdes tiveram 9,4%; os liberais regressaram ao parlamento estadual ao atingirem os 8%. Por último, a Esquerda, pese embora a sua conhecida fragilidade na Baviera, ficou à porta do parlamento por ter tido apenas 4,3% dos votos.
Algo que é significativo, como indicador de uma tendência de longo prazo, é o facto de os dois grandes partidos terem tido 90% dos votos em 1982, mas mão terem agora passado dos 62%. Um aviso para os grandes partidos clássicos que têm partilhado os governos europeus.
Estes dois resultados devem representar um alerta objectivo para todos aqueles que em Portugal reduzem, com ligeireza, a possibilidade de um bloco central a uma simples obediência aritmética a um certo tipo de resultados eleitorais. Na verdade, estes dois casos, não sendo por si sós demonstrativos da inanidade de uma solução política desse tipo, são por inteiro congruentes com uma visão pessimista das suas consequências.
A esquerda governamental, que é na actualidade constituída predominantemente pelos Partidos da Internacional Socialista, tem vindo nos últimos anos a deparar-se com uma crise de identidade, na maior parte dos países da União Europeia.
Na Itália, os Democratas de Esquerda, oriundos do velho PCI e membros do Partido Socialista Europeu, diluíram-se num indefinido Partido Democrático, misturando-se com alguns dos restos da antiga democracia cristã. No Reino Unido, a 3ª via parece aproximar-se de um triste fim, estando, de momento, o Partido Trabalhista com cerca de 20 pontos percentuais de atraso, em face dos conservadores. Na Dinamarca e na Holanda, os partidos da Internacional Socialista atingiram resultados alarmantes, nos mais recentes actos eleitorais. Em França, o PSF parece incapaz de ganhar um novo fôlego, como se ainda não tivesse conseguido superar a já prolongada orfandade, subsequente ao desaparecimento de Miterrand.
E é particularmente preocupante que, perante o colapso da contra-reforma neoliberal iniciada por Reagan, seja tão insípida a resposta dos partidos da Internacional Socialista, tão submissa ao paradigma que está na raiz do desastre económico actual.
Na Europa e no mundo, a vulgata mediática dominante, pseudo-cientificamente legitimada, impingiu-nos como remédio salvador aquilo que, afinal, não foi mais do que uma insidiosa e crescente intoxicação. Mas, até agora, os partidos socialistas europeus parecem ter dificuldades em romper com o paradigma falido do neoliberalismo agonizante. De facto, não têm sabido escapar ao coro dos que, em desespero de causa, se refugiam sem convicção num monótono recital de propostas paliativas que ignoram, por completo, o fundo da questão.
Aprisionados no imediatismo, mastigando melancolicamente o passado, não têm sido capazes de propor novos horizontes. E, no entanto, é este o momento para se exigir o fim da lógica ruinosa que tem abafado a União Europeia e assombrado o Mundo. É o tempo para se pôr fim à atrofiante hegemonia do Partido Popular Europeu, nesta União Europeia que se nada mudar se irá extraviando mais e mais.