A SEDES nasceu antes do 25 de Abril. Nasceu à margem do regime fascista, é certo; mas também à margem das oposições. Era uma coisa assim-assim. Num certo sentido, continua a sê-lo. Toma posições políticas como se usasse um manto seráfico, indutor não sei de que especial isenção.
Disse a comunicação social que tem gente do PS e do PSD. Acho estranho. Que a malta do PS aceite misturar-se com a direita para coleccionar selos ou apanhar gambozinos, até poder ser saudável. Mas já pode ser insalubre que o faça para tomadas de posições políticas conjuntas. De facto, se um dos enviesamentos que alguns apontam à vida política portuguesa assenta num alegado bloco central de interesses, numa promiscuidade estéril entre notáveis do PS e do PSD, não vejo qual o potencial salvífico que possa ter a crítica à promiscuidade política feita a partir de uma outra promiscuidade.
O curioso é que alguns dos economistas anunciados como inspiradores do irrequieto papel defendem políticas mais próximas da ortodoxia neo-liberal do que aquelas que o governo tem posto em prática. Ou seja, choram as consequências da política do Governo, mas, se os deixassem usar o poder, faziam pior.
É claro que embrulham tudo isso num discurso redondo, feito de meias palavras e de insinuações. Por isso, foi possível que fossem aplaudidos por todas as oposições, quer de esquerda, quer de direita. E foi até possível, na grande algazarra mediática que atravessou as televisões, ouvir vozes aquiescentes de plácidos e respeitáveis democratas, ao lado de ferozes invectivas de energúmenos, um dos quais chegou a preconizar abertamente um golpe de estado militar.
Ou será que afinal, bem vistas as coisas, a SEDES está, apenas, ela própria desorientada, dividida entre um impulso político para a moderação, para o justo meio, para um nem contra nem a favor, e uma atracção irresistível pelos cânones mais ortodoxos do neoliberalismo?
Aliás, uma das pechas do discurso da SEDES é a sua consonância com o coro de banalidades políticas recitadas pelos que anatematizam os partidos em geral, como se todos eles fossem fungíveis. É como analisar o nível de vida dos portugueses, ignorando as desigualdades sociais que os separam.
Na verdade, atacar os partidos em geral é um discurso objectivamente anti-democrático, precisamente por ser indiferenciador. Cada partido tem virtudes e defeitos próprios, já que cada um deles tem um posicionamento distinto. Criticá-los a todos, mas um por um, tendo em conta o que realmente cada um faz, o que cada um é, o que defende e o que omite, é um exercício normal e desejável de vivência democrática. Criticá-los em abstracto e em conjunto, dificilmente não implica um discurso populista e até, no limite, criptofascista.
Deste modo, criticar o tipo de crítica da SEDES não significa sustentar que os Partidos não se comportam de modo a justificar muitos dos ataques que lhes são feitos. A mim, o que me preocupa de uma maneira especial é o PS , por ser o meu partido. Quanto a ele, cada dia estou mais convencido de que não pode continuar a ignorar os sinais de mal-estar que crescem no seu eleitorado e na sua base militante. Não pode deixar-se confinar a um simples papel de gestor de conjunturas, em termos tais que acabe por, em última instância, favorecer objectivamente os interesses já hoje dominantes, penalizando largos sectores do seu eleitorado e, a longo prazo, não beneficiando sequer o país.
Governo e partido parecem agir a propósito de tudo isso, como se a dimensão política dos problemas não fosse real, tudo se reduzindo a uma tecnocracia economicista, polvilhada por números e objectivos assépticos, distantes da vida dos cidadãos. Mas governar é bem mais complicado do que isso. Ignorá-lo, faz correr o risco de se ser surpreendido por movimentos sociais de protesto, lentamente gerados em dinâmicas de profundidade que quando se manifestam podem já ser incontroláveis.
4 comentários:
Não. Não foi hoje que descobri O GRANDE ZOO...
Embora ainda novato nestas lides (mas com um capital de saber e de experiência invejáveis), já há bastante tempo (logo nos começos) que aqui cheguei pela mão do Rui Lucas, nosso amigo (e meu cunhado).
Fiquei, desde logo, “cliente”, embora o Rui L. me vá mandando “recortes” do seu trabalho. Como este, acerca dessa (desde sempre) pseudo-progressista tertúlia que dá pelo nome de SEDES... (Desta vez, ainda bem que o RL me mandou o url do seu post: há mais de uma semana que ando arredado dos media e da blogosfera. Não por razões de “baixo astral”, como diriam os nossos esotéricos e palavrosos irmãos brasileiros; mas por razões, espero que momentâneas, de mais frágil saúde).
Não resisti, no entanto, a abrir uma excepção.
Noutros tempos (antes desta 2ª República, ou seja, durante a monarquia electiva do Estado dito Novo), éramos muito jovens (eu, muito menos) e até achávamos que o surgimento de uma SEDES já era um facto assinalável e motivo de esperança...
Claro que, no fundo, nunca nos chegámos a iludir... Mas, pequenos sinais como este, no deserto das nossa vidas, já pronunciavam raros e tímidos avanços, no sentido dos nossos anseios...
O GRANDE ZOO, sem qualquer dúvida, e absolutamente sem qualquer espírito lisonjeiro, é um dos raros e muito bons blogues que temos na nossa blogosfera: denso, rigoroso e profundo na análise das temáticas, crítico sereno e impiedoso, sem cair na agressividade gratuita.
Louvo-lhe, até, a coragem, sabendo nós que não é nenhuma fantasia a difusão cada vez maior dos olhos e dos ouvidos do BB, como charruas (esqueçamos certos traços do seu perfil) e zelosas margaridas moreiras, e outros mais bufos cegamente fieis ao Grande Chefe – como outrora conhecemos.
Bem haja. E força!
Um abraço
jlf
Saúdo,com grande alegria,o reaparecimento do autor do Flash!
Desculpa Rui,abusar do teu espaço.
Recuperação rápida ao JLF e um grande abraço.
RN agradece:
As referências elogiosas recebidas do JLF, não podem deixar de me honrar, e muito.
RN responde:
Caro Rui Lucas, o espaço do Grande Zoo está sempre á tua disposição, pelo que usá-lo nunca poderia constituir um abuso.
Concordo. Esta SEDES é demaisado enigmática e seráfica. Devemos desconfiar destas falinhas mansas...
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