Como já afirmei noutro texto,
no caso da Catalunha não tenho uma posição fechada, mas simpatizo com os
independentistas. É certo que não tenho qualquer afinidade política com uma
parte deles e que me identifico politicamente em termos genéricos com alguns
espanholistas (PSOE). Mas o que para mim é determinante é o respeito pela vontade
da maioria dos catalães. É pois necessário apurar, em condições democraticamente
aceitáveis, essa vontade e não é legítima qualquer estratégia que vise impedir
essa vontade de se revelar.
A dimensão jurídica da
questão tem sido a única valorizada pelo poder de Madrid. Mas é estulto ou
mistificatório esquecer-se a sua dimensão política. Tentar ignorá-la, como se apenas estivesse em causa uma questão de legalidade constitucional, é
tão descaradamente simplista que mais parece um simples expediente.
No século XXI, as
democracias mais maduras e mais decentes aceitam o direito de secessão das
nações existentes no seu seio, sem subterfúgios. Compreende-se, por isso, que em
questões como esta a coerência
internacional seja especialmente importante.
E ,neste caso, a União
Europeia tem-se revelado particularmente incoerente. De facto, incentivou a
divisão da Jugoslávia, indo até ao ponto de forçar a Sérvia a perder o Kosovo, pelo
que não deveria agora, sem quebra de dignidade e de coerência, fazer exactamente o contrário. Não se pode
escolher um caminho político para depois o abandonar sempre que alguma
conveniência ocasional o justifique. Quem forçou a Sérvia a perder o Kosovo,
não pode anatematizar uma possível independência da Catalunha.
Por outro lado, no caso
da Espanha, apresentar como um absoluto democrático o respeito pela Constituição
é algo que merece ponderação. De facto, no topo do Estado espanhol há um rei
como chefe de Estado, cuja legitimidade política está longe de ter uma raiz
democrática. Foi um golpe de Estado fascista, dado contra uma república
democrática, que gerou a monarquia espanhola.
Os representantes do povo desarmado negociaram com o poder franquista armado um
armistício político. Uma negociação que para os representantes do povo não
estava longe de ser um verdadeiro estado de necessidade. É nele que assenta a
atual democracia espanhola, bem como as suas autonomias.
Pode achar-se que esta solução é boa. Mas não
se pode sublinhar até à exaustão o imperativo de os republicanos catalães se
submeterem à legalidade constitucional plasmada na monarquia espanhola , ao
mesmo tempo que se esquece que a monarquia espanhola foi instalada em Madrid, por
força de um golpe de Estado fascista que desencadeou uma guerra civil que matou
milhões de espanhóis. Uma guerra civil que os
franquistas só vencerem porque foram ajudados pelos fascistas italianos de
Mussolini e pelos nazis alemães de Hitler. Podemos aceitar a transigência dos desarmados
como um preço justificado pela vontade de conseguirem paz, tendo em conta a
relação de forças existente. Mas não podemos hoje ser intransigentes para com
os republicanos da Catalunha, ao mesmo tempo que esquecemos o pecado original
da monarquia espanhola.
A última experiência de
república na Catalunha não foi vencida nas urnas, foi esmagada pela força das
armas. E mais recentemente a humilhação da Catalunha materializada pelo chumbo
da última versão do Estatuto Autonómico,
antes referendado em toda a Espanha e na Catalunha, foi equivalente a uma rotura
do Pacto de Moncloa. O grande impulsionador do processo que desembocou nessa
provocação foi precisamente o Partido Popular. Essa rotura agrava muito a dificuldade
de invocar a ilegitimidade democrática do referendo que os catalães querem
fazer. Eles têm sido longamente provocados pelo governo de Madrid e
especialmente pelo Partido Popular.
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