1. As eleições primárias realizadas pelo PS, para
designar o seu próximo candidato a primeiro-ministro e o seu resultado
representam um facto político muito relevante, com óbvias consequências no
futuro próximo, quer à escala nacional, que no plano interno do PS.
Tal como em muitas
outras pugnas dentro do PS, estive do lado dos vencidos. Mas, naturalmente,
fiel à ética democrática, reconheço a legitimidade dos vencedores e partilharei
com eles as lutas políticas que o PS vai travar. Continuarei dentro das minhas
possibilidades no quadro do PS e fora dele a luta por um outro tipo de
sociedade.
2. Enquanto socialista, não encaro essa opção como
um pálido conceito sépia que se armazene na nossa memória, como uma vaga
saudade ou como um generoso perfume, simbolicamente humanista, que se usa com
parcimónia. Encaro-a como o cerne da minha vivência cívica, como a cor
indelével do meu horizonte. Por isso, para mim a política é a instância
determinante da luta anticapitalista, naturalmente, materializada pelas
mediações táticas que a via reformista, que assumo, implica e incorpora.
Via reformista que é um
processo gradual, mas persistente, de transformação social, que implica uma
pilotagem rigorosa e corajosa, na viagem de saída do capitalismo e de uma
consequente aproximação ao horizonte socialista. Sem um condicionamento efetivo
das suas políticas e práticas sociais por esse sinal estratégico global e de
última instância, os socialistas estão condenados a uma navegação de cabotagem
que os coloca objetivamente numa eterna defensiva que, por sua vez, facilmente
corre o risco de os converter em agentes involuntários daquilo que queriam
combater. Sem a referência a um horizonte socialista, os socialistas enquanto
tais ficam sem futuro.
Este condicionamento não
dispensa rigor e acerto na construção de um programa político que o projete na
ação quotidiana e que traduza quer o imperativo de uma gestão eficaz da
sociedade, ainda sob a égide do capitalismo, quer a participação no impulso
transformador que acelere a metamorfose, rumo ao pós-capitalismo, que uma
sobrevivência digna da humanidade exige. Mas só esse condicionamento pode dar à atividade política uma cor
futurante.
3. Por isso, a partilha desse horizonte surge como
uma convergência que em si congregará com naturalidade todos os socialistas.
Aliás, só esse horizonte, verdadeiramente, pode ser o cimento duradouro de uma
unidade autêntica, ponto de partida para uma comunhão quanto aos caminhos
necessários para aí chegarmos, bem como
quanto aos objetivos práticos intermédios mais limitados que
consubstanciam a vida quotidiana do
partido.
Valorizando o desígnio
histórico de apressar uma saída gradual mas efetiva do capitalismo, mais fácil
é atenuar quaisquer crispações circunstanciais, geradas pelas naturais
competições internas que possam ocorrer. Mais fácil será definir os eixos
estruturantes da nossa política, no plano programático; o modo de articulação
do partido com a sociedade, nomeadamente, com os movimentos sociais; a sua
imbricação com todas as organizações e práticas sociais que resistem no seio do
sistema capitalista, pela afirmação de uma lógica que as distingue dele e o
transcende; um modelo de Estado social transformador que seja capaz de acelerar
a metamorfose histórica em causa. A unidade quanto às linhas de orientação que
correspondem a cada um destes planos reforçará ainda mais o cimento agregador
que acima mencionei. É nestes planos que se situam os alicerces da unidade
entre os militantes e simpatizantes do PS, uma unidade que naturalmente
comporta uma pluralidade de opiniões quanto
às questões particulares que
fazem o dia a dia da vida partidária.
Pluralidade essa que só enrique a
unidade e robustece politicamente o partido.
Estamos pois longe da
unidade enquanto simples retórica, traduzida num discurso de “narizes de cera”
mais do que previsível que nada significa, apenas se destinando ao consumo
mediático. Também estamos longe da estranha afirmação de que a unidade foi conquistada pelo resultado das primárias,
em virtude da vantagem obtida pelo vencedor, que assim seria a própria
substância da unidade enquanto o vencido seria a irrelevância, o zero quanto à
unidade. É bom que se não esqueça que
esse imaginado “tudo” é pouco mais do que o dobro do que aquele “zero”. E um
“zero” que supera as cinquenta mil
manifestações de concordância e apoio, não pode ser negligentemente ignorado,
por uma qualquer condescendência melíflua ou por uma qualquer agressividade
bronca. Longe fica igualmente a redução da unidade a uma cooptação de notáveis
ou de notabilíssimos, entre os vencidos, para altos cargos ou vastos
protagonismos. É preciso ter em conta o coração e a cabeça de algumas dezenas
de milhares de socialistas e não a hipotética vassalagem de uns tantos.
De facto, dentro de um
partido democrático, que queira assumir-se como fator de transformação da
sociedade e como instância dirigente dessa transformação, a unidade interna é
um processo sempre em aberto que todos os dias está em causa. Há episódios que
podem tornar a unidade mais vulnerável, como agora acontece, mas eles não
revelam um problema novo. Apenas agravam uma complicação corrente.
4. O congresso do PS que aí vem será uma
oportunidade única para dar alicerces mais sólidos à unidade interna do
partido. Para isso, podem ser seguidos vários caminhos. Mas, julgo eu, ser
indispensável que ninguém atue com reserva mental e que não se construam
edifícios de retórica em torno de pequenas questões (ainda que relevantes),
para assim, menos visivelmente, se fugir às grandes questões, à discussão das
grandes linhas de orientação estratégica, a uma clarificação do sentido das
posições do PS, quanto a alguns aspetos nucleares da política e da sua própria
identidade.
3 comentários:
"Sem a referência a um horizonte socialista, os socialistas enquanto tais ficam sem futuro."
Deveria ser a máxima colocada à entrada de todas as sedes socialistas.
Seria um sinal de unidade bem mais consistente do que uma partilha de lugares.
Eu aplaudiria este discurso, mas como o passado vai contar e muito vou continuar duvidoso.
Com franqueza vos direi que os socialistas como outros quaisquer cidadãos, não passam disso mesmo, são simplesmente cidadãos.
Não consta que o ideal politico esteja inserido no ADN de cada um..!
Espero que haja mais unidade na ação que antes, espero.
Espero que todos os socialistas, digo TODOS OS SOCIALISTAS. SE JUNTEM numa esfusiante alegria- que é satisfazer um povo faminto de saber.
Espero que todos os quadrantes políticos "ditos á esquerda do PS"
se unem e juntem ao PS.
é MEU DESEJO antes de partir para lá do além ver uma unidade de facto entre a ESQUERDA SOCIALISTA E SOCIALIZANTE
viva o PS e todos democratas de esquerda militante.
de "o catraio" RESPEITOSAMENTE
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