quinta-feira, 2 de outubro de 2014

UNIDADE NO PARTIDO SOCIALISTA


1. As eleições primárias realizadas pelo PS, para designar o seu próximo candidato a primeiro-ministro e o seu resultado representam um facto político muito relevante, com óbvias consequências no futuro próximo, quer à escala nacional, que no plano interno do PS.
Tal como em muitas outras pugnas dentro do PS, estive do lado dos vencidos. Mas, naturalmente, fiel à ética democrática, reconheço a legitimidade dos vencedores e partilharei com eles as lutas políticas que o PS vai travar. Continuarei dentro das minhas possibilidades no quadro do PS e fora dele a luta por um outro tipo de sociedade.

2. Enquanto socialista, não encaro essa opção como um pálido conceito sépia que se armazene na nossa memória, como uma vaga saudade ou como um generoso perfume, simbolicamente humanista, que se usa com parcimónia. Encaro-a como o cerne da minha vivência cívica, como a cor indelével do meu horizonte. Por isso, para mim a política é a instância determinante da luta anticapitalista, naturalmente, materializada pelas mediações táticas que a via reformista, que assumo, implica e incorpora.
Via reformista que é um processo gradual, mas persistente, de transformação social, que implica uma pilotagem rigorosa e corajosa, na viagem de saída do capitalismo e de uma consequente aproximação ao horizonte socialista. Sem um condicionamento efetivo das suas políticas e práticas sociais por esse sinal estratégico global e de última instância, os socialistas estão condenados a uma navegação de cabotagem que os coloca objetivamente numa eterna defensiva que, por sua vez, facilmente corre o risco de os converter em agentes involuntários daquilo que queriam combater. Sem a referência a um horizonte socialista, os socialistas enquanto tais ficam sem futuro.
Este condicionamento não dispensa rigor e acerto na construção de um programa político que o projete na ação quotidiana e que traduza quer o imperativo de uma gestão eficaz da sociedade, ainda sob a égide do capitalismo, quer a participação no impulso transformador que acelere a metamorfose, rumo ao pós-capitalismo, que uma sobrevivência digna da humanidade exige. Mas só esse condicionamento  pode dar à atividade política uma cor futurante.

3. Por isso, a partilha desse horizonte surge como uma convergência que em si congregará com naturalidade todos os socialistas. Aliás, só esse horizonte, verdadeiramente, pode ser o cimento duradouro de uma unidade autêntica, ponto de partida para uma comunhão quanto aos caminhos necessários para aí chegarmos, bem como  quanto aos objetivos práticos intermédios mais limitados que consubstanciam a vida quotidiana  do partido.
Valorizando o desígnio histórico de apressar uma saída gradual mas efetiva do capitalismo, mais fácil é atenuar quaisquer crispações circunstanciais, geradas pelas naturais competições internas que possam ocorrer. Mais fácil será definir os eixos estruturantes da nossa política, no plano programático; o modo de articulação do partido com a sociedade, nomeadamente, com os movimentos sociais; a sua imbricação com todas as organizações e práticas sociais que resistem no seio do sistema capitalista, pela afirmação de uma lógica que as distingue dele e o transcende; um modelo de Estado social transformador que seja capaz de acelerar a metamorfose histórica em causa. A unidade quanto às linhas de orientação que correspondem a cada um destes planos reforçará ainda mais o cimento agregador que acima mencionei. É nestes planos que se situam os alicerces da unidade entre os militantes e simpatizantes do PS, uma unidade que naturalmente comporta uma pluralidade de opiniões quanto  às  questões particulares que fazem o dia a dia da vida  partidária. Pluralidade essa que só  enrique a unidade e robustece politicamente o partido.
Estamos pois longe da unidade enquanto simples retórica, traduzida num discurso de “narizes de cera” mais do que previsível que nada significa, apenas se destinando ao consumo mediático. Também estamos longe da estranha afirmação de que a unidade  foi conquistada pelo resultado das primárias, em virtude da vantagem obtida pelo vencedor, que assim seria a própria substância da unidade enquanto o vencido seria a irrelevância, o zero quanto à unidade. É bom que se não esqueça  que esse imaginado “tudo” é pouco mais do que o dobro do que aquele “zero”. E um “zero” que supera as cinquenta  mil manifestações de concordância e apoio, não pode ser negligentemente ignorado, por uma qualquer condescendência melíflua ou por uma qualquer agressividade bronca. Longe fica igualmente a redução da unidade a uma cooptação de notáveis ou de notabilíssimos, entre os vencidos, para altos cargos ou vastos protagonismos. É preciso ter em conta o coração e a cabeça de algumas dezenas de milhares de socialistas e não a hipotética vassalagem de uns tantos.
De facto, dentro de um partido democrático, que queira assumir-se como fator de transformação da sociedade e como instância dirigente dessa transformação, a unidade interna é um processo sempre em aberto que todos os dias está em causa. Há episódios que podem tornar a unidade mais vulnerável, como agora acontece, mas eles não revelam um problema novo. Apenas agravam uma complicação corrente.


4. O congresso do PS que aí vem será uma oportunidade única para dar alicerces mais sólidos à unidade interna do partido. Para isso, podem ser seguidos vários caminhos. Mas, julgo eu, ser indispensável que ninguém atue com reserva mental e que não se construam edifícios de retórica em torno de pequenas questões (ainda que relevantes), para assim, menos visivelmente, se fugir às grandes questões, à discussão das grandes linhas de orientação estratégica, a uma clarificação do sentido das posições do PS, quanto a alguns aspetos nucleares da política e da sua própria identidade. 

3 comentários:

JGama disse...

"Sem a referência a um horizonte socialista, os socialistas enquanto tais ficam sem futuro."

Deveria ser a máxima colocada à entrada de todas as sedes socialistas.

Rui Namorado disse...

Seria um sinal de unidade bem mais consistente do que uma partilha de lugares.

Anónimo disse...

Eu aplaudiria este discurso, mas como o passado vai contar e muito vou continuar duvidoso.
Com franqueza vos direi que os socialistas como outros quaisquer cidadãos, não passam disso mesmo, são simplesmente cidadãos.

Não consta que o ideal politico esteja inserido no ADN de cada um..!

Espero que haja mais unidade na ação que antes, espero.

Espero que todos os socialistas, digo TODOS OS SOCIALISTAS. SE JUNTEM numa esfusiante alegria- que é satisfazer um povo faminto de saber.

Espero que todos os quadrantes políticos "ditos á esquerda do PS"
se unem e juntem ao PS.

é MEU DESEJO antes de partir para lá do além ver uma unidade de facto entre a ESQUERDA SOCIALISTA E SOCIALIZANTE
viva o PS e todos democratas de esquerda militante.
de "o catraio" RESPEITOSAMENTE