Uma imperiosa contradição está no ar: como
seria possível uma renovação se o tucanato pretende voltar ao passado, e disso
não faz mistério? Como seria possível, de resto, que promessas de mudança
pudessem ser postas em prática por conservadores empedernidos? Conservador
conserva, diria o Chico Anysio de antigos tempos.
Não
bastassem as antecipações de Arminio Fraga, candidato a ministro da Fazenda em
caso de vitória tucana, a fornecer um trailer de puríssima marca neoliberal, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso apressa-se a esclarecer, entre a ameaça e o didatismo, que
quem vota Dilma além de pobre é desinformado. E qual seria a informação
correta?
Fraga
prontifica-se a informar o globo de um polo ao outro, no
debate com Guido Mantega , mediado (mediado?) na Globo por
Miriam Leitão: a crise econômica mundial acabou há cinco anos. Gostaríamos de
imaginar, na nossa irredutível ousadia, o que pensam a respeito Angela Merkel
, ou Barack Obama. Tendemos a acreditar que ambos os citados, e outros mais
habilitados à citação, agradeceriam Fraga por sua oportuníssima
revelação. Há incertezas quanto a existência de Deus, mas dúvidas não
subsistem em relação
a Fraga , seu profeta.
Na
linha das revelações , o Clube Militar informa que, com Dilma reeleita, o País
estará à beira da sovietização. Há militares ainda dispostos a recorrer a
terminologias emboloradas. Ao longo da campanha tucana, corroboradas pelos
editoriais dos jornalões, desfraldaram termos mais contemporâneos. Imperdoável
é ser “chavista”, ou “bolivariano”. Pois o único, indiscutível chavista
brasileiro é Fernando
Henrique Cardoso , que provocou a alteração constitucional
destinada a permitir sua reeleição. E não hesitou para tanto em comprar votos
de parlamentares.
Não
invoquemos, de todo modo, exames de consciência por parte da mídia nativa,
postada de um lado só na qualidade de porta-voz da casa-grande. Neste exato
instante ela transforma em peça eleitoral o vazamento de depoimentos
secretos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa ,
do doleiro Youssef e de sua contadora. Deles emerge uma complexa história,
cujo ponto central seria a chantagem sofrida por Lula, por parte de
parlamentares da base governista, para forçá-lo a nomear Costa para a direção
da estatal.
Era
de esperar que a mídia nativa extraísse da manga a carta pretensamente letal.
O déjà vu é próprio destas atribuladas vésperas eleitorais desde quando
o PT apresenta um candidato à Presidência da República. Lula avisa: “Nunca fui
submetido a qualquer gênero de chantagem por parte de congressistas. Fala-se
de fatos que teriam ocorrido há dez anos, de sorte que, para averiguar a sua
veracidade, seria preciso ouvir o então ministro das Relações Institucionais,
o então chefe da Casa Civil, o presidente da Câmara, o líder do PT”.
Tomados
em conjunto, comportamentos e eventos dão razão a Lula quando afirma que esta
eleição, antes ainda de confrontar Dilma e Aécio, coloca frente a frente dois
projetos de Brasil, duas visões profundamente opostas de vida, de mundo, de
política, de fé.
Mino Carta: Meu caro presidente e grande amigo, c omo é que você se sente ao se perceber pobre e desinformado?
Lula:
Olha, eu na verdade me
sinto muito ofendido com este preconceito que chega às raias do absurdo. Fernando
Henrique Cardoso mostra
o que uma parte da elite brasileira e, sobretudo, uma parte da elite paulista,
incluindo a elite política, pensa do povo trabalhador deste País. Porque eles
não têm preconceito contra o nordestino rico, contra o negro rico, é contra os
pobres, contra quem trabalha. E, ao dizer que Dilma teve voto onde as pessoas
são desinformadas, revela que o ex-presidente não tem noção da evolução
política da classe mais pobre da sociedade.
MC:
Política e econômica.
Lula:
Não se dá apenas por
conta dos programas sociais, do aumento do salário dos aposentados, do aumento
do salário mínimo. É por conta da conquista da consciência da cidadania. Os
brasileiros estão pensando mais. É muito esquisito que, quando o governo
financiava os estudos de um jovem no exterior antes do Ciência sem Fronteiras,
tratava-se de uma bolsa aceita por todo o mundo, algo fantástico. Quando o governo
cria uma bolsa para dar direito a crianças não morrerem de fome é assistencialismo, é retrocesso, é
criar vagabundo. Imagem totalmente equivocada: certamente, o ex-presidente
ficou com a imagem do Brasil que ele governou. Porque, quando ele governava,
davam voto de cabresto, viviam à procura da frente de trabalho e de uma
política assistencialista, por falta de política social invadiam supermercado.
Agora não. São respeitadas, e mesmo as mulheres que não trabalham ainda
recebem aposentadoria rural, assim como os brasileiros a partir dos 65 anos
recebem seu benefício. E sem dever favor ao governo.
Lula:
Mas muito além. O Bolsa
Família é apenas uma parte dele. O que aconteceu com o crédito rural para a pequena
propriedade, o que aconteceu com o microempreendedor, o que aconteceu com a
aprovação da Lei Geral da Pequena e Média Empresa.
MC:
E a abertura do crédito?
Lula:
E a abertura do crédito
consignado. Foram 60 milhões de contas bancárias abertas. Sabe o que é isso? É
colocar uma Colômbia e meia no sistema financeiro brasileiro. As pessoas
passaram a entrar no banco para negociar empréstimo, não apenas para pagar
conta de luz. Mas observe quem também ganhou com isso. E muito. Foi a
sociedade mais abastada. A classe média, em vez de ficar constrangida quando
se fala de política social, deveria entender que, ao receber algum recurso, o
pobre gasta. Para comer, para vestir, esse dinheiro retorna para o mercado no
dia seguinte e quem ganha é a loja, o shopping, a fábrica, o agricultor. Certa
vez, discuti com um cidadão que reclamava porque o Luz para Todos era mais uma
política do Lula para ajudar o pobre e que eu só pensava no pobre. Eu lembrei
a ele que, quando a gente levava o Luz para Todos, o beneficiado ligava três
lâmpadas, comprava uma geladeira, 80% deles compravam um televisor. Ou seja,
um simples programa chamado Luz para Todos, que levou energia para 15 milhões
de brasileiros, resultou na venda de quase 4 milhões de mercadorias. Até
empresas multinacionais ganharam muito com esse programa social. Sem contar os
empregos criados. Mas, infelizmente, há ainda quem prefira ver indigentes nas
ruas em lugar de gente humilde consumindo. É lamentável que um cientista
político tão estudado como Fernando Henrique Cardoso tenha
proferido uma frase tão agressiva contra eleitores brasileiros. Porque há
sempre aquela ideia de que as pessoas que não votam do jeito que desejamos não
sabem votar. Eu aprendi a respeitar o voto, contra ou a favor. Aprendi isso na
fábrica. Aquele que votava contra a greve eu o respeitava tanto quanto quem
votava a favor. O eleitor que vota em mim é tão importante quanto aquele que
não vota. É um direito dele. Cabe a mim tentar convencê-lo. A elite brasileira
levou cem anos para colocar 3,5 milhões de estudantes na universidade. Nós, em
12 anos, colocamos 7,2 milhões.
Mc:
Tudo isso não aproveita
a criação de um capitalismo oposto àquele precipitado pelo neoliberalismo?
Lula:
Uma vez me perguntaram:
Lula, você é operário e os banqueiros estão ganhando dinheiro no seu governo.
Eu disse: eu prefiro que os banqueiros ganhem dinheiro porque, se eles não
ganharem, vai ter que ganhar um Proer, é o Estado que passa a financiá-los
outra vez. Eu quero que ganhe todo mundo. Fui dirigente sindical e sei que,
quando o empresário perde, quem perde mais é o trabalhador, porque perde o seu
emprego.
MC:
Onde fica o FMI, que
entrou na campanha?
Lula:
Se você for analisar os
números da economia do Brasil hoje, eles são aqueles que desejamos. Também nós
somos vítimas da crise mundial. Os números da Alemanha também são
insatisfatórios, os EUA não conseguem se recuperar.
MC:
Mas lá o problema não é
interno, como no Brasil?
Lula:
O Brasil foi o país que
melhor soube tratar a crise. Em 2008, quando tudo começou, o governo já vinha
com política de desenvolvimento do PAC e nós entendemos que o consumo não
poderia arrefecer. E o que eu disse? Se você parar de comprar, a indústria
para de produzir, a loja para de vender e você vai perder o emprego. Então é
bom a gente comprar, fazer dívida de acordo com a nossa possibilidade de pagar
e vamos tocar o barco para a frente. Está escrito: nós sustentávamos na
reunião do G-20 que a melhor forma de enfrentar a crise seria não permitir a
volta do protecionismo e incentivar o comércio no mundo. Se os países ricos
estão estrangulados na sua capacidade de consumo e de endividamento, está na
hora de começarem a fazer investimentos para os países pobres poderem
consumir, criar indústria, comprar máquinas e se modernizar. Isso foi assinado,
e lá estavam Obama, Sarkozy, Berlusconi, todo mundo. Acontece que o FMI só
sabe dar palpite quando a crise é no Brasil ou na Bolívia. Quando a crise é
nos Estados Unidos eles desapareceram. Na Europa desapareceram. Aliás,
desapareceram tanto que nós tivemos de emprestar dinheiro para eles.
MC:
Apesar disso, por que
os investimentos no Brasil crescem?
Lula:
Quem se preocupa com a
economia pensa só nos números de crescimento. É importante crescer muito, está
claro, mas este País já cresceu 10% e não gerou emprego. Nós agora continuamos
gerando emprego, continuamos aumentando o salário mínimo e a renda do
trabalhador. E Dilma disse muito bem: o trabalhador não vai arcar com uma
crise feita pelos ricos no mundo. Isto é algo que temos de levar em conta a respeito
do caráter do compromisso de Dilma. O Brasil é o país que tem o futuro mais
garantido. Um país que tem a quantidade de investimento em obra de
infraestrutura para ser feita, muitas já contratadas, um país que tem a
perspectiva extraordinária do pré-sal, um país que decide que 75% do dinheiro
dos royalties vai para a educação, é um país que está dizendo que o futuro já
chegou. Não é jogando nas costas do povo um ajuste fiscal, cortando salários,
dispensando funcionários. Esses que querem voltar, que dizem? Que para
controlar a inflação tem de ter um pouco de desemprego. Pouco se importam com
quem vai ficar desempregado. É o contrário do que a gente pensa. Um deles,
aliás, acha que o salário mínimo cresceu demais, quando na verdade cresceu
ainda aquém da necessidade da sobrevivência digna. Arminio Fraga, Aécio Neves, essa gente toda significa o retrocesso. E é isso que me
preocupa. As pessoas não perceberam que é isso que está em disputa nesta
eleição. Não é a Dilma contra o Aécio, não é PSDB contra PT, é mais do que
isso. O que está em disputa são dois projetos de sociedade. O que era o Brasil
antes de 2003? Como é que a elite brasileira tratou este país e tratou o povo
trabalhador até eu chegar à Presidência? E quais são os dois projetos? Um é o
projeto de que o País tem de ser governado apenas para uma parte da população,
enquanto outra tem de ficar marginalizada. Segundo o nosso projeto, todo mundo
tem direito de participar da riqueza produzida no Brasil. Temos de garantir
que aqueles mais necessitados, mais debilitados economicamente, os mais
frágeis do ponto de vista da sua formação profissional, tenham o direito de
comer, de estudar, de dizer “eu sou brasileiro e não desisto nunca”. É esse
projeto que está em jogo.
MC:
Mas não seria um projeto capitalista?
Lula:
É lógico que é. É só recordar Henry Ford,
que dizia: eu tenho de pagar bem os meus funcionários para que eles possam
comprar o carro que eles produzem. E aqui no Brasil o pobre ter carro
incomoda. Eu trabalhei a vida inteira e como operário nunca pude ter um carro.
Meu primeiro carro foi uma Brasília.
MC: Eu
tenho em mente alguns números. Por exemplo, investimento estrangeiro no
Brasil: no tempo tucano, o máximo a que se chegou foi de 10 bilhões de
dólares.
Lula:
Uma vez, acho que chegou a 19 bilhões.
MC:
Este ano, a previsão é de 67 bilhões.
Mais do que no ano passado, que fechou com 64 bilhões.
Lula:
Pois é, há quatro anos
consecutivos nós só perdemos para a Rússia, China e EUA. Nós somos o quarto ou
quinto país receptor de investimentos externos diretos.
MC:
Mas será que os investidores estrangeiros
são cretinos?
Lula:
64 bilhões, 65 bilhões,
67 bilhões... Todo ano nós crescemos mais. Significa que as pessoas de fora
estão acreditando muito mais no Brasil do que alguns brasileiros. Porque há
quem, neste momento eleitoral, fique brincando com a Bolsa de Valores,
especulando, ganhando dinheiro, comprando e vendendo. E é importante o povo
ficar atento. Eu fui candidato muitas vezes, perdi eleições muitas vezes, sei
das safadezas que eles fazem com a Bolsa. E quer saber de uma coisa, sem
radicalismo? Eu nunca pedi voto para o mercado. Eu não sei quantos votos tem
esse mercado, o que sei é que o povo tem voto para ele que a gente tem de pedir
voto. E eu quero voto do rico, da classe média, do profissional liberal, do
sem-teto, do sem-terra, do com-terra, eu quero voto de todo mundo, porque todo
mundo é brasileiro e tem de ser tratado com igualdade de condições. O que eu
dizia e a Dilma diz: nós governamos este País para todo mundo, agora o braço
do Estado tem de estar mais atento às pessoas mais necessitadas. É este país
que precisamos fortalecer, onde todo mundo seja tratado com igualdade de
condições, onde a escola seja efetivamente de qualidade. Através da educação
se estabelece a oportunidade de ascensão social. Mas há quem não a queira, a
possibilidade de ascensão oferecida a todo mundo. Uma vez, muito tempo atrás,
almoçava com você, o Weffort, que era secretário-geral do PT, o Jacó Bittar, e
eu fui ao banheiro e, ao voltar à mesa, passei diante de duas senhoras e ouvi:
“Ele diz que é pobre, mas está comendo aqui onde a gente come”. E o Jacó
revidou: “É a senhora que vai pagar a conta dele? Sou eu que vou pagar a conta
dele”. O sociólogo
Fernando Henrique Cardoso, quando pronunciou sua frase
infeliz, retratou um sentimento histórico da elite brasileira, algo que vem
desde o tempo da Coroa.
MC:
Que sobra disso tudo se
o PSDB volta ao poder?
Lula:
Para mim, não há
questão pessoal com Aécio. A questão não é o Aécio, a questão é a filosofia de
vida que o tucano tem, a visão de mundo. Pessoalmente, sou amigo do Aécio, sou
é adversário político e ideológico. A vitória de Aécio é a volta daquilo que
não deu certo, é a volta do mundo que não deu certo. É por isso que o sistema
financeiro está ouriçado para ele ganhar as eleições, é por isso que o FMI,
que estava tão escondidinho, voltou a dar palpite, porque não se sabe para
onde vai a taxa de juros com o seu Arminio Fraga . Ou se esqueceu da taxa que eu
encontrei, os números da inflação e do desemprego? E como as burras estavam
vazias? O Brasil de hoje está infinitamente melhor do ponto de vista das
finanças públicas, da dívida interna pública, da dívida bruta, da política de
juros, da reserva. Quando eu cheguei, o Brasil devia 30 bilhões de dólares ao
FMI. A gente tinha 30 bilhões de dólares na reserva, dos quais 16 bilhões ou
17 bilhões de dólares era o próprio FMI. Eu aprendi com a minha mãe que era
analfabeta: “Meu filho, a gente não pode fazer dívida que a gente não pode
pagar”. Eu falei, sabe de uma coisa, eu não vou ficar devendo para o FMI para
vir dar palpite na minha vida aqui. Eles querem que volte isso? Só porque o
mercado quer mais. O mercado vai ganhar na medida em que a indústria ganhe,
que os trabalhadores ganhem e a agricultura ganhe. É assim que a gente vai
fazer um país feliz.
2 comentários:
Tudo parece dar certo enquanto campanha, enquanto alimentamos o ilusório, enquanto nos embusteamos, propriamente dito,
Dizer que a via não capitalista ou melhor, uma terceira via que para uns não é carne nem peixe e para outros será o sumo dos sumos não diz nada.
Os homens continuam a ser os mesmos de há milénios a esta parte e o chamado território brasileiro ocupado agora por estes, passados alguns seculos será ocupado por outros. mão sei é se ainda haverá floresta para dilacerar.
Mas falávamos do Brasil brasileiro de Lula da Silva cujo perfil politico se adequa bem ao estado do atual Brasil - ele só continuou o processo que os mestres da globalização impuseram-
O PT foi deixado crescer por necessidade do grande capital.
Talvez esteja errado, mas ainda assim direi que a galerias dos não capitalista já não suporta mais pesos pesados deste quilate.
respeitosamente de "O Catraio"
Tudo parece dar certo enquanto campanha, enquanto alimentamos o ilusório, enquanto nos embusteamos, propriamente dito,
Dizer que a via não capitalista ou melhor, uma terceira via que para uns não é carne nem peixe e para outros será o sumo dos sumos não diz nada.
Os homens continuam a ser os mesmos de há milénios a esta parte e o chamado território brasileiro ocupado agora por estes, passados alguns seculos será ocupado por outros. mão sei é se ainda haverá floresta para dilacerar.
Mas falávamos do Brasil brasileiro de Lula da Silva cujo perfil politico se adequa bem ao estado do atual Brasil - ele só continuou o processo que os mestres da globalização impuseram-
O PT foi deixado crescer por necessidade do grande capital.
Talvez esteja errado, mas ainda assim direi que a galerias dos não capitalista já não suporta mais pesos pesados deste quilate.
respeitosamente de "O Catraio"
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