quinta-feira, 22 de maio de 2014

O Mistério das Campanhas Autopunitivas


1. Nas campanhas eleitorais, é natural que cada partido defenda as suas próprias posições e que combata politicamente as dos outros. No entanto, todos sabemos que os 16 partidos ou coligações que concorrem a estas eleições europeias são diferentes entre si. Várias linhas de clivagem  os separam: 1) serem contra ou a favor do atual governo; 2) terem ou não representação parlamentar; 3) de acordo com as sondagens, elegerem deputados ou não; 4) estarem à direita ou à esquerda, hesitarem ao centro.
Neste contexto, o impacto de cada força política não só depende das respetivas opções programáticas e das posições conjunturais assumidas, mas também do lugar que ocupe na paisagem política acima mencionada. A qualidade e a eficácia de uma linha de orientação dependem muito, por isso, do modo como se conjugam as propostas feitas com o lugar ocupado nessa paisagem. Radicam-se na coerência lógica, mas também no grau  de  harmonia com a posição que ocupam no xadrez político.

2. Isto vem a propósito de um dos vetores mais insistentes da campanha da CDU e do BE. Mais fortemente os primeiros, mas também os segundos, têm associado o PS aos partidos do Governo, metendo-os no mesmo saco. Não pretendo discutir aqui o mérito substancial das críticas ao PS e das posições criticadas.
 Quero, neste caso, apenas discutir a compatibilidade entre o apelo que ambos fazem a um castigo forte aos partidos da coligação que nos governa, de modo a deslegitimá-la ainda mais, e a tentativa de os colocar em conjunto com o PS, como se os três partidos tivessem uma responsabilidade conjunta pelo que aconteceu entre nós durante os três anos mais recentes.
De facto, se as sondagens não forem completamente desmentidas pelos resultados das próximas eleições europeias, a soma dos votos que venham a obter os partidos do governo mais o PS situa-se entre os 65 e os 70 % do total de votos. Em contrapartida, a soma dos votos que se espera virem a ser obtidos pela CDU e pelo BE, excedendo provavelmente os 15% dificilmente chegará aos 20%.
Deste modo, a CDU e o BE, quando for o momento de se comentarem os resultados eleitorais, ou caiem no ridículo de afirmar que os três partidos que eles puseram no mesmo saco sofreram uma pesada derrota por terem só 65% dos votos; e cada um deles uma brilhante vitória por ser parte de um bloco que teve menos do que um terço dos votos dos alegadamente derrotados. Ou reconhecem que o eleitorado homologou as políticas da troika ao dar cerca de dois terços dos votos aos partidos que o BE e a CDU acham ser os responsáveis pela política de austeridade.
Qualquer pessoa percebe que esta abordagem é objetivamente  favorável ao governo, uma vez que o poupa de ser confrontado com a existência de uma maioria eleitoral que  repudia as suas políticas. Ou seja, o BE e a CDU, ao não se dispensarem de atacar o PS, somando-o à direita, anulam uma boa parte da virulência com que atacam o governo, nessa medida se enfraquecendo a si próprios.

3. Por outro lado, a aposta na queda deste governo feita por estes dois partidos pressupõe que pensem substituí-lo por um melhor, ou que se aproxime mais das posições deles. Mas ao identificarem o PS com os partidos da direita que estão no governo, designando-os em conjunto, preconizando um castigo eleitoral que a todos envolva, estão a dizer que não consideram que um governo do PS seja melhor para eles do que atual.
Isto significa que implicitamente só um governo apoiado pela CDU e pelo BE representaria para ambos um passo em frente. Ora, a soma dos votos nos dois partidos, em eleições anteriores, nunca chegou aos 20%. Provavelmente, isso também acontecerá nas próximas eleições europeias. Ou seja, menos de metade dos votos daqueles  que necessitariam para formar governo. Por isso, só verdadeiros nefelibatas políticos podem assentar as suas estratégias no pressuposto de que conseguem passar, em pouco mais de um ano, de menos dos 20% que nunca alcançaram para mais de 40%.
Dir-se-á: embora não o digam, consideram que um governo do PS, em coligação com eles ou apoiado por eles, seria a solução que, concebível em termos de relação de forças, se traduziria num progresso. Duvido que isso aconteça. Mas se acontecesse, refletiria uma inqualificável hipocrisia. De facto, se assim fosse, a CDU e o BE atacariam o PS tentando colá-lo à direita, mas teriam também o sonho de se coligarem com ele ou de celebrarem com ele um acordo político de incidência governamental.
Poder-se-á dizer que estas considerações não colhem, porque estamos a falar de eleições europeias e não legislativas. No entanto, todos sabemos que não faz sentido desligar politicamente estas duas eleições, tanto mais que há apenas um ano a separá-las e que as oposições advogam, mais ou menos fortemente, a antecipação das próximas eleições legislativas.
É como se a CDU e o BE andassem afanosamente a embotar a acutilância dos seus próprios ataques ao governo, hipnotizados pela compulsão de terem que atacar sempre o PS. Este tem-se revelado mais sereno e seletivo nos alvos visados pelos seus ataques, centrando-os na direita governamental e reduzindo ao mínimo as respostas aos ataques que lhe fazem outros partidos de esquerda.

4. A CDU e o BE lamentam o alegado desprestígio da política, mas estruturam as suas campanhas com base em estratégias autopunitivas que quase se poderiam considerar estúpidas, se não fossem, porventura, reflexo de uma idiossincrasia passadista que ainda não acordou para o presente. Só a direita e os interesses instalados beneficiam com isso.

Na verdade, diga-se o que se disser, o Governo será derrotado se os deputados que os respetivos partidos elegerem não forem mais de metade daqueles que cabem a Portugal. A sua derrota será tanto maior, quanto mais longe ficar desses onze deputados. A oposição, pelo contrário, terá um êxito conjunto desde que no seu todo tenha esses onze deputados. A medida do êxito de cada um dos partidos que a compõem será dada pelos deputados que cada um eleger. O PS terá uma vitória devastadora se atingir sozinho os 11 deputados, pois isso equivaleria a obter uma maioria absoluta, se as eleições fossem legislativas. Terá uma vitória relativa, se for o partido com maior número de deputados. Terá uma vitória importante se tiver mais deputados do que os dois partidos da coligação governamental juntos. O BE e a CDU terão que comparar o número de deputados que elejam com o que elegeram na eleição anterior. As percentagens que forem obtidas podem sublinhar ou atenuar o mérito ou o desastre envolvidos pelo número de deputados eleitos. Se o MPT conseguir eleger um deputado, o sentido político da relação de forças assim gerada pode ter que ser reponderado, embora pareça claro que esse eventual deputado deve ser integrado nas oposições ao governo.

3 comentários:

Anónimo disse...

ÁH. O Edgar Morin!
Ele que explicou ensinando o processo da ida às urnas e como se comportavam os eleitores e de quem se aproveitava desses mesmos votos..!
Confesso o abismo em que caí . Apreendi seus ensinamentos ao contrário...Lastimo.
Sabendo que estas coisas de contagens e sondagens não são ciências exatas e que os pequenos partidos não vão a votos para o efeito - ganhar lugares ...resta-me dizer que eles vão ás campanhas essencialmente para divulgar a sua "mensagem" ideológica.
E por que tudo está preparado engenhosamente para isso.
Já na ditadura fascista, sabendo que não ganhava a Oposição Democrática concorria para o mesmo efeito.
Admira que um democrata e socialista advogue tais posições perante uma situação arbitral como a da ida ás urnas e seus somatórios como se fossem todos iguais...Como se não fosse o dinheiro somado á ignorância a força que leva ás vitórias Pirrentas.Sim porque depois de 4 ou de 5 em 5 anos lá vamos cantando e rindo..
Desculpas de o "Catraio" a entrar de novo.

Rui Namorado disse...

Sou um leitor atento do Morin, mas não me recordo de tal texto sobre as eleições. Não admira, do Morin é quase impossível ler tudo.

O seu comentário não é ao que digo no meu texto,mas ao que julga que eu talvez pense. Aliás, como deve calcular, essas vagas invocações de fascismos e oposições não me impressionam, nem procedem. E não têm nada a ver com o que escrevi. De facto, no meu texto não me pronuncio sobre o mérito absoluto ou relativo dos argumentos , mas sobre a coerência da sua conjugação com outros argumentos e posições tomadas pelos mesmos sujeitos políticos. A política é uma acção sobre a realidade e não a negação da realidade em nome das nossas posições. Do que diz, não há um vestígio de argumento que contradiga qualquer das afirmações que fiz. E isso, no seu caso, só é compreensível se, gostando como todos nós de ter razão no que pensa, começar a ter a sensação de que isso não acontece.

Anónimo disse...

Leia atentamente até ao fim das próprias conclusões e vai ver que lá chegará.
"O que vai no meu pensamento pode não existir na realidade" Sei!
E contudo a coisa vai acontecendo
A pretensão de alcançar um maior grau de legitimidade politica por uma analogia sistémica deste sistema anacrónico leva muita gente a se esconder nele mesmo...
Por isso as minhas desculpas por lembrar Morin...Respeitosamente de o "Catraio"