segunda-feira, 12 de maio de 2014

Ainda a diminuição do número de deputados.


Em 6 de outubro de 2012, publiquei neste mesmo blog um texto intitulado "DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE DEPUTADOS ?",que por sua vez remetia para um outro datado de 5 de fervereiro de 2011. 

A direita conseguiu instilar no senso comum a ideia de que o número de deputados, atualmente existente em Portugal, é excessivo, como se isso fosse uma verdade evidente e objectiva. Não é. É uma simples opinião que está longe de ser inatacável. Primeiro, porque comparando com outros países se pode ver  que é falsa; segundo, porque suscita incontornáveis consequências políticas. 

Por isso, achei que pode ser útil insistir na minha posição e na difusão dos seus fundamentos. Eis a transcrição do texto que aqui publiquei no dia 6 de outubro de 2012 :





A notícia:

“O secretário-geral do PS, António José Seguro, revelou hoje durante um jantar de comemoração do 5 de Outubro que o PS vai entregar ainda este ano uma proposta para reduzir o número de deputados na Assembleia da República.”

As justificações divulgadas:

1."maior proximidade entre eleitos e eleitores e uma menor dependência dos eleitos face às direções partidárias".
……………………………………
2. "introduzir maior transparência na vida pública e aumentar a exigência na prestação de contas".


Debate:

Como contributo para um debate que tem  necessariamente que ser travado dentro do PS , permito-me transcrever na íntegra um texto que publiquei neste mesmo blog, em 5 de Fevereiro de 2011, sob o título,

DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE DEPUTADOS


"O fantasma da diminuição do número de deputados é um dos fetiches mais perversos da vulgata do populismo de direita. Mas o que é mais estranho é que em diversos pontos da área socialista se levantem vozes também aliciadas pelo referido fantasma.

Sob pena de se resvalar para um concurso de palpites, em que será grande o risco de uma acumulação de dislates, não é possível analisar o caso português sem o comparar com o de outros países, nomeadamente com outros países europeus.

Pode ajudar muito essa reflexão, o importante estudo, que sustenta uma proposta de reforma do sistema eleitoral, da responsabilidade de André Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, publicado pela Sextante Editora em 2008 e intitulado
“Para uma melhoria da representação política”. Não pretendo comentar aqui esse trabalho, indispensável para quem quiser ter uma opinião sustentada sobre a temática em questão, apenas querendo chamar a atenção para a página 48, onde se pode ver um quadro comparativo da relação entre o número de deputados de cada país e a respectiva população, de um conjunto de trinta países, onde se incluem todos os países de União Europeia, acrescidos de um pequeno número dos que ficam de fora.

No quadro, considera-se para os países com uma única câmara o número dos seus deputados, para os países com duas câmaras a soma dos membros das duas câmaras. A maior parte dos dados reportam-se aos anos de 2005 a 2007, sendo subdivididos os trinta países em três grupos, em função da população de cada um. No primeiro grupo, situam-se os sete países com mais população; no segundo, que abrange Portugal, os dez países com um número de habitantes intermédio; no terceiro, os treze países menos povoados.

Se considerarmos em conjunto os 30 países, há nove países que têm um número de deputados por habitante inferior a Portugal, entre os quais se situam os sete países do primeiro grupo, mas há vinte países com um número de deputados por habitante superior ao de Portugal. Isto mostra que, em termos comparados, é uma lenda mistificatória alegar que no nosso país há um excesso de deputados. Aliás, se tivermos em conta que, como muitos especialistas sublinham, há uma tendência natural e objectiva para que nos países com elevada população a relação entre o número de habitantes e o número de deputados diminua, quanto mais não seja por razões funcionais, mais se acentua o carácter mistificatório dessa lenda. Aliás, entre os dez países do escalão intermédio, só a Holanda e a Bélgica têm menos deputados que nós, em termos relativos.

Revelando-nos esta comparação que a dimensão do nosso parlamento não está mal calibrada em termos relativos, ela milita, por si só, a favor da conveniência de não se diminuir nem aumentar o número de deputados, que aliás é hoje menor do que o foi nas primeiras Assembleias da República posteriores a 1974.

Mas alguns outros argumentos militam no mesmo sentido, desde logo o do agravamento das distorções de proporcionalidade que existem no sistema actual. Não só os partidos de menor dimensão correm o risco de se verem mais severamente retraídos do que os dois maiores, tornando-se a paisagem política artificialmente menos variegada, mas também o PSD alarga a sua vantagem em face do PS, no que diz respeito ao limiar percentual que cada um deles precisa atingir para conseguir maioria absoluta de deputados. Pode dizer-se que neste último caso o desfasamento entre os dois partidos é curto, mas é suficiente para ter um enorme significado político em termos práticos. Compreenderemos isso, se nos lembrarmos que, se os votos que obteve o PS com Guterres tivessem sido obtidos na altura pelo PSD, este partido teria chegado à maioria absoluta nas duas vezes, mas o PS não chegou lá em nenhuma. Quanto menor for o número de deputados mais se alarga esse pequeno desfasamento; o que talvez ajude a compreender por que razão o PSD procura com tanta sofreguidão e insistência a diminuição do número de deputados.

Ora, não achando eu que o PS deva subordinar a sua posição, quanto ao número de deputados, a uma expectativa de quaisquer vantagens, muito menos acho que o PS deva consentir que o PSD o faça, em seu detrimento. E o faça, não para corrigir qualquer injustiça que no sistema actual o prejudique, mas para alargar um favorecimento com que já o sistema actual o presenteia. Também por isto, quando vejo um dirigente do PS advogar a diminuição do número de deputados, numa dócil obediência à mais rasteira agenda da direita populista, fico na dúvida sobre se está apenas mal informado ou se foi possuído por alguma tontura política.

Por outro lado, a diminuição do número deputados, que só pode fazer sentido se for mais do que um simples ajustamento numérico de três ou quatro, iria acentuar, nos distritos menos povoados, o deslizamento para uma menor proporcionalidade a que a evolução demográfica tem vindo a conduzir.

Por último, não pretendendo ser exaustivo na argumentação, acho que se deve ter em conta que um parlamento para além de ser um órgão de soberania com funções específicas de natureza política, constitucionalmente fixadas, que envolvem naturalmente tarefas que devem ser bem desempenhadas, é também uma instância que exprime e representa a diversidade política de um povo e que outorga aos governos a legitimidade democrática; ou seja, é a fonte única (no caso português) e primária da legitimidade democrática dos governos. A essa expressão e a essa representação não é indiferente o número de deputados, nem a relação entre o seu número e o número de habitantes de um país. Abaixo de um certo limiar não podem deixar de se ressentir a respectiva qualidade. E para determinar esse limiar não pode deixar de se ter em conta a análise comparatística acima esboçada.

O único argumento concreto é o da poupança. Mas a diminuição de despesas em termos relativos é tão escassa que seria estulto atribuir-lhe relevo como condicionante das escolhas quanto à questão em causa. Aliás, seria de uma enorme irracionalidade politico-institucional, desqualificar o cerne, o lugar central da democracia em nome de uma pequena poupança, que poderia tornar inúteis muitas outras despesas em zonas políticas menos nobres ou mais periféricas, zonas essas que elas sim devem ser as que mereçam o reexame que possa conduzir a desejadas contenções de gastos. Repito, tentar essas contenções no número de deputados é pura demagogia simbólica, simples rendição, discreta mas efectiva, ao ranço mais desprezível dos ódios à democracia cultivados pelos sectores mais conservadores da nossa sociedade.
Em suma, faz bem o PS ao recusar firmemente a diminuição do número de deputados, não cedendo nem à sofreguidão interesseira do PSD, nem à vozearia rasteira do populismo mediático que odeia salazarentemente tudo o que cheira a órgãos eleitos.


De facto, deverão ser outras as suas preocupações do PS neste campo, tais como:

1º- instituir as eleições primárias, como método de escolha dos candidatos do PS ;

2º- garantir um leque diversificado
e ambicioso de competências políticas, técnica e culturais no seu grupo parlamentar ;
3º- procurar fazer com que a escolha dos deputados do PS recaia sobre pessoas cuja indicação prestigie mais o PS do que a elas próprias."

Depois do texto uma prevenção:

Nada de politicamente mais estéril e de eticamente mais discutível do que procurar compensar um conservadorismo imobilista quanto ao modo de funcionamento do PS, com cedências no plano institucional feitas na esteira do PSD ao populismo anti-parlamentar e reaccionário que sopra no ambiente de confusão reinante. 
E nada pode agravar mais  o risco dessa deriva do que passar por cima da realidade( ou não ter o cuidado de a conhecer) e recorrer a argumentos superficiais que possam parecer tontos.


2 comentários:

Anónimo disse...

Tenho que para mim o número de deputados não é o mais importante. Prefiro a sua qualidade e competência e a vontade de servir o seu país.
Já que comparamos com outros países...porque não duas câmaras.
Porque não por regiões. Bem sei que a regionalização parece fazer mal a muita gente, bem sei. Só que as forças politicas em campo se cansaram de a apoiar.
Uma pequena alteração á constituição e os deputados ficariam mais libertos dos aparelhos partidários e mais próximos dos eleitores e do povo.
É só quererem os actuais parlamentares! Sei que não é fácil...
De o "Catraio" com respeito


JGama disse...

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