1.As recentes eleições autárquicas começam,
pouco a pouco, a ocupar o seu lugar no passado. E muitos são aqueles que
gostariam de as dar como desaparecidas. Mas como elas cometem a teimosia de
terem existido, parece-me oportuno refletir sobre os seus resultados, já que os
respetivos efeitos são duradouros mesmo que os afastem cuidadosamente da
superfície mediática. E por mais que custe aos vencidos eles introduziram na relação
de forças política um incontornável e relevante elemento novo.
A semana que
decorreu logo depois delas foi a segunda parte de uma grande operação de
desvalorização dos seus resultados e de mistificação do seu significado. Uma
operação começada na própria noite subsequente às eleições. Operação que só não
teve êxito, porque os resultados foram demasiado distantes daquilo que a direita admitia como provável.
Devemos ter,
aliás, bem presente que estas eleições
autárquicas, para além do seu objetivo essencial e óbvio de escolherem as governações
municipais e por freguesia, por quatro anos, foram um barómetro de aferição muito
fiável quanto ao grau de apoio a cada partido e um novo elemento na relação de
forças atualmente vigente no xadrez político português.
Os resultados verificados
devem, em primeiro lugar, ser avaliados em si próprios, em termos absolutos,
mas a nossa compreensão acerca do seu significado político ganhará com uma
comparação com resultados anteriores. Essa comparação deverá envolver
naturalmente os resultados das autárquicas anteriores, mas não deverá esquecer
os mais recentes resultados de outras eleições, nomeadamente, os das
legislativas de 2011.
2. O governo sofreu uma severa derrota que,
no entanto, se repercutiu diferentemente no PSD e no CDS. O CDS, titular até
então de uma única Presidência de Câmara sem coligação, conseguiu passar para
5. O PSD, pelo contrário, perdeu 33 presidências, ficando-se pelas 106. O facto
de dezasseis delas serem resultado de uma coligação, em regra e pelo menos, com
o CDS agrava o significado do seu recuo. No mesmo sentido, o facto de algumas
dezenas de coligações entre os partidos do Governo terem sido vencidas embacia muito
o brilho do resultado do CDS e torna ainda mais pesada a derrota para o PSD.
Em número de
votos, pese embora a dificuldade de neste caso se chegar a números comparáveis,
os partidos do governo, em conjunto, parecem ter ficado empatados com o PS, se
contarmos todos os votos de todas as coligações em que tenha entrado pelo menos
um deles. Mas, em 2009, juntos haviam atingido uma vantagem em número de votos de
mais de quatro pontos percentuais sobre o PS.
O PSD resistiu
razoavelmente no que diz respeito às capitais de distrito e das regiões
autónomas, ao conservar 8 em 20, 3 das quais em coligação, mas mesmo assim
abaixo das 11 que antes detinha. No entanto, além de continuar sem Lisboa,
perdeu os outros três concelhos dos quatro mais populosos : Sintra, Gaia e
Porto. E se olharmos para o conjunto dos vinte concelhos mais populosos,
verificamos que o PSD ganhou apenas cinco, três dos quais em coligação com o
CDS.
O PSD foi o
único partido que recuou em número de presidências, tendo perdido, como já
disse, 33 ( salvo o caso do BE que perdeu a que tinha). Este desaire
traduziu-se na perda da Presidência da Associação Nacional de Municípios que
ocupava desde 2001. Mas o golpe político mais fundo foi o que sofreu na
Madeira, perdendo sete dos onze municípios; e experimentando a primeira derrota
eleitoral depois do 25 de abril.
3. Olhando para o comportamento do BE na
campanha, fica-se na dúvida sobre se adotou uma estratégia plena de cambiantes
e de subtilezas, ou se, pura e simplesmente, não teve estratégia.
Altaneiramente
resistente a qualquer aliança com o PS, na sequência do que, por certo, imagina
ser uma virtude, foi ironicamente recompensado com a sua única participação
numa vitória política pelo pecado de uma aliança com o PS, cometido no Funchal.
No resto foi um desastre: perdeu a sua única Presidência, que esforçadamente
vinha conservando há vários mandatos e viu um dos seus líderes máximos ficar à
porta da pequena ambição de ser um aplicado vereador no município de Lisboa.
Num ou noutro
município de relevo, como Coimbra e Braga, aceitou diluir-se em grupos de
cidadãos. O futuro dirá se o BE teve a inteligência de uma iniciativa de
alargamento que dará frutos mais adiante, ou se foi apenas um instrumento
politico de vontades mais fortes, ainda que localmente circunscritas. Para já,
foi claro que por mais que, no rescaldo das eleições, tentasse incorporar como
ativos seus, ainda que partilhados, os resultados desses grupos de cidadãos, o
BE não escapou à imagem de uma deriva que confirma o aprisionamento numa
irrelevância autárquica, cuja continuidade e agravamento sugerem uma natureza
estrutural.
4. A fazer fé nos próprios, o PCP (CDU)
teve um resultado eleitoral quase avassalador. A comunicação social dominante e
uma boa parte dos comentadores encartados sublinharam também a excelência do
seu resultado. Foram sempre mais rasgados os elogios aos resultados do PCP do
que aos do PS.
E, no entanto,
em relação às eleições anteriores o PCP subiu apenas seis presidências,
passando de 28 para 34. Em percentagem geral de votos ficou pouco acima dos 11%
o que significou uma subida inferior a 2% relativamente a 2009. Se tivermos em
conta os resultados das legislativas de 2011, a subida é ligeiramente mais
expressiva, dado que parte dos 7,9% então alcançados.
É certo que a
qualidade dos municípios conquistados pela CDU melhorou. Passou a presidir a
três (mais duas) capitais de distrito, bem como a três (mais um) dos vinte
municípios mais populosos. Mas nada que justifique a mensagem subliminar
tentada de que o castigo aos partidos do governo se consumou através da votação
na CDU. Continua uma força política municipalmente confinada ao sul do país. De
facto, tem 25 das suas presidências distribuídas pelos distritos de Setúbal,
Évora e Beja, enquanto as outras nove estão dispersas por mais cinco distritos.
De qualquer
modo, o PCP ficou longe do número de vitórias que foi regra nos anos 80 e 90,
cujo pior resultado foi em 1997 com 41 e
cujo melhor resultado foi em 1982 com 55, ano em que o PS teve apenas 83
presidências.
5. O PS venceu estas eleições, pese embora
toda a cortina mediática que pretendeu esbater ou até ocultar essa vitória.
Conquistou 150 (1 em coligação) Presidências de Câmara, o que correspondeu uma
subida de 18 Presidências relativamente a 2009, quando havia conseguido o seu
melhor resultado de sempre, até então.
Foi o partido
mais votado, tendo tido aproximadamente o mesmo número de votos do que a soma
dos que obtiveram os partidos do governo e os seus pequenos aliados. Em termos
percentuais desceu 2% em face de 2009, mas em vez de, como aconteceu então, ter
ficado com menos 4% dos votos do que os partidos da direita, ficou agora a par
deles. Mas se compararmos as percentagens eleitorais de agora com as das
eleições legislativas de 2011, verificamos que o PS progrediu mais de 8%, tendo
recuperado por completo o atraso de 22% que então o separava do conjunto dos
partidos da direita que estão no governo.
Se olharmos para
as presidências de câmara conquistadas pelo PS, valorizando a sua importância,
verificamos que ganhou os três municípios mais populosos, que ganhou em nove
dos vinte municípios com mais população e em sete das vinte capitais de
distrito e das regiões autónomas (uma das quais em coligação).
Quanto ao
caracter nacional da implantação do PS em termos de presidências de municípios,
contando com os distritos e as regiões autónomas, o PS detém o maior número delas em 8, sendo um dos dois partidos com
maior número em mais 4. O PSD venceu em outros cinco e o PCP em 3. Por último,
o PS é o único partido que obteve presidências em todos os distritos e regiões
autónomas, mostrando assim a sua implantação nacional.
6. As listas de
cidadãos não assumidas formalmente por nenhum partido passaram de sete
presidências de câmara para treze. O número de candidaturas deste tipo aumentou
também por comparação com 2009.
Considerando apenas
as candidaturas que venceram, é impossível encontrar qualquer denominador comum
político entre elas que seja significativo. Vejamos alguns exemplos: a
candidatura de Oeiras foi “isaltinodependente”; a do Porto foi fruto de
rivalidades no interior do PSD, tendo contado com o apoio oficial do CDS; em
Portalegre e na Anadia as candidaturas independentes resultaram de questões
internas do PSD; em Matosinhos e em Vila Nova da Cerveira, resultaram de
questões internas do PS.
A instituição de
eleições primárias justas e democráticas para a escolha dos candidatos, pelo
menos no caso do PS, teria certamente reduzido os problemas e tinha reforçado
muito as candidaturas apresentadas. Provavelmente, tendo-se seguido esse
caminho a vitória teria sido ainda mais expressiva.
7. O crescimento da abstenção e a enorme
quantidade de votos brancos e nulos, sendo fenómenos distintos, merecem todos
eles mais do que uma chuva de palpites, em que cada crânio procura tirar do
bolso uma ideia luminosa, que ele acha injustamente esquecida, para fazer
passar como remédio dessa nova maleita política.
Precisamos de
saber qual o grau de abstenção técnica, qual o impacto das recentes vagas de
emigração, qual o nível de rejeição do próprio regime nela refletido, em que
medida estamos perante uma pré-mudança de voto (já se decidiu abandonar a
antiga opção, mas ainda se não escolheu a nova), em que medida estamos perante
o simples desespero dos eleitores, demasiado aflitos para terem esperança de
que o voto influa no seu futuro, demasiado amargurados com a vida para agirem.
Enfim, seria muito útil fazer-se um estudo sério destes fenómenos, para que
quem quisesse contrariá-los pudesse saber o terreno que pisa.
8. Falemos, por fim, muito brevemente nos
resultados das eleições para as assembleias de freguesia. Faltando concluir o
processo em 17 das 3092, segundo dados hoje difundidos, o PS foi o partido com mais
vitórias: 1280 (das quais cinco em coligação), correspondendo a 41,26 % do
total. O PSD foi segundo, com 1230 (320 das quais em coligação), correspondendo
a 40% do total. Seguiram-se, os independentes com 11%; a CDU com 5,5; e o CDS
com 1,46 %. Estes resultados garantem ao PS a presidência da ANAFRE. De um modo
geral, o tipo de relação de forças existente no plano municipal mantém-se nas
freguesias.
9. Os resultados destas eleições
autárquicas confirmaram a continuidade do tipo de relação de forças inscrito
nas sondagens difundidas no último ano e referentes a eleições legislativas.
O PS era a força
política que enfrentava uma incerteza maior. Noutros países europeus, outros
partidos pertencentes ao Partido Socialista Europeu, viram-se recentemente
confrontados com importantes fracassos. No caso grego, assistiu-se ao dramático
apagamento do PASOK; no caso espanhol, tem-se observado como o PSOE desce nas
sondagens quase em paralelo ao partido de direita que está no governo; no caso
alemão, após o exercício de dois mandatos, viu-se a Sr.ª Merkel ficar mais de
15% acima do SPD, que se ficou pelos 25%. Ao situar-se eleitoralmente acima dos
35 por cento, o PS mostrou ser um dos três membros do Partido Socialista
Europeu a atingir atualmente este patamar.
Pelo contrário,
o peso autárquico do PSD foi significativamente restringido com a perda de mais
de trinta presidências de câmara, ao mesmo tempo que ficava sem hegemonia
autárquica no seu histórico bastião, a Região Autónoma da Madeira. O CDS fez
uma festa imensa por ter ganho quatro presidências ao PSD, passando a ter 5,
mas se virmos bem não conseguiu sair do conjunto daqueles partidos que são
irrelevantes, no plano autárquico.
O PCP, pesem
embora os seus bons resultados, não conseguiu sair do modesto patamar em que se encontrava. O
acréscimos presidências conquistadas não o fez regressar aos níveis que atingiu
continuadamente nas duas últimas décadas do século vinte.
O BE ao perder a
sua única presidência, ao falhar outros objetivos nada ambiciosos, ao ter
aceitado diluir-se em candidaturas alegadamente independentes, apenas conseguiu
registar no seu ativo a partilha de uma vitória, através de uma coligação
liderada pelo PS em que participou com outros partidos (Funchal). Viu assim afastar-se
uma vez mais a materialização do sonho de adquirir uma expressão autárquica
relevante, único antídoto político estrutural ao seu alcance, para reduzir a
sua volatilidade eleitoral.
Numa derradeira
observação, vale a pena sublinhar que todos aqueles que acham que estes
resultados representam uma derrota fragorosa da direita e um passo relevante
rumo a um maior isolamento do governo ( e acham bem ), estão a reconhecer
implicitamente que a clivagem estruturadora do atual quadro político português é
a dicotomia governo/oposições e não a que opusesse os partidos que subscreveram
o memorando da troika aos outros. Na verdade, dar centralidade a esta segunda
clivagem, pelo contrário, é o mesmo que defender os primeiros tiveram 261
presidências contra 34 dos segundos, o que só por delírio se poderia considerar
uma vitória dos segundos. E assim se cairia no absurdo de achar que estas
eleições eram a vitória de um bloco que incluiria o governo. Todas as opiniões
são legítimas, mas a ninguém é logicamente consentido que se desminta a si
próprio.
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