sábado, 22 de janeiro de 2011

AS ELEIÇÕES E O REFORÇO DO COMBATE À CORRUPÇÃO


Amanhã é um dia importante. Pode fixar-se o quadro no âmbito do qual vai ser travada a luta política durante os próximos anos. As sondagens apontam para uma decisão à primeira volta da eleição presidencial , mas, se ocorrer um desfasamento idêntico ao que se verificou há dez anos em circunstâncias idênticas, entre as sondagens e os resultados, teremos uma segunda volta. Numa segunda volta, tudo pode acontecer.

As carpideiras encartadas pela campanha eleitoral, que também as há, decretaram a nulidade de tudo o que no decurso dela foi dito. Percorreram, implacáveis, todos os recantos dos discursos e, com um feroz esgar de reprovação, distribuíram zeros sem piedade. Bebericando o seu uísque na aconchegante poltrona de uma sólida auto-imagem, fulminaram os mortais com o raio certeiro da sua hiper-crítica. É pena que os mortais cada vez os olhem mais como trapos rabujentos de uma frustração qualquer, ou como efeitos colaterais de uma pose vazia, por detrás da qual quase nada existe.
Com isto, não estamos a absolver por completo os protagonistas políticos mais marcantes, quer pelo excesso de banalidades tão exaustivamente repetidas, quer pela excessiva carência de uma lógica argumentativa que cultive as respectivas identidades, em vez de as ocultar, quer pelo excesso de ostentação de multidões de adeptos em detrimento de uma autêntica sementeira de ideias. Mas daí a reduzir a zero tudo o que muitos pensaram e disseram, esquecer o calor dos entusiasmos próximos da esperança, vai a incomensurável distância entre o oito e o oitenta.


No entanto, quer o resultado eleitoral venha a abrir um novo tempo desafiante, com um Presidente que esteja dentro da poesia, capaz de convocar a nossa cultura e de compreender a aventura de ser português, para nos fazer aproximar de um futuro cosmopolita e justo; quer nos condene a mais alguns anos de arrastamento através da insalubridade de um cavaquismo decadente, já ficou desta campanha, como efeito colateral virtuoso, o imperativo de se deslindar politicamente o embroglio cavaquista que toldou a cena política como uma das causas mais marcantes da asfixiante sombra de promiscuidade entre política e negócios.

De facto, o vasto painel de favores e cumplicidades que paulatinamente se foi alargando, desde os velhos tempos do cavaquismo, vai mostrando possíveis conexões antes ocultas. Tudo começou pelos perdões fiscais em pleno cavaquismo governamental, evoluindo para uma imaginosa SLN que gerou um trivial BPN. As coisas começaram a azedar quando o inocente banco se transformou num caso de polícia, que envolveu alguns protagonistas dos velhos perdões, lugares tenentes de Cavaco. Um deles foi o seu generoso favorecedor no célebre caso das acções da SLN. Há ainda o labirinto de incongruências, distracções e acasos no recente caso da vivenda, também ela envolvida no incómodo perfume da SLN. Estamos perante um verdadeiro case study de promiscuidade entre política e negócios que não deve ser esquecido.
Não deve ser esquecido, como ponto de partida para a abertura de uma nova vertente no combate à corrupção; não como sôfrega procura de possíveis culpados no plano do direito, ou sequer como meio de suscitar censuras no plano da ética. Quanto aos aspectos que envolvam ilicitudes ou ilegalidades, hão-de funcionar os tribunais; quanto aos aspectos em que tenha fraquejado a dignidade que funcionem as consciências. Eu estou a falar apenas no plano político para se compreender a extensão de uma a promiscuidade entre política e negócios que esse caso tão sugestivamente documenta.

A revelação da necessidade de abrir uma vertente nova no combate à corrupção, não dispensa que se continuem a reforçar e a aperfeiçoar os meios clássicos dessa luta, mas mostra com claeza que eles incidem na parte visível de um grande iceberg, tendo chegado um tempo em que se tornou imperativo cuidar também da sua parte submersa. As origens da presente crise financeira internacional apontam no mesmo sentido. As ilegalidades que configuram a corrupção têm que ser combatidas com eficácia crescente, mas não se pode descurar a necessidade de se enfrentar o que há de estruturalmente injusto e de eticamente ilegítimo no edifício do capitalismo actual, nas suas rotinas predatórias incontroladas, na sua tendência inata para fabricar privilégios e desigualdades, na sua vocação profunda para concentrar em poucos a riqueza à custa da miséria de muitos.

O comprovado extravio político do cavaquismo tardio nas areias movediças da SLN/BPN veio tornar evidente que há um novo território a percorrer no combate à corrupção. Um território essencialmente político cujo atravessamento nos conduza a um patamar mais ambicioso da consistência da subordinação do poder económico ao poder político e a novos instrumentos de regulação da actividade financeira, bem como aos impedimetos e às restrições que se revelem adequadas a um efectivo reforço da garantia de que a promiscuidade entre negócios e política tem os dias contados.

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