domingo, 12 de dezembro de 2010

PS/COIMBRA : duas eleições frustradas


1. Por duas vezes, se frustrou recentemente, em reuniões da Comissão Política da Federação de Coimbra do PS , a eleição do Secretariado da Federação. Vou hoje analisar os aspectos estatutários dessa questão, sem me preocupar com uma análise política do que está a acontecer.

Nos termos do art. 46 dos Estatutos do PS são órgãos de cada Federação, entre outros, a Comissão Política da Federação e o Presidente da Federação.

Nos termos do nº 7 do artº 47 dos mesmos Estatutos : « O Secretariado da Federação é eleito em lista completa, pela Comissão Política da Federação, de entre os seus membros, sob proposta do Presidente da Federação ».

Segundo o nº 10 do art.19 dos referidos Estatutos : « Quando a lista submetida à votação depender da propositura de outro órgão, a sua eleição ocorrerá com a obtenção da maioria favorável dos votos expressos ».

Conjugando estes três preceitos dos Estatutos do PS, verifica-se que o Secretariado de cada Federação distrital é eleito pela respectiva Comissão Política Federativa, sob proposta de um outro órgão, o Presidente da Federação, o que implica, para que esse Secretariado se considere validamente eleito, « a obtenção da maioria favorável dos votos expressos ».

Portanto, em qualquer das duas votações recentemente ocorridas, para a eleição do Secretariado da Federação de Coimbra, os estatutos foram respeitados, o que também aconteceu quando, em ambas, foi declarado não eleito o Secretariado proposto, uma vez que teve mais votos desfavoráveis do que favoráveis.



2. No calor das controvérsias, foi aventada a hipótese de, perante a repetição do resultado da primeira votação, o que realmente veio a ocorrer, o Secretariado Nacional impusesse uma Comissão Administrativa à Federação de Coimbra.

Ora, a única hipótese, admitida pelos Estatutos do PS, em que o Secretariado Nacional pode impor uma Comissão Administrativa, que substitua o Secretariado de qualquer das Federações, é a que resulta do art. 56 dos Estatutos, cujo nº 3 diz que : « No caso de se verificarem vagas no Secretariado da Federação, compete à Comissão Política da Federação eleger os membros em falta, sob proposta do Presidente da Federação” ; acrescentando o número seguinte que : « Nos casos em que a suspensão ou demissão de elementos do Secretariado da Federação provoquem a falta de quorum, e se a Comissão Política da Federação não proceder atempadamente à sua substituição, o Secretariado Nacional pode nomear uma Comissão Administrativa, que substituirá o Secretariado até à eleição de um novo ».

Percebe-se que a previsão inscrita neste artigo nada tem a ver com o que ocorreu em Coimbra recentemente e atrás se referiu. Está em causa, neste último preceito, o suprimento de uma inércia de um órgão que não actue « atempadamente ». Suprimento esse, que consiste na instituição provisória de um Secretariado, até que o órgão competente para o escolher quebre a sua inércia e assuma na prática a competência que tem. É essa inércia que desse modo se sanciona, nesses exactos e moderados termos, não o conteúdo de uma decisão.

Ora, o que ocorreu, recentemente, em Coimbra foi muito diferente. No exercício da sua competência o Presidente da Federação submeteu, uma e outra vez, uma lista ao sufrágio da Comissão Política da Federação que, também no legítimo exercício das suas competências, recusou a sua aprovação. Não tendo havido qualquer atropelo aos Estatutos, nem a qualquer preceito legal, de um ponto de vista jurídico não pode haver lugar a qualquer sanção.

Pensar o contrário, só faz sentido defendendo-se que a CPF estava obrigada a votar a favor da proposta que lhe foi apresentada. Mas isso é algo que não faz sentido. Seria de facto uma inovação inaudita dar a uma qualquer estrutura um poder de escolha, acompanhando-o com a imposição de que essa escolha lhe fosse ditada do exterior. Aliás, se fosse essa a posição querida pelos Estatutos, eles devê-lo-iam ter dito com clareza, dispondo expressamente que o Secretariado da Federação fosse designado pelo Presidente da Federação. Mas, não sendo isso que dizem expressamente, quando o poderiam fazer, não faz sentido sustentar esse exótico entendimento como tácito ou implícito.

Parece, pois, claro que nem o Secretariado Nacional, nem qualquer outro órgão nacional têm legitimidade para impor uma Comissão Administrativa à Federação de Coimbra, apenas por terem ocorrido as duas votações referidas com os resultados que tiveram.

3. Sendo assim, só está ao alcance dos órgãos nacionais do PS o recurso ao art. 100 dos Estatutos, que no seu nº 3 diz : « A Comissão Nacional, sob proposta da Comissão Política Nacional, e após prévia audição do respectivo órgão executivo, pode dissolver qualquer Secção ou Federação que deliberada ou sistematicamente viole a Declaração de Princípios, o Programa do Partido, os Estatutos ou os Regulamentos do Partido ». Sendo certo que nos termos do número seguinte : « Das deliberações previstas nos números anteriores 1 e 3 cabe recurso para a Comissão Nacional de Jurisdição, a interpor dentro do prazo de quinze dias ».

Assim, a interferência de órgãos nacionais na vida de uma Federação não decorre de nenhuma superioridade hierárquica legalmente reconhecida, que coloque na dependência da sua vontade se, quando e como podem intervir numa estrutura distrital. Pelo contrário, só a Comissão Nacional, depois do conjunto de diligências acima apontadas e perante uma prévia proposta da Comissão Política Nacional, pode dissolver uma Federação. Mas só a pode dissolver desde que ela « deliberada ou sistematicamente viole a Declaração de Princípios, o Programa do Partido, os Estatutos ou os Regulamentos do Partido » e não por qualquer outra razão..

Portanto, todos os receios de outro tipo de intervenção são simplesmente fantasiosos, na medida em que sendo anti-estatutários são ilegais ; e sendo ilegais não podem estar no horizonte das possibilidades cogitadas pela direcção nacional do PS.

4. Tudo isto apenas pretende demonstrar que estamos perante uma questão política e não perante uma infracção estatutária. E uma questão política como esta só pode ser resolvida, pela livre e conjugada decisão dos militantes da Federação de Coimbra investidos das responsabilidades que os militantes neles delegaram, sem interferências administrativas exteriores, que como vimos carecem de legitimidade e de fundamento jurídico.

2 comentários:

Henrique Dória disse...

No que tu te metes Rui! Bem dizia o teu tio Joaquim que a tua grande vocação era a de pedagogo. Um abraço.

Rui Namorado disse...

Mesmo que o não tenha dito, é bem imaginado.

Abraço.