sábado, 14 de junho de 2008

Frutos amargos de um bloco central


1. As mais recentes sondagens divulgadas na Alemanha atribuem ao SPD cerca de 20% das intenções de voto, o que, se fosse um resultado eleitoral efectivo, seria o mais baixo desde 1949 e um desastre político inimaginável.

Não pode deixar de se pensar que são esses os mais ostensivos frutos, para a esquerda democrática alemã, da sua adesão ao bloco central dirigido pela Srª Merkl. É como se uma parte do relativo viço político dessa fogosa alemã fosse conquistado, à custa da anemia crescente do SPD.

2. Há quem veja neste declínio uma sequela política de mudanças estruturais de natureza social, ocorridas na Alemanha. Sem menosprezar esse ângulo de análise, não se podem ignorar outros factores.

Para mim, um dos que não pode ser ignorado é o que resulta do facto de o bloco central, por que se optou, ser uma solução que, tendo sido constitucionalmente válida e politicamente legítima, contrariou o essencial da mensagem transmitida pelo eleitorado, quando votou nas últimas legislativas.


De facto, nessas eleições defrontaram-se dois blocos, ambos internamente heterogéneos: à direita, o bloco democrata-cristão e o partido liberal; à esquerda, o SPD, os Verdes e um novo partido, resultante da fusão dos ex-comunistas com os dissidentes do SPD, liderados por Oskar Lafontaine ( Die Linke - A Esquerda).

Na competição entre os dois grandes blocos, a esquerda teve uma maioria clara. Na competição entre os partidos, o bloco democrata -cristão(CDU/CSU) foi o vencedor, com algumas décimas de vantagem sobre o SPD. Por isso, a srª Merkl nunca poderia ter sido chefe do Governo alemão, sem o apoio de algum dos partidos da esquerda. Pelo contrário, o leader do SPD poderia ter chegado a esse lugar, sem necessitar de qualquer apoio à sua direita.


O SPD, no entanto, recusou liminarmente ser governo, se isso dependesse do apoio do novo partido de esquerda. E, todavia, o apoio dos Verdes não lhe bastava para chegar à maioria absoluta de deputados. Assim, ao arrepio da vontade global dos eleitores alemães, aceitou apoiar um governo de coligação CDU-CSU/SPD, liderado por uma democrata-cristã, transformando uma vitória pífia da Srª Merkl num passaporte para um protagonismo prestigiante, que pode aniquilar as hipótese de poder do SPD, por muitos anos.


E se o SPD mergulhou nesta aventura imprudente, com a ilusão de que esse era um caminho seguro, para quebrar à nascença a afirmação de um novo partido de esquerda, viu as suas expectativas sucessivamente iludidas, em várias eleições em estados alemães, que foram palco da emergência desse partido, como um novo integrante nos parlamentos regionais.

Paralelamente, ilustrando o acerto dos que sempre acharam que a identidade dos Verdes, em vez de ser expressão duradoura de uma esquerda mais distante do centro político do que a esquerda tradicional, era uma identidade absorvível, a prazo, por possíveis cantos de sereia vindos da direita, desenha-se na Alemanha a possibilidade de uma aproximação dos Verdes com a direita.


3. Nestes termos, a quebra de popularidade do SPD ocorre numa conjuntura particularmente difícil. Os Verdes deixaram de ser um aliado imune aos apelos da direita; "Die Linke" parece firme num patamar de intenções de voto, acima dos 10% e enraíza-se nos Estados da ex- RFA, onde antes nem existia.

Ou seja, a uma deriva traduzida na impregnação pela ideologia neoliberal dominante, iniciada com o governo SPD/Verdes, seguiu-se a insistência em contrariar a mensagem do eleitorado de esquerda, atirando uma boa parte dele para o desespero, para o cepticismo e para a desconfiança quanto ao SPD, em si próprio.

Os sindicatos afastam-se cada vez mais dele, a sua ala esquerda ganha uma relativa proeminência interna, mas a sua ala direita conserva a força a suficiente para impedir uma revisão de alianças, que possa servir de base a um futuro governo, apoiado por todas as esquerdas alemãs.

Para além destas dificuldades, o SPD vive objectivamente um dilema: se o isolamento do novo partido não o impedir de crescer e se o SPD continuar com a sua deriva centrista, arrisca-se a ser um verdadeiro promotor do partido da esquerda que queria destruir. Mas aliar-se com ele, pode legitimá-lo, sendo objectivamente uma auto-crítica, por não o ter feito de modo a que a Srª Merkl nunca tivesse chegado à Chancelaria. Mantê-lo de quarentena, pode ser sinónimo de garantir, ao próprio SPD, que não voltará ao poder tão depressa, a não ser como parceiro subalterno (cada vez mais subalterno) dos democratas-cristãos.

É uma situação complexa, sendo cada vez mais claro que os partidos socialistas que se conformem com a eternização do capitalismo, renunciando ao eixo da sua própria identidade e da sua razão de ser, correm o risco de se meterem em situações desesperadas.

E, como a sua substituição por outros protagonistas de esquerda, como partidos de governo, nem é certa, nem seria nunca rápida, se colapsarem, abrir-se-á um tempo de domínio unilateral da direita na Europa, que pode ser a porta para graves convulsões sociais e para novas incertezas políticas. Convulsões, aliás, que há anos se têm vindo a anunciar, através de sinais que os poderes europeus irresponsavelmente ignoram.
Por seu lado, paralelamente, a maior parte das direcções dos partidos da Internacional Socialista tem vindo a embrulhar esses prenúncios num discurso redondo e repetitivo, incapaz de equacionar sequer os problemas que verdadeiramente bloqueiam as sociedades europeias, em tempo de capitalismo globalizado.


A situação do SPD é já dramática, outros partidos da Internacional Socialista estão em dificuldades. Em Itália, por exemplo, os ex-comunistas chegaram apenas há poucos anos à família socialista europeia, mas ei-los que já se aprestam a abandoná-la, numa vergonhosa caminhada para a direita, perante uma reacção, inesperadamente mole, das lideranças do Partido Socialista Europeu.

E nós? Dormimos tranquilamente rendidos ao aconchego das frases feitas, consentindo que os conservadores-liberais do Partido Popular Europeu reduzam a Europa às suas modestas medidas de luzidos pajens dos grandes interesses económicos do capitalismo mundial ?

E nesse sono haverá quem sonhe com um futuro bloco central, em sinergia com o que parece ser a melhor hipótese que a nova direcção do PSD a si própria coloca como futuro próximo ?
Enfim, durmamos...

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