Liguei a Televisão. Uma Senhora murcha arrastava um discurso cinzento. Na plateia algumas figuras pachorrentas, numa dormência triste, concediam palmas num ritual cansado. Era o congresso do PSD.
A oradora subira penosamente as pregas do discurso numa sucessão de lugares comuns. No que pareceu um golpe de asa, reuniu todas as energias, declarando que não desmentia aquilo que se esperava que ela desmentisse, porque não gastava o tempo com fantasias. Grande frontalidade.
Subitamente, os congressistas, que espalhavam pela sala uma modorra lenta, pareceram querer regressar à vida: a Senhora ia a atacar o PS, a Senhora ia a atacar Sócrates.
Ainda uma pausa e o ataque partiu. Por um momento, os aplausos prometeram-se nos olhares dos congressistas. Mas, num golpe de gelo, em vez da farpa fatal que deixaria Sócrates desmoronado, a Senhora limitou-se a sussurrar melancolicamente que o Governo socialista estava esgotado. Esgotado - eis o máximo de farpa de que foi capaz. Esgotado, diriam depois os acólitos, num eco já desesperado, como se procurassem conquistar, na repetição apressada de uma palavra baça, um renovado viço, ou um inesperado veneno.
Continuou, entrando garbosamente pela economia. Mas, quando se esperava o diagnóstico certeiro que desnudasse a incipiência económica do Governo, perante a luz ofuscante da competência da Senhora, ela apenas titubeou num breve trovão envergonhado: que o Governo se excedera em fantasias e agora ia pagá-las caro.
Alguns pavões que passeavam pela sala uma importância solene, puderam aplaudir esse abismo de profundidade. Ou seja, o máximo de exultação possível concedido aos barões laranjas era o eco forçado de uma banalidade: a Senhora sugeria-se, por contraponto, fresca como uma alface, garantindo que não ia em fantasias.
Mesmo com os pés presos à terra, faltava-lhe, contudo, o retoque final. Um detalhe que prenunciasse glória, uma frase que semeasse infinito. Mas, finalmente, a Senhora disse-a: "Acabou o quero, posso e mando do governo!"
No livro verde das anedotas escreveu-se um novo sorriso: "Quero, posso e mando" - o célebre tripé que a contra-informação celebrizou, pela boca de humor de um boneco do Dr. Carvalhas.
Ou seja, a dama de cinza, glória suspensa do PSD, quando quis ribombar, esmagando a alma do PS, arrasando-o com o vento impiedoso de uma única frase, não conseguiu melhor do que a esforçada cópia de uma sombra esquecida de um ex-secretário-geral do PCP, em versão humorística.
Uma brisa melancólica chamava para jantar os congressistas. A Senhora, presa a um labirinto de palavras dispersas, por um discurso sem norte, esmaecia. Súbito, mais uma vez, uma última vez, pareceu querer ressuscitar. Do seu baú de secas palavras, pareceu, finalmente, extrair a consistência de um facto. Um facto robusto, contido mas forte, perante o qual o PS se tivesse que ajoelhar, temeroso e apreensivo.
E o facto chegou, ufano e imponente: "O PS sempre menosprezou o PSD. Nunca lhe ligou a mínima ! Tratou-o como se não existisse."
Houve um momento de suspensão. Porém, já as primeiras palavras partiam para os afagos dos primeiros ecos, e eis que uma sombra tolheu todas as brisas, dizendo: "Mas isso não é um facto. É uma galga!"
Uma galga !?-- titubeou receoso o espírito laranja. Sim! -- teimou a sombra da verdade-- esqueceram o pacto sobre a justiça, esqueceram o acordo para a lei autárquica?".
"Mas os pactos foram furados", atreveu-se o espírito. "Por quem?", perguntou a sombra.
"Pelo nosso ex-Presidente!" desmoronou-se vencido o espírito laranja.
E foi assim que, voando nas asas de uma mentira, a Senhora se deixou reconduzir afinal ao clube dos anteriores líderes. Um clube de meninos guerreiros que assustaram o país.
Frustrado, mudei de canal, enquanto as câmaras iam mostrando pequenos grupos, escorrendo tristemente rumo ao jantar; e um ou outro notável procurava sem êxito uma pepita de interesse nas palavras que a Senhora desenrolara em cinzento nesse fim de tarde, previsível e triste.