1º Acto
O banqueiro Borges é um economista muito promissor que tem adubado com genialidade os lucros dos bancos que o conseguiram como banqueiro.
Como político é um daqueles militantes de direita que se coloca a si próprio bem acima da política.
Como militante partidário é um daqueles membros do PSD que se enche de náuseas quando lhe falam em partidos.
Como político de direita que não gosta da política e se incomoda com o PSD tem a ambição suprema de vir a ser líder desse partido.
2º Acto
Como prenda de anos, um grupo de amigos, especializado no marketing político, deu-lhe dois conselhos: 1º- devia vir a público demonstrar coragem política; 2º- devia revelar-se um profundo respeitador das bases do seu partido.
3º Acto
Beneficiando da sua larga experiência como príncipe da banca, foi lesto a acolher os conselhos:
A) Não foi necessário que decorressem três anos, para que viesse denunciar as pressões e discriminações intoleráveis de que foi vítima , por acção do actual Governo. É o que se chama uma coragem rápida.
B) Com o dedo em riste, acusou os militantes do PSD por terem errado ao escolher o actual líder. Por isso, se tem que louvar o enorme respeito que mostrou para com os militantes do PSD, bem como a enorme modéstia que revelou quando se coibiu de dizer o óbvio: o único dirigente adequado é ele próprio, a única opinião verdadeiramente crível é a sua.
Epílogo:
O banqueiro Borges aguarda serenamente por um final feliz. Mas o povo, mal esclarecido, é esse o final que mais teme.
domingo, 30 de março de 2008
Com toda a frontalidade !
A desbokassização de um jardim
A esfinge desceu da sua placidez distante. Esqueceu suavemente o seu jardim dos velhos tempos. Esqueceu o sombrio imperador africano que usara como marca, para o que vira de amargo e soturno nas flores de então. E deixou-se inundar pela luz nova.
Em palavras solares, viu no jardim de agora o perfume de todas as flores. E a luz foi tão intensa que o próprio jardim se sentiu atravessado por uma brisa de espanto.
A esfinge subirá de novo o seu silêncio e lá ficará passeando pelos jardins da sua memória entre rosas e espinhos.
sexta-feira, 28 de março de 2008
Socialistas em Coimbra procuram o futuro
No passado dia 2 de Fevereiro, publiquei aqui neste “O Grande Zoo” um texto com o título “Em Coimbra, há socialistas que resistem”.
Como então sublinhei, esse Manifesto assumiu: “uma posição clara quanto às questões centrais que actualmente preocupam os socialistas do nosso distrito. Procura evidenciar publicamente que dentro do PS há quem se continue a demarcar da deriva de decadência em que temos estado envolvidos.”
E concluí: “Chegados à situação preocupante em que estamos, não é possível procurar responder-lhe em termos ambíguos, com base nos habituais “narizes de cera” políticos, que se usam como prótese, em todos os discursos politico-partidários, numa toada mais ritualista do que esclarecedora".
2. Ontem, reuniram-se algumas dezenas de subscritores desse Manifesto, tendo resolvido dar centralidade às próximas eleições para os órgãos dirigentes da Federação de Coimbra do PS, encarando-as como principal elemento polarizador da sua actividade política nos próximos meses.
Foi decidida a intervenção autónoma nesse processo, tendo sido reiterada a disponibilidade do Luís Marinho para o liderar, correspondendo assim à confiança e ao apoio que recebeu dos presentes.
Nesse contexto, os socialistas presentes na reunião assumiram-se como um movimento de opinião dentro do Partido Socialista que procurará dar vida às perspectivas que constam do Manifesto, cientes da extensão do caminho que é necessário percorrer para se sair do deserto político onde a Federação de Coimbra do PS se deixou aprisionar.
Várias vozes sublinharam o imperativo de se trabalhar nesse processo com abertura à sociedade, encarando como elementos do partido no plano político não apenas os seus militantes, mas também os seus simpatizantes e os seus eleitores habituais.
Ficou claro que se quer ser um movimento de opinião que execute trabalho político no sentido nobre do termo. Ficou claro que não seremos um grupo organizador de excursões a jantares pseudo-exaltantes, não seremos sôfregos recolhedores de assinaturas de apoio, nem cobradores de favores. Queremos despertar consciências, estimular ideias, desembaraçar a liberdade das peias que a embaracem, mas não seremos nunca angariadores de fidelidades.
Orgulhamo-nos do apoio crítico de cada militante do PS, rejeitamos seguidores incondicionais. Somos um movimento de opinião que acolhe com alegria a solidariedade de cada um na partilha de ideias comuns, nunca seremos uma teia de cumplicidades por conveniências circunstanciais e interesses cruzados.
Não seremos ambíguos, nem mansos nas críticas que nos pareçam justas. Pugnaremos por valores, princípios e ideias, não combateremos pessoas.
3. Em complemento, desta breve notícia, permito-me recordar alguns dos passos mais significativos do nosso Manifesto Político.
Começa assim:
“1. Aproxima-se um novo ciclo eleitoral dentro do Partido Socialista. Vive-se em Portugal e na Europa uma conjuntura complexa, povoada por sinais contraditórios que ora permitem sonhar com um mundo melhor, ora fazem temer um futuro de pesadelo. Realizar a esperança ou cair no pesadelo, depende do modo como evoluírem as sociedades europeias, depende, ao fim e ao cabo, do que formos capazes de fazer. Por isso, a actividade política é, cada vez mais, uma intervenção cívica essencial, tendo um partido como o nosso, um papel decisivo no futuro dos portugueses.Não é esta a circunstância adequada para uma análise crítica da política do actual governo, sustentado numa maioria absoluta do PS. No entanto, parece poder desde já constatar-se que lhe tem feito falta a cooperação de um partido organizado e activo, que lhe fizesse chegar as críticas e as aspirações dos eleitores, mas que, ao mesmo tempo, pudesse ser mensageiro dos objectivos visados pela política do governo, junto deles.Talvez por isso, a política deste governo projecte no futuro, justa ou injustamente, para muitos portugueses, mais angústia do que esperança. Não é uma situação com que nos devamos conformar. O Partido Socialista tem como uma das suas razões de ser, o inconformismo perante a pobreza e a exclusão; não pode deixar de ser o primeiro rosto da liberdade e da igualdade; há-de valorizar sempre o conhecimento e a criatividade; tem que se assumir como universalista e solidário.2. Preocupados com a debilidade revelada, actualmente, pelo PS no seu todo, constatamos com alarme que ela assume tonalidades dramáticas na Federação de Coimbra.De facto, na moção “Para um PS amigo e solidário”, apresentada ao Congresso da Federação de Coimbra do Partido Socialista, realizado em 2006, cujo primeiro subscritor foi Luís Marinho, afirmava-se: “A Federação de Coimbra do Partido Socialista está a atingir o grau zero da política. O grupo dirigente actual é o principal responsável pelo desastre das últimas eleições autárquicas, tendo também protagonizado uma descida consolidada na importância política relativa que tem no conjunto das federações do PS”. Nessa altura, cumprimos com o nosso dever, dizendo o que pensávamos. Chegou o momento de termos que voltar a falar.Reiteramos a atitude crítica então assumida em face da política seguida, de harmonia com as ideias e as posições por que então nos batemos. Como receávamos, em Coimbra, decorridos quase dois anos, a marcha lenta para a decadência não foi interrompida. A credibilidade e o prestígio perdidos não foram recuperados! “.
E mais adiante, continua:
Continuamos a pensar que o PS tem que aprender a ser, aqui no distrito, um colectivo crítico, mas solidário, em que as diferenças de opinião entre nós sejam um índice de autenticidade democrática e da vivacidade das nossas convicções. Por isso, afirmamos, uma vez mais, que a nossa crítica directa e frontal, ao modo como tem sido dirigida a Federação de Coimbra nos últimos anos, não é uma agressão pessoal a ninguém. Mas como já foi dito há dois anos: “quem se extraviou no passado como um pássaro sem rumo, não pode ter a ilusão de nos poder conduzir ao futuro”.Da mesma forma combateremos as operações cosméticas que envolvem projectos de liderança sem conteúdo, sem história, sem passado, que prometendo “amanhãs que cantam” a partir de posições no aparelho de Estado regional, criam a ilusão, junto dos militantes, de um poder que não tem, e, de soluções, que não passam de falsas promessas. Os militantes do PS não podem tolerar ser esmagados por dois aparelhos ao mesmo tempo! "
E apresenta então as seguintes propostas :
"Cientes da necessidade de um longo processo de renovação, materializado em múltiplos aspectos, destacamos três dos seus vectores estruturantes que achamos essenciais.3.1. Escolha por um colégio eleitoral alargado de todos os candidatos do PS nos diversos tipos de eleições.Há actualmente uma tendência crescente para retirar aos aparelhos partidários a escolha dos candidatos dos respectivos partidos às eleições a que concorrem. E, no próprio PS, há uma incomodidade crescente, por parte de muitos militantes, simpatizantes e eleitores, perante o poder irrestrito de escolha dos candidatos, atribuído a alguns dos órgãos do partido.Por isso, defendemos que os candidatos do PS às eleições autárquicas, regionais, legislativas, europeias e presidenciais, sejam escolhidos por colégios eleitorais amplos, que abranjam os militantes e os simpatizantes, compreendidos nas estruturas que correspondam aos universos eleitorais que em cada caso, estiverem em causa. É uma orientação de princípio que fará o seu caminho gradualmente, mas indispensável à abertura dos partidos à cidadania.3. 2. Legalidade, limpidez e equidade nas eleições para os órgãos internos.O PS não pode ser o garante da democracia na sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que transige com a fraude e desigualdade nas eleições disputadas no seu interior.Deste modo, é indispensável que as disputas internas ocorridas nesta federação ganhem uma qualidade democrática inquestionável. Assim, a título de exemplo, no quadro da criação de regras que garantam a plena igualdade de oportunidades a todos os candidatos, defendemos: que todas as sessões de esclarecimento, integradas nas campanhas eleitorais internas, tenham obrigatoriamente a presença de todos os candidatos ou de representantes seus; que todos os envios postais dirigidos aos militantes no âmbito das campanhas internas sejam da responsabilidade directa do partido, não sendo admitidos quaisquer outros e sendo garantido tratamento igual a todos os candidatos.3.3. Transparência nas relações com o poder económico dos diversos tipos de dirigentes do PSRepetindo o que se disse na moção acima referida em 2006, lembramos que a Constituição da República Portuguesa consagra como um dos seus princípios estruturantes a independência do poder político em face do poder económico. Esse princípio não pode deter-se à porta do PS. Nos últimos anos, têm-se sucedido notícias, indícios e factos, que lançam dúvidas quanto à plena conformidade do comportamento de alguns responsáveis do PS com esse princípio.Por isso, nos parece indispensável que, pelo menos, aos dirigentes nacionais do PS, pertencentes ao Secretariado Nacional e à Comissão Política, aos Presidentes das Federações e das Comissões Políticas Concelhias, seja exigida uma declaração de interesses semelhante à que é exigida aos titulares de cargos políticos, que deveria ser depositada à guarda da Comissão de Jurisdição Nacional, podendo ser consultada por qualquer militante.De facto, não é salutar permitir que cresça ainda mais a suspeição de que por detrás de muitas discordâncias e concordâncias, intrapartidárias e interpartidárias, em vez de estar a salutar força das ideias paira a obscura sombra dos negócios."
4. Dentro do contexto que se acaba de esboçar, os participantes na reunião, certamente acompanhados pelos subscritores do manifesto que, tendo sido convidados a participar na reunião, o não fizeram por qualquer razão, irão organizar-se e tomar iniciativas públicas que querem transformar em instâncias de debate e de criatividade política.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Amanhã , dia 28; colóquio a não perder
Acabo de receber do Júlio Mota o texto que abaixo transcrevo na íntegra.
Os docentes da disciplina de Economia Internacional, em colaboração com os alunos do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC e com o apoio da Coordenação do Núcleo de Economia, estão a realizar o Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC de 2007-2008 com o tema
Integração Mundial, Desintegração Nacional:
A Crise nos Mercados de Trabalho.
[ Eis ] o programa da próxima sessão, a sessão 9 deste ciclo, a realizar 28 de Março com início às 10 Horas na FEUC e com o seguinte programa:
Para uma outra Política Económica, para uma outra Europa, para uma Europa Social
Programa:
Colóquio
[ Eis ] o programa da próxima sessão, a sessão 9 deste ciclo, a realizar 28 de Março com início às 10 Horas na FEUC e com o seguinte programa:
Para uma outra Política Económica, para uma outra Europa, para uma Europa Social
Programa:
Colóquio
10 horas - Abertura
10h15-10h 45 minutos :
Conferencia de Henry Sterdyniak : Que Europa Social
10h 45 minutos – 11h 15 minutos:
Conferência de João Ferreira do Amaral: Política económica, competitividade e Estado Social
11h 15min-11h 30minutos Intervalo para café.
11h 30min -12h:
Comentários de João Cravinho e João Sousa Andrade
12h -Debate com os participantes.
2ª Parte-Cinema e Debate no Teatro Gil Vicente
21h15min -22h40min
Apresentação e Projecção do filme "Desemprego e precariedade, a Europa vista pelos desfavorecidos" de Catherine Pozzo di Borgo.
domingo, 23 de março de 2008
O seu a seu dono
Afirma-se no diário AS BEIRAS que no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra(ISEC) se converteram 1.400 bacharéis em licenciados, sem que tivesse sido exigida a prestação de quaisquer provas ou cadeiras adicionais. Informa-se que não aconteceu assim noutras instituições, onde se obrigou ao cumprimento de um plano de transição como condição para a referida conversão. Mostra-se que o ISEC seguiu um caminho simplificador ao ter valorizado genericamente a experiência profissional adquirida por esses novos licenciados.
No entanto, parece-me um tanto precipitado atribuir ao ISEC todo o mérito dessa decisão criativa ou fazê-lo carregar em exclusivo a culpa por ter usado um tal atalho.
Na verdade, o que o ISEC fez foi seguir a lógica mais funda do Processo de Bolonha que, até agora, teve como um dos poucos efeitos práticos palpáveis, já adquiridos, passar a designar como licenciaturas os antigos bacharelatos. Aplauda-se ou apupe-se o ISEC pela sua criatividade, mas não se esqueçam os outros destinatários.
De facto, há mudanças profundas em curso no Ensino Superior em Portugal que podem vir a revelar um dia alguns aspectos positivos. A situação em que se estava ( e de onde está longe de se ter saído) exigia um processo longo de transformação. Essa necessidade, todavia, não torna automaticamente certa qualquer medida que procure responder-lhe. Podem tomar-se medidas erradas.
É ainda cedo para que se possa fazer um balanço objectivo dos méritos e deméritos do Processo de Bolonha, mas vai ficando claro que algumas das suas consequências mais receadas se revelam como cada vez mais prováveis. Em contrapartida, o que o Processo oferecia de mais esperançoso, cerne, aliás, do que foi apresentado como sendo a sua razão de ser, continua bem longe num horizonte temporal que parece afastar-se.
É que, por detrás de um ostensivo ímpeto de inovação, qualificação e enraizamento social que deu todo o seu brilho ao rosto do Processo de Bolonha, sempre se moveu subreptícia e corrosiva uma agenda oculta de cega poupança e de desresponsabilização financeira do Estado.
Ora, essa dissimulação genética, que contaminou o processo, pode transformar-se numa espiral perversa: falhada a poupança por impossibilidade política de levar as sequelas financeiras ao extremo da sua lógica, o poder político pode ser tentado a enveredar por uma atrofia lenta do nosso sistema público de ensino superior, ficando assim consumado tudo o que de perverso pode ter o Processo e cada vez mais distantes as suas virtualidades.
E tudo isso, que já é muito, tem ainda um pequeno problema suplementar: os estudantes podem romper com a sua actual e relativa mansidão.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Contra a retórica do reformismo
O reformismo transformou-se numa retórica que assombra a vida política portuguesa, tendendo a ser, cada vez mais, uma estratégia de ocultação do verdadeiro sentido das decisões políticas que mais dificilmente possam ser justificáveis em si próprias, por não serem compatíveis com o interesse público, nem coincidentes com os interesses legítimos da maioria dos cidadãos. E isso ocorre, não porque o reformismo seja um método de transformação social que a História tenha desqualificado, mas porque essa palavra passou a ser impropriamente usada, como invólucro virtuoso de qualquer medida política e como qualificativo elogioso de qualquer político e de qualquer política, independente do conteúdo dessas medidas e dessas políticas. De qualquer político e de qualquer política, especialmente, quando nada têm de verdadeiramente reformista, não passando de factores e elementos de uma estratégia de conservação do tipo de sociedade em que vivemos, não passando, portanto, de acções que visam a defesa e a perpetuação do tipo de organização económico-social dominante. Ou seja, não passando de peças de uma estratégia globalmente conservadora que, nessa medida, mais apropriadamente se deveriam designar por contra-reforma.
Na verdade, o reformismo surgiu historicamente, enquanto dinâmica socialmente consistente, na medida em que era protagonizada por actores sociais relevantes, como método de transformação da sociedade, distinto do método revolucionário. Distinto, ainda que podendo ser encarado como essencialmente alternativo à revolução, apenas como circunstancialmente preferível, ou até como complementar.
Ou seja, o reformismo surgiu como expressão da ideia de que era possível e desejável superar o capitalismo e alcançar o socialismo, através de uma sucessão articulada de reformas levadas a cabo num quadro democrático, por governos socialistas. Portanto, o verdadeiro reformismo há-de projectar-se necessariamente num horizonte pós-capitalista. Há-de guiar-se, em última instância, pela qualidade de vida dos cidadãos e pela justiça na distribuição das riquezas e dos ócios entre todos eles, e não apenas por números que simultaneamente exprimem e ocultam a simples reprodução alargada dos privilégios estruturais que estão no cerne do capitalismo.
Durante um primeiro período, o reformismo viu a sua força diminuída pela falta de resultados decisivos, embora tivesse tido os resultados suficientes, quanto ao bem-estar dos trabalhadores, para garantir uma base social sólida e um peso eleitoral significativo e duradouro, apesar de naturalmente variável. Por outro lado, ele competia com o modelo soviético que, identificando-se como anti-capitalista, representava uma alternativa revolucionária ao capitalismo, inscrevendo no seu código genético uma desconsideração radical da democracia política como condição necessária a um pós-capitalismo socialista. Falhando como construtor de uma democracia, gerara, no entanto, uma autonomia estratégica, em face dos centros de poder dominantes do capitalismo mundial, que o tornava popular entre os que sofriam e rejeitavam esse sistema. Por outro lado, generalizara o acesso aos bens de primeira necessidade, chegando a níveis que poucos países no mundo haviam já alcançado. Por último, o reformismo era , tal como o revolucionarismo soviético acabara por ser, a expressão de um protagonismo político quase exclusivamente estatal. Ou seja, uma via trilhada apenas por actores públicos, isto é, pelo aparelho de Estado.
Numa conjuntura mundial bipolarizada, o reformismo, predominantemente adoptado por países do primeiro mundo, colocou-se ao lado das várias expressões políticas do capitalismo hegemonizadas pelos USA. Aí, tinha como uma das mais relevantes funções a fixação do apoio dos trabalhadores, contribuindo assim decisivamente para evitar que reforçassem muito as organizações que se identificavam com o modelo soviético. A sua força convinha , por isso, também de algum modo a todos os outros parceiros desse mesmo bloco e, portanto, de algum modo aos próprios interesses estratégico do sistema no seu todo.
Com o desmoronamento do modelo soviético, os socialistas reformistas adquiriram a vantagem de ficar objectivamente evidenciado o equívoco do atalho que fora utilizado para afirmar esse modelo, ficando, além do mais, claro que uma solução revolucionária não é necessariamente irreversível. Tudo isso, potenciado por se ter tratado de uma implosão e não da consequência de uma derrota militar.
Mas, ficaram perante uma nova dificuldade: deixara de haver objectivamente lugar para que continuassem a ser aliados dos sectores hegemónicos do capitalismo mundial. Pelo contrário, independentemente da sua vontade, haviam passado a ser, no longo prazo, o mais poderoso foco potencial de alternatividade estratégica ao capitalismo. Por outro lado, os sectores mais conservadores dos partidos nucleares do sistema, hegemónicos nos centros decisivos do poder mundial, consideraram que era agora possível reverter as concessões que tinham sido obrigados (ou que tinham achado conveniente) fazer aos trabalhadores e aos cidadãos subalternos, no decurso da guerra fria. É este o sinal estratégico do "reaganismo", que hoje é designado pelo vocábulo ambíguo de neoliberalismo, que ao contrário da verdadeira tradição liberal, ancorada no liberalismo histórico, é culturalmente conservador, politicamente desconsiderante da necessidade de aperfeiçoar permanentemente a democracia, economicamente desregulador, socialmente indiferente e internacionalmente imperial.
E, assim, foi-se construindo uma mistura política aglutinadora de medidas normais de ajustamento às inovações tecnológicas e organizacionais, com medidas de regressão social, destinadas a transferir uma parte dos rendimentos do trabalho, para rendimentos do capital, o que se traduziu, no quotidiano dos trabalhadores, numa perda concreta de direitos sociais e económicos e, desses modo, num agravamento das suas condições de vida. Tudo isso, umbilicalmente ligado ao correspondente acréscimo dos lucros atribuídos ao capital.
Para justificar essa mistura de medidas, era ostentada como motivação central a modernização tecnológica e organizativa, designada apenas como modernização, sendo cuidadosamente escondida a vertente de contra-reforma, que é a verdadeiramente dominante. Este caldo de cultura ideológico, blindou-se com um discurso tecnocrático de cariz económico e ambição economicista, para se fazer passar por pura ciência, neutra e, portanto, imune a qualquer inquinamento político ou ideológico. Procurou caminhar-se, com o firme apoio e envolvimento das grandes organizações económicas internacionais, para uma situação em que as medidas políticas de que depende o reforço ou reversão dos privilégios, saber quem vive bem e quem vive mal, quem vive arrastando-se e quem vive sorrindo, fossem resultados automáticos de conclusões dessa ciência económica que os políticos se deviam limitar lucidamente a cumprir.
A essa contra-reforma chamaram reformas estruturais; e qualquer medida notoriamente anti-social e geradora de transferências de rendimentos do factor trabalho para o factor capital, foi zelosamente protegida com o epíteto pomposo de reforma.
Por isso, hoje há que distinguir bem os meros cabazes de medidas avulsas das verdadeiras reformas. E, ao falar-se destas, há que aprender a perceber, quando se está perante simples medidas de regressão social integradas na grande ofensiva neoliberal e quando se está perante medidas modernizadoras do tecido social, conducentes a uma maior justiça social rumo a um horizonte pós-capitalista. Reformismo é uma palavra que apenas pode ser aplicada com propriedade a estas últimas. Aplicá-la a qualquer outro tipo de medida é pura mistificação ideológica ou simples propaganda política.
Aliás, se um Governo de esquerda quiser assumir de facto uma estratégia global reformista, para além de ter que estar bem ciente da problemática atrás esboçada, não se pode limitar a usar as alavancas do aparelho de Estado. Tem que conseguir envolver nas suas políticas sociais, os movimentos sociais e todas dinâmicas organizativas que nem sejam estatais, nem de natureza privada lucrativa. Deve seguir uma política sistemática de estímulo às organizações da economia social, tornando-as seus parceiros estratégicos na via reformista que assuma. Em suma, sem ignorar a centralidade do protagonismo estatal na construção do novo percurso terá de o conjugar com o protagonismo de toda uma constelação de organizações sociais, materializando assim parcelarmente uma renovação civilizacional ambientalmente sustentável.
Se assim não fizer, qualquer governo resultante de um ou vários partidos de esquerda, por melhores que sejam as intenções dos seus protagonistas, poderá não conseguir ser mais do que um honesto gestor da conjuntura, distante de qualquer interferência no jogo de forças que real e estruturalmente molda o devir da sociedade. E por mais generoso que seja o seu activismo, por mais enérgico que seja seu empenhamento, pouco poderão fazer na ausência de uma consistência estratégica apontada para o longo o prazo e consistentemente alternativa ao que de essencialmente injusto assinala geneticamente as sociedades em que vivemos.
Voltando ao princípio: há uma retórica do reformismo que assombra a vida política. Não porque o reformismo seja algo de negativo, mas porque uma boa parte dos seus arautos são afinal anti-reformistas que se desconhecem, e uma outra, são, simplesmente, agentes dissimulados da contra-reforma. Quanto a verdadeiros reformistas se os procurarmos pacientemente, à lupa, talvez encontremos alguns.
terça-feira, 18 de março de 2008
Para uma Política Infantil
Está neste momento a emergir, com origem nos Balcãs, pela mão inovadora e firme da burocracia dominante na União Europeia, uma nova disciplina da Ciência Política : a “Política Infantil “.
Foi com base nessa novidade epistemológica, que alguns cérebros privilegiados chegaram à conclusão de que: “Aquilo que os albaneses do Kosovo fizeram aos Sérvios, não pode ser feito pelos Sérvios aos albaneses do Kosovo.”
Um dos expoentes da nova disciplina já assegurou, baseando-se nos seus princípios, que se iriam atingir com ela os mais altos padrões da ética e da imparcialidade políticas e que uma rápida instituição da paz era um dos seus frutos mais seguros.
domingo, 16 de março de 2008
Cinco anos depois a mentira continua a crescer
Fez cinco anos que o "Imperador" e alguns dos seus acólitos encenaram nos Açores uma dança guerreira.
Poucos dias depois, os USA e alguns apêndices a que chamou aliados, com destaque para Blair, esse expoente de uma terceira via que ele próprio extraviou, invadiram o Iraque, à margem da ONU e num grosseiro desrespeito pelo Direito Internacional.
Hoje, é um dado de facto, que ninguém pode questionar com seriedade, que todos os pretextos usados para justificar o ataque ao Iraque eram falsos. Aquela equipa ( Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso) ganhou, na verdade, jus ao epíteto de "Clube dos Mentirosos".
Na verdade, os resultados da invasão para os iraquianos tornaram-se num pesadelo que se traduz numa estimativa de centenas de milhares de mortos, os americanos perderam cerca de 5000 soldados, havendo mais de trinta mil feridos. O Iraque está reduzido a escombros e a guerra, para além do seu pesado custo em vidas humanas, é um factor de ruína para o erário dos ocupantes.
O terrorismo internacional não foi enfraquecido pela invasão. Passados cinco anos, Bin Laden continua sem ser preso e a violência no mundo não esmoreceu.
Algumas mentes ingénuas acalentaram a esperança de que se gerasse uma consequência colateral virtuosa: o fim do conflito israelo-palestiniano. Puro engano. Mais realista será dizer-se que recrudesceu.
A administração bushista mostrou como é, politicamente, de uma incompetência pasmosa, constituindo um dos grupos mais perigosos para a paz mundial que até hoje se deu a conhecer.
O desastre iraquiano, promovido pela administração americana e pelas suas sombras europeias, entre as quais se destacaram os membros do "Clube dos Mentirosos", causou directa e indirectamente, muito mais mortos do que todos os atentados terroristas, perpetrados nos últimos 25 anos, por pessoas ou organizações não-estatais.
E há responsáveis por esse morticínio que têm o despudor de, frequentemente, se assumirem como juízes distribuidores de sentenças que decidem quem é e quem não é terrorista. Como se lhes pudesse ser reconhecida legitimidade para emitirem com credibilidade ética juízos de valor sobre a humanidade seja de quem for.
Aliás, na minha opinião, uma das causas do fracasso da luta-anterrorista da comunidade internacional é o facto de ter como protagonistas principais, no combate aos morticínios do terrorismo não-estatal, alguns dos responsáveis maiores por outros morticínios ainda maiores, cuja legitimidade é igualmente nula, à luz da moral e do direito, e cuja impunidade resulta apenas de serem Estados suficientemente fortes , do ponto de vista militar, para estarem a coberto da qualquer retaliação armada.
Realmente, porque deverá considerar-se como terrorista um dirigente do Hamas, por ter dado ordem a um militante-bomba para se explodir entre civis; e não o deverá ser um ministro israelita que manda um avião arrasar uma zona de uma cidade, onde moram civis ?
Por que devem ser considerados terroristas os iraquianos que põem uma bomba num mercado, matando 20 civis e não o devem ser os soldados norte-americanos que bombardeiem uma zona habitada e matem 20 civis ?
Nunca é de mais repeti-lo: os personagens do " Clube dos Mentirosos" foram os responsáveis políticos por uma guerra justificada com mentiras , mas que originou um inimaginável massacre que, aliás, ainda não acabou; são os culpados por um retrocesso dramático no caminho para um mundo sem guerra e onde seja natural a fraternidade entre os povos da Terra.
Alguns afastaram-se ou foram afastados da vida política. Mas o que é inacreditável é que todos eles não tivessem, desde logo, renunciado a todas as responsabilidades públicas , depois de terem pedido desculpa pelo mal que causaram a centenas de milhares de pessoas.
Se um presidente americano foi demitido por ter mandado"grampear" um telefone e por ter mentido acerca disso, como pode aceitar-se que quem inventou uma guerra como a do Iraque continue no activo, mesmo depois de ser inequívoco que o ditador iraquiano não dispunha de armas de destruição maciça, tal como nada teve a ver com o atentado do 11 de Setembro.
Se foram essas as razões decisivas evocadas e se são falsas , não haveria outra saída. E se tudo isto vale para o Presidente Norte-Americano, também vale para o Presidente da Comissão Europeia, que aliás teve o mau-gosto de lembrar que apesar de ter mentido quanto aos motivos da guerra continuava a chefiar os Comissários Europeus.
quinta-feira, 13 de março de 2008
Pixordices 9 - A fífia do porta-voz
Li, hoje no DN e tinha ouvido ontem nas televisões que :
"Após a reunião, o porta-voz dos socialistas, Vitalino Canas, colocou a cereja no topo do bolo: "Quando se fazem balanços é, certamente, para realçar aquilo que se fez bem. E, foram tantas as coisas que fizemos bem, que não temos de perder tempo com o que fizermos mal." "
É estranho que , pelo menos que eu saiba, ninguém tenha feito sobre essa frase uma observação óbvia: O que o porta-voz do PS disse , desta vez, é uma verdadeira idiotice.
quarta-feira, 12 de março de 2008
A Batalha da Educação: superar a crispação , alargando o horizonte
1. A grande manifestação de professores, ocorrida no passado fim-de-semana em Lisboa, impõe alguma reflexão.
Aliás, começam a fazer-se sentir as primeiras consequências. O Governo parece ainda algo errático. Num primeiro momento, refugiou-se na repetição de alguns lugares comuns e numas quantas frases redondas. Depois, rompendo a bruma de algumas posições contraditórias, parece ter-se começado a mover.
Seja qual for a evolução do conflito, a educação vai ocupar um lugar de destaque na agenda política, durante os próximos tempos.
2.Vale pena pensar-se um pouco sobre a política de educação do actual Governo protagonizada pela Ministra da Educação. Num certo sentido, pode dizer-se que ela estava já no centro da agenda política. Cem mil professores manifestando-se em Lisboa contra ela tornaram-na na expressão aguda de uma conjuntura política que pode dramatizar-se.
Na verdade, um facto desta dimensão é, em si próprio, um dado novo de extremo relevo na cena política. Deixou de fazer sentido continuar apenas a dar centralidade à esgrima de argumentos, entre as duas partes que mais fortemente polarizam a discordância. Passou a ter que se lidar politicamente com esse novo facto social.
As reacções do governo tidas a quente, apesar do seu superficialismo ingénuo, aparentemente objectivo, são compreensíveis e aceitáveis como respostas de circunstância prudentes, numa conjuntura difícil. Não é, mesmo, de esperar uma resposta política de fundo no curtíssimo prazo, mas não pode demorar muito a assunção de uma política diferente por parte do Governo.
Eu não estou a falar numa cedência às reivindicações dos professores ou a algumas delas, estou a falar num acréscimo de ambição na política educativa do governo conjugada com uma abertura completa a um diálogo estratégico com os professores, de modo a desvalorizar objectivamente os pontos de clivagem actuais. De facto, se tal for conseguido poderão ser atingidos em simultâneo vários objectivos, aparentemente contraditórios: a política de educação será melhorada e a paz entre professores e Governo será alcançada sem que nenhuma das partes perca a face.
3. Pode parecer irrealista e angelical sugerir um tal caminho. No entanto, se prestarmos atenção, são as próprias limitações da política educativa do Governo e o carácter extremamente pontual das reivindicações dos professores que tornam realista a proposta de uma abertura de um horizonte mais ambicioso na educação, como um caminho para uma aproximação de posições hoje aparentemente extremadas e incompatíveis.
Na realidade, embora os objectivos últimos da reforma da educação afixados pelo Governo sejam generosos, óbvios e consensuais, as medidas concretas assumidas como emblemáticas que assinalam o caminho percorrido resumem-se a um leque instrumental relativamente pouco importante. Assim, pode achar-se positivo garantir aulas de substituição, organizá-las desta ou daquela maneira, pagá-las ou não como serviço docente, mas não se pode dizer que estejamos perante uma medida estruturante de uma reforma da educação. Pode discutir-se a avaliação dos professores, questionarem-se os critérios de avaliação, hesitar-se entre quem deve ser avaliador, sem que se consiga um salto em frente na qualidade do ensino.
4. De facto, mais importante teria sido discutir, tirando daí as respectivas consequências práticas, sobre a necessidade de reverter a destruição da formação de professores feita nas Universidades, iniciada nos anos 80; sobre o facto de os poderes públicos terem delegado a formação contínua dos professores nos Centros de Formação de Professores, entidades esquisitas pelo seu hibridismo, para o qual se revelou tão difícil dar uma resposta jurídica adequada; sobre os inconvenientes resultantes da abertura incondicional e irrestrita da profissão docente a diplomados por estabelecimentos sem credibilidade ou mesmo a pessoas sem diploma adequado, recicladas à pressa em cursinhos de fim de semana.
Num contexto em que se valorizassem as questões de fundo do nosso sistema de ensino, seria natural que a avaliação dos professores fosse encarada numa perspectiva diferente daquela em que se tem insistido. Isto é, encarando-a como um método de aferição das dificuldades vividas pelas escolas e pelos professores, bem como das respectivas deficiências, avaliando-se assim a qualidade do ensino como condição necessária para se tomarem medidas que a melhorassem, numa perspectiva de ajuda aos professores e às escolas.
Depois de iniciada a requalificação da formação inicial dos professores, bem como depois de se reformular por completo a sua formação contínua, depois de se ter experimentado e aperfeiçoado todo o processo de avaliação pela sua aplicação durante alguns anos, estariam reunidas condições para, em natural sinergia com os professores, se começarem a retirar consequências profissionais e remuneratórias da avaliação. Em paralelo, ter-se-ia feito progredir o sistema de ensino público e ter-se-ia conseguido gerar um instrumento de avaliação dos professores crível, eficaz e justo.
Já me parece politicamente cínico que o Estado tenha, desde há décadas, promovido políticas ou consentido em derivas que conduziram à degradação da qualidade na formação de professores, fugindo até de responsabilidades que desde sempre lhe haviam competido, para se lançar de súbito numa cruzada pela qualidade do ensino, centrada numa avaliação dos professores, que tem implícita a sua exclusiva responsabilização individual por todas as suas insuficiências.
Pode até parecer que se está perante pouco mais do que uma encenação, destinada a justificar e legitimar a degradação da situação salarial dos professores. Ou seja, sob a capa de um reformismo decidido, visando a melhoria da qualidade do ensino, o que verdadeiramente está no centro desta política é a diminuição das despesas com a educação.
Quanto à gestão das escolas, também é indispensável sair do quadro estreito em que a questão tem sido colocada. Na verdade, as medidas tomadas parecem espelhar uma atmosfera de desconfiança quanto a tudo o que é funcionamento democrático, bem como uma grande confiança em tudo o que é hierárquico, burocrático e autoritário.
Neste campo, é particularmente importante escapar á vulgata neoliberal que insiste na ilusão de que só há um tipo de racionalidade organizativa, a das empresas capitalistas de grande dimensão. Mesmo o mundo empresarial não se reduz a elas, quanto mais o mundo das organizações. Na verdade, a racionalidade que se exige para o funcionamento de uma instituição como a escola não é menos exigente da que é seguida pelo referido tipo de empresas, mas é diferente.
É óbvio que não está aqui em causa aprofundar a análise de qualquer dos temas comentados; e muito menos sustentar que são estes os únicos relevantes. Apenas se quer mostrar como se tem andado longe das questões verdadeiramente estruturantes do sistema educativo, das medidas que podem conduzir a um verdadeiro progresso qualitativo duradouro do nosso sistema público de ensino.
Que um processo de reforma de longo alcance, resultante de medidas articuladas e sequenciais que envolvam e entusiasmem os professores, seria um contributo decisivo para um salto qualitativo na vida dos portugueses, não tenho dúvidas. Mas duvido muito que uma colecção de medidas dispersas de poupança nos gastos, mesmo embrulhada nalgumas melhorias episódicas, leve muito longe.
5 . Em reuniões dispersas de militantes do PS ligados à educação com dirigentes ou governantes, ao longo dos últimos meses, tem ocorrido aquilo que podemos classificar como um diálogo de surdos. Os dirigentes ou governantes excedem-se em encomiásticos elogios à Ministra, aqui e ali apoiados por militantes entusiasmados com os seus. feitos . Em contrapartida, muitos professores socialistas, e outros militantes, têm vindo a alertar para o descontentamento generalizado que a política da Ministra tem provocado entre os professores, bem como para o relevo que algumas medidas pontuais e o modo como, em geral, é conduzida a sua política, têm tido, como causas desse descontentamento.
Depois da manifestação ocorrida em Lisboa, é impossível não reconhecer, como um dado objectivo, que esses militantes estavam certos. Se incompreensivelmente não forem tiradas daí consequências adequadas, o que há a fazer dentro do PS é preparar para o próximo congresso nacional uma moção de orientação política alternativa com base na qual os professores socialistas se juntem com outros trabalhadores socialistas descontentes com a linha seguida, e com quadros políticos que estejam em consonância com eles, de modo a terem, pelo menos, uma voz política efectiva dentro do Partido, ou até, se for caso disso, ganharem o Congresso. Este é o dever que têm perante o Partido e perante o país.
E deve sublinhar-se, concluindo, que todo este bloco crítico de militantes socialistas tem um dever de acção consequente, dentro do PS, podendo ser extremamente penalizante para o futuro do país e do PS o seu imobilismo ou a sua inconsequência política.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Pixordices 8 - O neoliberalismo e os seus fantasmas
1. Os nossos neoliberais que dominam a comunicação social bem-pensante dizem que nos vão oferecer uma visão objectiva do salazarismo. O que subliminarmente sugere que os democratas que o sofreram e combateram, tendo estado na base do 25 de Abril, têm dado uma imagem distorcida do salazarismo. Ou seja, os nossos neoliberais talvez sejam neo-salazaristas que se desconhecem.
2. Os nossos neoliberais engoliram como bom o mau perder de Rajoy, quando disse que tinha subido mais que ninguém em lugares e em percentagem de votos, dando a entender que era isso que importava.
Nos jornais onde mandam lá foram destacando a subida da direita espanhola, como se esquecessem o detalhe insignificante que se traduziu numa nova vitória dos socialistas espanhóis. Como se as eleições fossem uma corrida por etapas em que é importante saber-se com quantos minutos de atraso se perde ou ganha cada etapa.
Aliás, parecem ter-se esquecido que o PSOE, tendo ficado mais perto da maioria absoluta ( antes estava a 12 deputados e agora está a 7) e mantendo a distância em lugares que o separava do PP ( 16 deputados), está numa posição relativamente mais vantajosa do que aquela em que estava.
Ou seja, os nossos neoliberais torcem afinal pelos conservadores espanhóis, que acabam de fazer uma campanha eleitoral ultra-caceteira, em vergonhosa conjunção com o sector dominante e mais reaccionário da Igreja Espanhola, deixando no ar uma atmosfera de crispação. E mostrando-se assim dispostos a tudo, para fazerem o PSOE perder as eleições. A tudo, mesmo a correrem o risco de ressuscitar os sombrios fantasmas do franquismo e da guerra civil.
3. Mas desse modo, ao contrário do que possa parecer, os nossos neoliberais foram coerentes com a lógica mais funda das suas posições.
De facto, a tradução política da lógica economicista neoliberal, se esta fosse levada, verdadeiramente, até às suas últimas consequências, implicaria necessariamente um regime realmente ditatorial , cujo autoritarismo iria seguramente bem mais longe do que aquele que é suscitado espontaneamente por qualquer pseudo-democracia musculada.
Por isso, se apaixonam tão facilmente pelos fantasmas do Salazar e se sentem tão irresistivelmente próximos das pulsões pós-franquistas dos populares espanhóis.
quarta-feira, 5 de março de 2008
Um livro diferente
É um livro diferente. Um livro de poemas. Um livro que também se pretende afirmar como um objecto que fala por si próprio, como se não quisesse ser apenas os poemas que tem dentro, mas ao mesmo tempo os acolhesse a todos, com orgulho e respeito.
O título em inglês. Ou deveria dizer: O título escrito em língua inglesa é: “Sundry Poems Collected as Poetical Tracts 3 & 4”.
Dentro dele, várias línguas se interpelam, por intermédio de algumas dezenas de poemas. Estão escritos em inglês, em castelhano, em francês, em italiano e em português.
São poemas contidos. Fogem das retóricas poéticas mais correntes, mais superficiais. Passeiam pelo tempo, mas sempre bem dentro do mundo. Distantes, sem fugirem dos afectos. Como se sentissem com a razão , mas não renunciassem a pensar com a emoção.
Dentro dele, várias línguas se interpelam, por intermédio de algumas dezenas de poemas. Estão escritos em inglês, em castelhano, em francês, em italiano e em português.
São poemas contidos. Fogem das retóricas poéticas mais correntes, mais superficiais. Passeiam pelo tempo, mas sempre bem dentro do mundo. Distantes, sem fugirem dos afectos. Como se sentissem com a razão , mas não renunciassem a pensar com a emoção.
Talvez estejamos perante uma peregrinação poética, através de várias línguas. Talvez estejamos perante uma fraternidade poética de várias línguas.
O poeta apresenta-se através de um nome, que é ele próprio também algo contido, como se quisesse oferecer subtilmente uma sobriedade desafiante: J.P.Feio.
J.P. Feio, meu colega na Faculdade de Economia, onde ensina Economia há décadas. Um amigo e um dos raros cúmplices na poesia.
Não foi o seu primeiro livro de poemas. Já, em 2003, publicara : “Two Poetical Tracts & A Post-Scriptum”. Uma colectânea onde já então conviviam entre si poemas em português, castelhano, francês, italiano e inglês.
terça-feira, 4 de março de 2008
Eleições em Itália: uma sondagem
Começo este texto com uma recomendação técnica: cliquem sobre o quadro que contém os números da sondagem, para assim o poderem ler num formato maior que assim o torne visível.
Esta sondagem, publicada já durante o corrente mês de Março, fornece um panorama actualizado da distribuição das expectativas, quanto às eleições que, em breve, vão decorrer em Itália.
Apesar de não ter sido possível modificar as leis eleitorais, como quase todos os quadrantes políticos defendiam, o panorama político italiano é muito diferente daquele que existia nas eleições anteriores.
Como se sabe, a Itália foi governada, até há pouco tempo, por um Governo de centro-esquerda , liderado por Romano Prodi, contra o qual combatia uma grande coligação de direita, liderada por Sílvio Berlusconi. Por força das leis eleitorais existentes, os dois campos estavam praticamente empatados no Senado, embora o Governo tivesse uma confortável maioria na Câmara de Deputados. A coligação que apoiava o Governo (a União) ia desde os comunistas e os verdes,até aos centristas católicos da UDEUR e aos liberais-democratas seguidores de Lambero Dini. Foram precisamente esses dois pequenos agrupamentos moderados a causa próxima da queda do Governo, por lhe terem retirado o apoio, fazendo-o perder uma votação decisiva no Senado.
Mas a grande novidade política recente foi a fusão dos ex-comunistas ( DS) com os democratas -cristãos de esquerda ( Margarida), no novo Partido Democrático. Berlusconi achou por bem responder e diluiu a sua "Força Itália" num novo partido, o Povo da Liberdade, para onde acbaram por entrar os ex-neo-fascistas da AN, liderada por Fini.
O Povo da Liberdade tem acordos pré-eleitorais com a Liga Norte e com o Movimento pela Autonomia da Sicília, indicando todos eles como candidato a Primeiro-Ministro, Sílvio Berlusconi.
Em contraponto, o Partido Democrático tem acordos pré-eleitorais com a Itália dos Valores ( Di Pietro ), havendo a hipótese ( tida como certa na sondagem) de incluir radicais nas suas listas, com destaque para a popular Ministra cessante, Emma Bonino; todos convergindo na designação de Walter Veltroni , leader do PD, como candidato a primeiro-ministro.
Neste momento, o bloco que se congregou em torno do PD atinge 36% e o que apoia Berlusconi chega aos 43%. A vantagem é grande, mas nos últimos tempos o PD subiu significativamente nas sondagens, ao mesmo tempo que o PDL estagnava.
Mas a paisagem política italiana não se esgota nesses dois blocos. À esquerda, sem contar com dois pequenos partidos de extrema-esquerda que encabeçam o quadro com a sondagem ( somam 1,5%), surge uma coligação que é novidade também : A Esquerda Arco-Iris, com 7,5%. Apresenta como candidato a Primeiro-ministro, Fausto Bertinotti, actual Presidente da Câmara de Deputados e ex-leader da "Refundação Comunista", com a qual convergem neste bloco, o Partido dos Comunistas Italianos, os Verdes e a Esquerda Democrática ( cisão dos Democratas de Esquerda que não aceitou a diluição no Partido Democrático, liderada por um Ministro do Governo cessante, Fabio Mussi).
Recentemente, falhou a tentativa de acordo entre o PD e o Partido Socialista Italiano ( de Boselli) que protagoniza uma tentativa de reconstituição do velho PSI, na qual se envolveu uma outra dissidência dos DS, que também não aceitou a diluição no Partido Democrático. A sondagem dá a este PSI, a magra percentagem de 1,5%.
Há também uma tentativa de constituir uma força política de centro entre o PD e o PDL, que alguns encaram como tentativa de reconstituir a velha Democracia-Cristã italiana, que foi o partido hegemónico, durante dezenas de anos do pós-guerra italiano. A sua principal componente é a UDC, partido que abandonou recentemente o bloco de Berlusconi e ao qual se juntaram alguns expoentes da democracia-cristã clássica. As sondagens atribuem a esta força ceca de 7%. Menos expressiva é a força dos democratas-cristãos da UDEUR ( 0.30) que abandonaram o Governo de Prodi, tendo-o praticamente feito cair, mas que não se conseguiram entender com Berlusconi.
O bloco de direita liderado pelo PDL ( 38%) atinge no seu todo os 43%. À sua direita há um novo partido saído dos pós-fascistas da AN, "A Direita" que vale 2,5% nas sondagens e que poderá dar o apoio a Berlusconi.
Até ás eleições, haverá uma significativa batalha política. O PD apostou fortemente na bipolarização e na redução do peso dos sectores que se situam à sua esquerda, quase todos resultantes de cisões no processo que levou do velho Partido Comunista Italiano, ao actual Partido Democrático.
Berlusconi estava confortavelmente instalado em sondagens que há mais de um ano lhe eram amplamente favoráveis, mas enfrenta agora uma conjuntura, em que inesperadamente essa vantagem parece dia a dia mais frágil.
Assim, pode acontecer que um dos dois grandes blocos possa vir a governar com sózinho estabilidade. É muito difícil que seja o PD a consegui-lo. Mas pode acontecer que os resultados eleitorais façam emergir uma Itália ingovernável. Quanto ao Centro, que joga nestas eleições uma inesperada ressurreição, podendo vir mais tarde a beneficiar da deserção dos democratas cristãos dos outros dois blocos, num hipotético cenário de ingovernabilidade. Se tudo lhe corresse bem, poderia até surgir, a médio prazo, em futuras eleições como um bloco com aspirações a voltar a ser hegemónico. A impressionante máquina política da igreja italiana, com o Vaticano ali tão perto está certamente á espreita , pronta a explorara todas as oportunidades.
E à esquerda, se for aí o epicentro de uma crise, não é impossivel que os procesos de rearrumação, que hoje parecem consumados, se reabram.
Entretanto, como ameaça surda ou pântano anunciado, há quem ponha já a hipótese de um inesperado centrão, sob o comando conjunto de Berlusconi e Veltroni. Se aí se chegar, algum dia, ficará então claro que a longa marcha feita pelos ex-comunistas italianos, longe de ser uma caminhada para o futuro, terá sido apenas uma longa agonia.
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