Um teólogo da
libertação fala sobre o Brasil.
O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos mais destacados protagonistas da teologia
da libertação, publicou no passado dia 26 de Novembro no Jornal do Brasil um
texto sobre a actualidade política brasileira, intitulado “É
importante derrotar as elites do atraso”.
Para escaparmos ao
unilateralismo favorável ao poder político atual que , em regra,engessa a
comunicação social portuguesa nada melhor do ler atentamente o referido texto
que a seguir transcrevo:
“Por mais
críticas que se faça e se tenha que fazer ao PT, com ele ocorreu algo inédito
na história política do país. Alguém do andar de baixo conseguiu furar a
blindagem que as classes do poder, da comunicação e do dinheiro, por séculos,
montaram, para minimizar ao máximo políticas públicas em benefício de milhões
de empobrecidos. O mote era: políticas ricas para os ricos e políticas pobres
para os pobres. Assim estes não se rebelariam.
A verdade é que as elites endinheiradas nunca
aceitaram um operário, eleito por voto popular, a chegar ao poder central. É
fato que elas também se beneficiaram, pois a natureza de sua acumulação, uma
das mais altas do mundo, sequer foi tocada.
Mas permanecia aquele espinho dolorido: ter que
aceitar que o lugar supostamente deles, fosse ocupado por alguém vindo de fora,
sobrevivente da grande tributação, imposta aos pobres, negros, indígenas,
operários durante todo o tempo da existência do Brasil. O nome de seu horror é Luiz
Inácio Lula da Silva.
Agora esta elite despertou. Deu-se conta de que
estas políticas de inclusão social poderiam se consolidar e modificar a lógica
de sua abusiva acumulação.
Como é conhecido pelos historiadores que leram e
leem a nossa história a partir das vítimas, como é o caso do mulato Capistrano
de Abreu, do acadêmico José Honório Rodrigues e do sociólogo Jessé Souza entre
outros, diferente da história oficial, sempre escrita pela mão branca, todas as
vezes que as classes subalternas ergueram a cabeça, buscando melhorar a vida,
esta cabeça foi logo golpeada e os pobres reconduzidos à margem, de onde nunca
deveriam ter saído.
A violência nas várias fases de nossa história
foi sempre dura, com prisões, exílios, fuzilamentos e enforcamentos ao revoltosos
e particularmente com referência aos pobres e negros, estes últimos
centenas deles assassinados ainda neste ano.
A política de conciliação das classes opulentas,
à revelia dos reclamos populares, sempre detiveram o poder e os meios de
controle e repressão. E o usaram vastamente.
Não é diferente no atual golpe
jurídico-parlamentar de 2016 que injustamente apeou do poder a Presidenta Dilma
Rousseff.
O golpe não precisou mais de cassetetes e de
tanques. Bastou aliciar as elites endinheiradas, as 270 mil pessoas (menos
de 1% da população) que controlam mais da metade do fluxo financeiro do país,
associadas aos meios massivos de comunicação, claramente golpistas e
anti-populares, para assaltar o poder de Estado e a partir daí fazer as
reformas que os beneficiam absurdamente.
O Brasil ocupa uma posição importante no cenário
geopolítico mundial. É a sétima economia do mundo, controla o Atlântico Sul e
está voltada para a Africa. Esta área, na estratégia do Pentágono que cuida, ao
sul, pela segurança do Império norte-americano, estava a descoberto. Havia aí
um país, chamado Brasil, chave para a economia futura, baseada na ecologia, que
tentava conduzir um projeto de nação autônomo e soberano, mas aberto à nova
fase planetária da humanidade. Precisava ser controlado.
A Quarta Frota que fora suspensa em 1950 voltou
a partir dos anos 90 a ser ativada com todo um arsenal bélico, capaz de
destruir qualquer país oponente. Ela vigia especialmente a zona do pré-sal,
onde se encontram as jazidas de petróleo e de gás, as mais promissoras do
planeta.
Consoante à própria estratégia do Pentágono, bem
estudada pelo recém falecido Moniz Bandeira e denunciada nos EUA por Noam
Chomsky, era decisivo desestabilizar os governos progressistas
latino-americanos, desfigurar suas lideranças, desmoralizar a política como o
mundo do sujo e do corrupto e forçar a diminuição do Estado em favor da
expansão do mercado, o verdadeiro condutor, creem eles, dos destinos do país.
Pertence a esta estratégia difundir o ódio ao pobre, ao negro e aos opositores
deste projeto entreguista.
Pois este é o projeto atual das elites do atraso
(no dizer de Jessé Souza). Não pensam num projeto de nação, preferem uma
incorporação, mesmo subalterna, ao projeto imperial. Aceitam, sem maiores
reticências, a sua recolonização para serem meros exportadores de commodities para
os países centrais.
Argumentam: para que termos uma indústria
própria e um caminho próprio para o desenvolvimento, se tudo já está construído
e montado pelas forças que dominam o mundo?
O capital não tem pátria, apenas interesses no
Brasil e em qualquer parte do mundo. Estas elites do atraso colocam-se
decididamente do lado do Império e de seus interesses globais.
Atrás do vergonhoso desmonte dos avanços sociais
com o propósito de transferir a riqueza da nação e dos pobres para os já
super-ricos, estão estas vorazes elites do atraso. Estão reconduzindo o Brasil
às condições do século XIX até com trabalho semelhante ao escravo.
Bem intuía, pesaroso, Celso Furtado no
entardecer de sua vida, que as forças contrárias à construção do Brasil como
nação forte, vigorosa e ecumênica, poderiam triunfar e destarte interromper o
nosso processo de refundação do Brasil. Basta ler seus dois livros: Brasil:
a construção interrompida (1993) e o outro O longo
amanhecer (1999).
Nas próximas eleições devemos derrotar
democraticamente estas elites do atraso, porque querem implacavelmente acabar
de desmontar o Brasil social, pois não mostram nenhum interesse pelo país e
pelo povo, apenas como oportunidade de negócios.
Se por nosso infelicidade, triunfarem, poderão
levar consigo outros países latino-americanos para o mesmo caminho fatal.
Teríamos sociedades altamente controladas, ricas por um lado e paupérrimas por
outro, tremendo com medo da violência que fatalmente surgiria como está
efetivamente surgindo com a polícia militar fazendo a obra repressiva dos
militares no tempo da ditadura civil-militar de 1964.
Então, seríamos ainda positivamente cordiais?”
Sem comentários:
Enviar um comentário