Muitos dirigentes e quadros dos partidos de esquerda
estão habituados a sofrer, a travarem um combate desigual com as direitas. De
quando em quando vêm à superfície e respiram, tomando nas mãos algumas alavancas
de poder, com as quais a custo manobram em território inimigo. Abrem algumas
clareiras de esperança, revertem alguns estragos mais gritantes, travam os ímpetos
predatórios dos poderes de facto.
Mas parecem atingidos , em muitos casos, por uma
estranha maldição. Parecem possuídos por uma incontida pulsão suicida, como se
o êxito, mesmo precário e relativo, os afligisse. Como se a sua vocação
irreprimível fosse a de estarem com os de baixo, lutando contra os que estão em cima,
como se não lhes importasse verdadeiramente trazer os de baixo para cima, até
deixar de se poder falar em baixo e em cima, quando se fala de sociedade.
Como o lacrau que a meio do rio fere de morte o sapo
que o transporta e ao ser inquirido sobre o absurdo de, ao matar o sapo a
meio do rio, ir morrer com ele, responde: “É da minha própria natureza! Não
consigo evitá-lo.”
As esquerdas em Portugal entenderam-se,
transformaram, através de uma solução atípica e engenhosa, o impossível no desejado. Uma solução que resistiu à
hostilidade furiosa da direita doméstica e ao cerco frio das direitas europeias,
institucionalmente senhoras da União Europeia. A solução sobreviveu a dificuldades,
acidentes, cercos e incidentes. Os poderes de facto hostilizam-na
sistematicamente, sem piedade. Tem resistido. Pode tornar-se um precedente. Não
se vislumbram vias alternativas capazes de suscitar esperança. Para as direitas
portuguesas isto é desesperante.
As diferenças entre as esquerdas, fisiologicamente expressas no
espaço mediático, foram-se tornando naturais. Mas, no seio dessa heterogeneidade
natural, despontam de quando em quando alguns surtos de crispação insalubres que
comportam riscos desnecessários que não devem ser negligenciados.
Foi o caso de uma alta dirigente do BE que tingiu
uma crítica normal ao PS de um tom de censura ética, claramente inábil, tosco e
ofensivo. O PS enquanto tal não reagiu, mas houve pelo menos um dos seus
expoentes mediáticos que dramatizou o incidente e não deixaram de ser ouvidos alguns outros ecos oriundos do PS .
A relevância política objetiva do assunto é nula. A tonalidade ética da
crítica é tonta e desnecessária. A intensidade de algumas reações é excessiva e despropositada. Como incidente é menor, como indício é preocupante.
Esperemos pois que as lideranças das nossas esquerdas não
se cansem de não estar em puro sofrimento defensivo. É que não pode esquecer-se que o povo de
esquerda não tem nenhum apego a que voltem a apertar-lhe o garrote que lhe corta
a respiração. As lideranças das nossas esquerdas não podem transformar-se no "lacrau" que afunda a solução alcançada, alegando que isso lhes está na própria
natureza.
Sem comentários:
Enviar um comentário