domingo, 18 de dezembro de 2016

PASSOS - o astrólogo das desgraças


Passos Coelho assumiu-se como o astrólogo das desgraças. Confiou na alta probabilidade de um regresso dos tempos difíceis a Portugal. Confiança que certamente lhe adveio dos seus próprios limites ideológicos, mas principalmente de uma noção clara da fragilidade da situação económica de Portugal  subsequente ao seu próprio consulado. Fragilidade acentuada pela objectiva  volatilidade política da União Europeia  que oscila entre uma fidelidade robótica aos dogmas do neoliberalismo (traduzida numa total nudez estratégica) e  o despertar doloroso para uma realidade que insistentemente lhe faz entrar pelos olhos dentro o negrume do seu fracasso, quando optou pela via da austeridade.

Mas se é certo que o neoliberalismo tem assombrado a Europa, não conseguiu ainda destruí-la, pelo que muita coisa se move nela apesar dele. Muita coisa resiste.

A fibra e a criatividade  dos portugueses,  uma atmosfera solidária com algum relevo e um governo possibilitado por uma conjugação das esquerdas ( e que a reflecte), têm atrasado a realização das profecias negras de Passos. E parece legítimo afirmar-se que, se os contextos político-económicos europeu e mundial não criarem dificuldades novas e maiores, pelo que diga respeito apenas aos portugueses e à via seguida pelo governo, as profecias negras de Passos não se confirmarão.

Tudo isto, no entanto, suscita duas questões centrais.

Primeira: se houver uma situação difícil inequivocamente imputável a causas externas podemos fazer recair as culpas nos portugueses e no seu Governo?

Segunda: sendo certo que o consulado de Passos, tendo apertado o garrote em torno do povo,deixou a dívida pública pior, o défice abaixo dos objectivos fixados , a economia num nível inferior  e agravados os problemas do sistema financeiro, que razão haveria para acreditarmos que ele , se viesse a ocorrer uma crise exógena,  nos faria enfrentá-la melhor  do que  este Governo?

Quanto àquilo  que a primeira questão envolve, a culpa só poderia ser imputada  aos portugueses e ao actual governo, com base na lógica de que o capital merece todo o carinho e as pessoas que vivem do seu trabalho, todos os sacrifícios.

Quanto ao que tem a ver com a segunda questão torna-se cada vez mais claro que a via da austeridade não é uma cura mas uma intoxicação, cujo efeito colateral mais notório é o de cavar as desigualdades e agravar a pobreza.

Tudo isto conduz a uma conclusão: Passos deixou-se aprisionar pela sua própria frustração por ter perdido o poder, tendo ficcionado a indispensabilidade da sua política e  a insusceptibilidade de se seguir qualquer outro caminho. Robotizado ideologicamente pelo neoliberalismo, foi deslizando para um discurso que se repete a si próprio. E cada dia que passa torna esse discurso mais distante da realidade.

E assim, perversamente, o equívoco de Passos (que começou por ser apenas uma ideia errada) pode converter-se num desejo. Sim, o desejo de Passos de que as coisas corram mal para os portugueses e para o actual Governo por ser essa a única esperança de que venha a acontecer aquilo que vaticinou; única maneira de o salvar  de um enorme falhanço que  com o tempo só pode crescer.




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