sábado, 24 de dezembro de 2016

A TSU para além da neblina


A descida da TSU é , na minha opinião, uma decisão extremamente infeliz do atual Governo.

Mas a mim, mais do que o demérito induzido pela fragilidade dos argumentos que a sustentam e pela maior consistência da maior parte dos argumentos que a combatem, preocupa-me a ilusão que envolve o próprio plano em que a discussão se trava. Uma ilusão radicada numa relativa superficialidade teórica e doutrinária para a qual as esquerdas têm deslizado, de um modo geral, nas últimas décadas. Essa superficialidade que não é uniforme nem sequer idêntica relativamente a todas elas (mas em nenhuma está ausente), torna mais frágil qualquer entendimento que as congregue e mais incerto chegar-se sequer a consegui-lo.

Neste caso, para mim, o problema central que envolve a descida da TSU é o de que verdadeiramente isso significa uma redução do salário de todos os trabalhadores envolvidos. Na verdade, substancialmente, os descontos para a segurança social, quer sejam  imputados juridicamente aos patrões quer aos trabalhadores, são salários diferidos. E só a superficialidade mistificatória  que ignore isso mesmo, abre a porta a que se possa enveredar por essa via sem sequer  se achar que desse modo se está a cair numa redução salarial.

Não esqueçamos: se deixarmos que as sombras ideológicas projetadas pelo neoliberalismo  nos toldem os espíritos, dificilmente ficaremos a coberto da sua influência nefasta.


domingo, 18 de dezembro de 2016

PASSOS - o astrólogo das desgraças


Passos Coelho assumiu-se como o astrólogo das desgraças. Confiou na alta probabilidade de um regresso dos tempos difíceis a Portugal. Confiança que certamente lhe adveio dos seus próprios limites ideológicos, mas principalmente de uma noção clara da fragilidade da situação económica de Portugal  subsequente ao seu próprio consulado. Fragilidade acentuada pela objectiva  volatilidade política da União Europeia  que oscila entre uma fidelidade robótica aos dogmas do neoliberalismo (traduzida numa total nudez estratégica) e  o despertar doloroso para uma realidade que insistentemente lhe faz entrar pelos olhos dentro o negrume do seu fracasso, quando optou pela via da austeridade.

Mas se é certo que o neoliberalismo tem assombrado a Europa, não conseguiu ainda destruí-la, pelo que muita coisa se move nela apesar dele. Muita coisa resiste.

A fibra e a criatividade  dos portugueses,  uma atmosfera solidária com algum relevo e um governo possibilitado por uma conjugação das esquerdas ( e que a reflecte), têm atrasado a realização das profecias negras de Passos. E parece legítimo afirmar-se que, se os contextos político-económicos europeu e mundial não criarem dificuldades novas e maiores, pelo que diga respeito apenas aos portugueses e à via seguida pelo governo, as profecias negras de Passos não se confirmarão.

Tudo isto, no entanto, suscita duas questões centrais.

Primeira: se houver uma situação difícil inequivocamente imputável a causas externas podemos fazer recair as culpas nos portugueses e no seu Governo?

Segunda: sendo certo que o consulado de Passos, tendo apertado o garrote em torno do povo,deixou a dívida pública pior, o défice abaixo dos objectivos fixados , a economia num nível inferior  e agravados os problemas do sistema financeiro, que razão haveria para acreditarmos que ele , se viesse a ocorrer uma crise exógena,  nos faria enfrentá-la melhor  do que  este Governo?

Quanto àquilo  que a primeira questão envolve, a culpa só poderia ser imputada  aos portugueses e ao actual governo, com base na lógica de que o capital merece todo o carinho e as pessoas que vivem do seu trabalho, todos os sacrifícios.

Quanto ao que tem a ver com a segunda questão torna-se cada vez mais claro que a via da austeridade não é uma cura mas uma intoxicação, cujo efeito colateral mais notório é o de cavar as desigualdades e agravar a pobreza.

Tudo isto conduz a uma conclusão: Passos deixou-se aprisionar pela sua própria frustração por ter perdido o poder, tendo ficcionado a indispensabilidade da sua política e  a insusceptibilidade de se seguir qualquer outro caminho. Robotizado ideologicamente pelo neoliberalismo, foi deslizando para um discurso que se repete a si próprio. E cada dia que passa torna esse discurso mais distante da realidade.

E assim, perversamente, o equívoco de Passos (que começou por ser apenas uma ideia errada) pode converter-se num desejo. Sim, o desejo de Passos de que as coisas corram mal para os portugueses e para o actual Governo por ser essa a única esperança de que venha a acontecer aquilo que vaticinou; única maneira de o salvar  de um enorme falhanço que  com o tempo só pode crescer.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Pós-Graduação em Economia Social - 2016/2017.



Exmos/as Senhores/as,

Os estudos pós-graduados são hoje parte fundamental da missão universitária.

É com grande satisfação que vimos informar que se encontram abertas, até ao próximo dia 6 de janeiro de 2017, as candidaturas de Acesso à Pós-Graduação em Economia Social – Cooperativismo, Mutualismo e Solidariedade para o ano letivo 2016/2017.

No âmbito do Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio, na categoria “Formação Pós-Graduada”, atribuído a esta Pós-Graduação em 2014 pela CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, 5 estudantes selecionados nesta Pós-Graduação e que não possuam “meios para autofinanciar a sua participação“ poderão candidatar-se a Bolsa de Estudo, no valor de 300,00€ cada, relativa ao montante da propina.

As candidaturas são feitas online. Poderá encontrar mais informações na página web da FEUC.

Se quiser obter algum esclarecimento adicional ou mais informações sobre o curso e o seu funcionamento, não deixe de contactar a Escola de Estudos Avançados da FEUC (eea@fe.uc.pt | Telef. +239 790 501/510).

Esperamos por si!


Agradecendo desde já toda a atenção prestada,

Saudações Académicas

 FEUC


                                                      

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O homem do fato cinzento diz FMI.




O homem do fato cinzento diz FMI.

O homem do fato cinzento disse: “Ficámos surpreendidos com os resultados a que chegou a economia portuguesa”.
O homem do fato cinzento devia ter dito: “Enganámo-nos nas previsões pessimistas que fizemos quanto á economia portuguesa.”
O homem do fato cinzento acrescentou: “Mas devem ser feitas mais reformas estruturais”.
Eu pergunto ao homem de fato cinzento: “Se te enganaste porque nos dás os mesmos conselhos que darias se tivesses acertado?”
O homem do fato cinzento indica, embrulhando-as num economês internacional, quais são as suas reformas estruturais. Se traduzirmos pacientemente o seu economês internacional para português corrente, facilmente veremos que se reduzem a três tipos: prejudicar os trabalhadores, favorecer o capital e enfraquecer o Estado.
Como vemos é muito importante valorizar o português corrente, já que em economês internacional os portugueses como todos  os povos  podem ser enganados, mas em português corrente  os portugueses são muito mais dificilmente ludibriados. E os políticos-megafone do FMI em Portugal não podem ser tão desenvoltos como ainda não deixarem de ser, sob pena de correrem o risco de esqualidez eleitoral.
Duas perguntas me assaltam incomodativas, em conclusão:
1ª Por que razão milhares de cérebros sofisticados, pagos regiamente por dinheiros públicos, espremem a sua inteligência durante anos e anos para acabarem por recomendar  no essencial uma dócil obediência aos sonhos mais primários de qualquer patrão de esquina que esqueça a inteligência estratégica e a generosidade humana?
2ª Por que razão cabe aos Estados pagar e credenciar uma burocracia tecnocrática ostensivamente posta ao serviço do capital financeiro mundial?

Não espero que o homem do fato cinzento saiba responder.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O BRASIL em águas turvas


                                           - A generosidade da direita brasileira -

Durante os últimos dias teve lugar no Brasil mais um episódio politico-rocambolesco que justifica alguns comentários. Comecemos pelo princípio.

A Rede de Sustentabilidade, partido político liderado pela ex-candidata presidencial Marina Silva, que antes  fora dirigente do PT e pertencera ao governo de Lula, tomou uma posição de ambiguidade cúmplice, durante o golpe de Estado desferido contra Dilma Roussef. Os seus resultados nas eleições locais posteriores foram modestos. A sua posição perante a deriva neoliberal interpretada pelo governo do mordomo Temer é fluida e inócua.

Talvez, para fazer prova de vida, a Rede suscitou no Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) um incidente de afastamento do Senador Renan Calheiros da Presidência do Senado. Incidente possibilitado pelo facto de o STF ter aberto um processo-crime contra ele por corrupção. No quadro do referido pedido de afastamento, foi tomada, por um juiz do STF, uma providência cautelar para que preventivamente se procedesse de imediato ao referido afastamento.

A mesa do Senado brasileiro não acatou a ordem judicial, alegando que aguardava a confirmação do ato do juiz pelo pleno do STF. Este tomou ontem uma decisão contrária ao juiz, permanecendo Calheiros na liderança do Senado. Mas, salomonicamente, decidiu que Calheiros, embora continuasse à frente do Senado, saía da linha sucessória da Presidência da República, tal como ela é desenhada pela Constituição brasileira.

Os jornais noticiaram com naturalidade que o Presidente da República  instalado ( Temer), lideranças do senado e juízes do STF tinam acordado a solução adotada num esforço de contenção de danos e riscos; e para ninguém perder a face . A Justiça destapou discretamente um dos seus olhos para ver o que estava em causa? Se o senador fosse do PT a decisão seria a mesma? Por método ou por viés rural  ─ duvido.

Enfim, para mim é um sinal de pré-Estado de Direito : juízes do tribunal supremo regateiam decisões com os outros poderes, admitindo implicitamente que não são apenas  escravos da lei mas também das conveniências políticas. E a mesma imprensa (os jornalões e as grandes cadeias televisivas) que nos espantava e desvanecia com a sua virtude democrático-justicialista, fustigando Dilma e santificando qualquer magistrado que arremetesse contra Lula ou o PT, congratula-se agora com o arranjinho politico-judicial , como se fosse um ato santo. E assim tingiu de um pouco mais de sombra a sua credibilidade.

É claro que é discutível o fundo jurídico da questão. E é certo que  nas decisões jurídicas de instâncias brasileiras de nível  jurídico-constitucional nada mais podemos estranhar ,depois desse extraordinário atropelo que se traduziu no envolvimento de um verdadeiro golpe de Estado numa falsa capa jurídico-constitucional que foi a destituição de Dilma. Mas o risco de um alto magistrado se fazer de parvo para assim tomar uma decisão ilegítima é  o de , daí por diante frequentemente,  passar a dizer e a fazer parvoíces; ou a  dar legitimidade a outros para, por sua vez, as dizerem e fazerem  quando lhes convier.

Na verdade, quando os senadores brasileiros, assumindo formal e legalmente o papel de supremos julgadores da  Presidente da República e assumindo desse modo a responsabilidade de revogarem a vontade democrática e legitimamente expressa por  muitas  dezenas de milhões de brasileiros, mostraram que na sua maioria não tinham a nem a capacidade nem densidade jurídica necessárias  para decidir uma multa de trânsito. E assim permitiram que um qualquer meritíssimo magistrado que ninguém elegeu pudesse um dia imaginar argumentos para lhes remover o presidente.

No entanto, o que aqui está em causa de essencial  verdadeiramente é que as altas figuras atuais do estado brasileiro, depois do golpe de Estado contra Dilma, acham bem lá no fundo que qualquer delas pode subitamente ver-se envolvida formalmente num grande escândalo de corrupção. E assim a linha de sucessão presidencial, em vez de ser uma fila de gente séria e de uma estatura  moral acima de qualquer suspeita, é afinal um painel de possíveis futuros réus, na pior das hipótese, um painel de futuros cadastrados. Moralmente, uma implícita vingança de Dilma.

O antigo Presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, impulsionador decisivo da destituição de Dilma, foi demitido e está preso. O atual Presidente do Senado que colaborou docilmente no golpe, já foi declarado arguido pelo STF. Acumulam-se referências a Temer nas delações premiadas, além de estar em curso um processo de anulação das eleições que o pode varrer do poder. A qualidade jurídica do trabalho dos magistrados brasileiros envolvidos nos processos com decorrências políticas e a sua imparcialidade são cada vez mais histórias da carochinha. Os seus parceiros no Congresso começam a ensaiar tentativas de lhes porem limites e limitações.

Dilma foi apeada , porém  entre   as dezenas e dezenas de nomes de atuais detentores do poder formal mencionados repetidamente em delações premiadas não consta o nome dela.

Pouco a pouco vai ganhando a credibilidade da evidência de que o que  fez o establishment politico-mediático brasileiro tentar expelir como corpos estranhos Lula, Dilma e o PT não foi a sua alegada imundície moral , completamente oposta ao poço de virtudes e de honestidade que sempre foi ( todos o sabemos) a direita brasileira, mas precisamente o contrário. É que mesmo assumindo alguns tiques do establishment brasileiro,  eles cheiravam demasiado a trabalho, cheiravam demasiado a esquerda, acreditavam de mais num futuro justo, estavam  demasiado próximos do povão , para não serem um perigo crescente. O lixo sentiu-o o perigo e a  necessidade de ficar mais tranquilo, menos acompanhado ─ e expeliu-os.


E da querela em torno da liderança do atual Senado brasileiro acabei por chegar ao lixo. O trágico é que talvez não tenha sido preciso andar muito.

domingo, 4 de dezembro de 2016

O POPULISMO COMO MISÉRIA IDEOLÓGICA.



                            De  GOYA : " O sono da razão cria monstros".

A vitória da Trump, as  eleições na Áustria e a força da srª Le Pen nas sondagens têm dado a dimensão de uma imensa  vozearia a uma alegada oposição à extrema-direita europeia, partilhada pelo complexo mediático dominante, pela intelectualidade do sistema, pelos partidos da direita alegadamente democrática e por uma parte desorientada dos partidos de esquerda.

De facto, esse coro heteróclito julgou  subir um degrau na  sua própria densidade teórica e deixou de chamar à extrema-direita aquilo que ela própria é  realmente : uma herdeira direta dos fascismos e uma via política reacionária e autoritária. Subtil, deu-lhe o rótulo de populista, limpando-a assim de uma penada de todas as  conotações nazi-fascistas que realmente são as suas. Ou seja, branqueamento!

E não se ficou por aí: esquecendo que a sua proeza teórica tinha sido apenas uma limpeza de imagem da extrema-direita, a matilha mediática e a grande luz sombria do pensamento instituído julgaram que tinham agora à sua disposição um rótulo sumário e insultante que podiam usar contra qualquer atrevido que ousasse sair do redil ideológico-político. Na mente líquida de tão apurado pirilampismo teórico desenhou-se um novo e luminosos caminho: também há populistas de esquerda!

No entanto, não foi  feita uma teoria política da alegada divisão em duas metades. Mais simplesmente, os neofascistas passaram a populistas ; as esquerdas que se revoltem passaram também  a fazer parte do novo âmbito conceitual, tornando-se também populistas.

Na luminosidade do seu intelecto, julgam assim neutralizar simbolicamente os recalcitrantes de esquerda, sem se darem ao trabalho de lhes inventariarem as razões e de as discutirem, cometendo assim a  canina mistificação de os meterem no mesmo saco com os neofascistas. Todavia, como estão desacreditados e deixam assim à  mostra a sua tacanhez, talvez nem consigam verdadeiramente desacreditar  os chamados populistas de esquerda. No que não falham  é no apagamento do seu lado mais negro  quanto aos chamados populistas de direita. 

Apanhando embalagem, vão mais longe: e assim  o “brexit” deixa de ser um resultado provocado pelo Partido Conservador  Britânico e passa a ser mais um artefacto populista.  E assim se escondem causas e culpas , deixando-se  na paz do senhor a política europeia desastrada, liderada nos últimos anos pelo Partido Popular Europeu e consentida  pela apagamento político do Partido Socialista Europeu.

Por tudo isto, a tarefa que cabe a quem confia na liberdade e na justiça e pugna pela democracia e pela igualdade não é inventar um espantalho, que realmente  não existe, para fingir que se lhe  bate furiosamente, mas combater o que realmente existe , ou seja,  a direita neofascista que, embora travestida, não perdeu a sua identidade nem esqueceu os seus desígnios.  Realmente, as esquerdas não podem julgar que, se consentirem ou forem cúmplices do agravamento das desigualdades sociais, da miséria e da exclusão, as vítimas de tudo isso continuem a confiar nelas, caminhando para a guilhotina com um conformado sorriso nos lábios, mas garantindo-lhes os votos enquanto vivas.

Por isso, ressalvando-se as justas boa vindas merecidas por futura reflexões, dignas desse nome, sobre o fenómeno histórico e variegado do populismo realmente existente, é urgente que aqueles que se querem de esquerda parem, de uma vez por todas, de continuar a desempenhar o papel de idiotas úteis ao serviço do ascenso da extrema-direita que dizem ( talvez com sinceridade) querer combater.

Quanto à direita confessa ou professa, há que desmascará-la sem grandes ilusões. Nunca devemos esquecer que o primeiro governo de Hitler, que não teve maioria absoluta, só foi possível porque uma parte da direita “democrática” alemã da altura se dispôs a apoiá-lo. É claro que não envolvo neste ceticismo os homens de boa-vontade que à direita pugnam pela democracia, mas não tenho qualquer ilusão quanto à esmagadora parte das suas expressões institucionais.

Numa palavra, a superficialidade e a burrice, em política, podem ser fatais..