PABLO
NERUDA
Após
algum tempo de pausa, regressa a série “um livro, um poema”. Talvez menos
regular, mas mais prolongada. Dar-lhe-ei como título, de agora em diante, “Um
livro, alguns poemas”, quando se der o caso difundir, numa só postagem, mais do
que um poema
Regresso com um poeta chileno, mas
universal. De uma universalidade que chegou ao coração dos povos, antes de ter
conduzido Pablo Neruda, ao clube restrito dos que conquistaram o Prémio Nobel da
Literatura, em 1971. Um poeta que teceu uma épica emancipatória, enraizada no
sofrimento dos explorados e dos oprimidos, exprimindo-a na paisagem calorosa
das suas palavras, irmãs de planícies e de montanhas, e da larga respiração da
esperança.
Regresso
com um livro lendário ─ “Los versos del capitan” ─, publicado pela primeira vez
em 1952, em Nápoles, numa edição restrita com omissão da identidade do autor.
É um livro de júbilo e homenagem que tem as
suas raízes num amor que se supõe concreto. São poemas de amor que não se
deixam aprisionar na mulher que os inspira, porque constantemente fazem passar
através dela, do seu corpo construído pelas palavras mágicas do poeta, o
marulhar profundo da cólera dos povos.
Abre-o
uma carta vinda de Havana, datada de outubro de 1951, escrita pela suposta musa
que fez nascer o livro, Rosario De La Cerda. Como elemento da própria ocultação
da identidade do autor, diz-nos ela: “Lamento não poder indicar o seu nome.
Nunca soube qual era o verdadeiro, se Martinez, Ramirez ou Sanchez. Eu chamo-o
simplesmente meu Capitão e este é o nome que quero conservar neste livro.”
Numa
explicação, datada de novembro de 1963 (Isla Negra) que abre a edição publicada na Argentina pela
Editorial Losada, em 1964, escreveu Pablo Neruda : “ Entrego, pois, este livro
sem explicá-lo mais, como se fosse meu e não o fosse: basta que possa andar
sozinho pelo mundo e crescer por sua conta. Agora que o reconheço espero que o
seu sangue furioso me reconheça também.”
Vou
hoje transcrever dois poemas de Pablo Neruda, extraídos de uma tradução em
português de Albano Martins que a ambos dignifica. Esta edição do livro ”Os
Versos do Capitão” foi publicada no Porto, pelo Campo das Letras, em 1996.
Ei-los:
O OLEIRO
Há em todo o teu corpo
uma taça ou doçura a
mim destinada.
Quando levanto a mão
encontro em cada lugar
uma pomba
qua andava à minha
procura, como
se te houvessem, meu
amor, feito de argila
para as minhas mãos de
oleiro.
Os teus joelhos, os
teus seios,
a tua cintura,
faltam em mim como no
côncavo
duma terra sedenta
a que retiraram
uma forma,
e, juntos,
estamos completos como
um só rio,
como um só areal.
O TIGRE
Sou o tigre.
Espio-te entre as
folhas
largas como lingotes
de mineral molhado.
O rio branco cresce
sob a névoa. Chegas.
Nua, mergulhas.
Espero.
Então, num salto
de fogo, sangue,
dentes,
com uma pancada derrubo
teu peito, tuas ancas.
Bebo o teu sangue,
despedaço-te
os membros um a um.
E fico a velar
durante anos, na selva,
teus osso, tua cinza,
imóvel, longe
do ódio e da cólera,
desarmado em tua morte,
enredado nos cipós,
imóvel à chuva,
sentinela implacável
do meu amor assassino.
Sem comentários:
Enviar um comentário