A vida em sociedade no nosso
planeta está posta em risco pela deriva neoliberal do capitalismo. Mas este
risco estratégico, de médio prazo, traduzir-se-á inevitavelmente numa sucessão
de episódios dramáticos, um pouco por todo o mundo, nos próximos anos, nas próximas
décadas. Milhões de seres humanos sofrem e continuarão a sofrer como
protagonistas desse apodrecimento civilizacional. As desigualdades permanecerão
gritantes e imorais como chagas vivas de uma sociedade doente. Diferenciada
mente, cada conjunto geopolítico, cada país, sofrerão a sua própria versão
dessa desgraça; ou ocuparão o pelotão da frente num desejável processo histórico
de saída pilotada do capitalismo. Processo longo e complexo, dependente de uma
vontade colectiva firme e inteligente, corajosa e serena, suficientemente
robusta para se manter durante um prolongado período de transição. Processo árduo,
mas que é a única alternativa a um apodrecimento civilizacional que pode levar
a um lento murchar da humanidade ou interromper-se dramaticamente numa guerra
final. Isto é o essencial, a referência estratégica irremovível, sem a qual as
medidas políticas, mesmo que em si próprias aparentemente lógicas e
justificadas, correm sempre um risco acrescido de verem os seus efeitos
dissipados num vazio de horizontes.
Portugal tem o seu lugar neste
xadrez universal, em grande parte através da Europa. A sua inserção natural e
objectiva no mundo não o dispensa de trilhar o seu próprio caminho, embora
naturalmente, insisto, em conjugação e interacção com todos os outros povos,
com particular relevo para os que com ele partilham a Europa. Ter o seu caminho,
significa também que tem que reagir por si próprio e à sua maneira ás
conjunturas dramáticas que lhe digam respeito.
Mal refeitos de uma fase aguda da
agressão internacional do capital financeiro ao nosso país, de que o actual
governo foi um dócil instrumento, estamos agora confrontados com um terramoto
bancário, que, replicando abalos anteriores semelhantes, tem a particularidade
simbólica de ter eclodido num dos grupos liderantes do capitalismo português e
a complexidade de ser internacional. É impensável que os crimes que levaram ao
naufrágio do Grupo Espírito Santo fiquem impunes. Seria intolerável que os
recursos públicos fossem desviados para taparem um buraco aberto pelos
desmandos do grande capital. Mas será imperdoável também que não sejam desde já
tomadas medidas reguladoras estruturais que instituam um sistema susceptível de
impedir objectivamente que se repitam os comportamentos que levaram ao colapso
ocorrido.
E ao lado das medidas reguladoras
deve desde já ser lançado um grande debate nacional sobre a banca, que possa
ser um dos pontos de confronto programático nas próximas eleições legislativas.
Deve estar em cima da mesa a conjugação entre capital estrangeiro e capital nacional, entre bancos
públicos, privados e da economia social.
Deve ser claro como pressuposto o facto de que a legitimidade da actividade bancária
não é um direito absoluto de qualquer capitalista oriundo de qualquer país,
estando necessariamente subordinada aos interesses do povo português e à
legalidade democrática. Se lesar esses interesses e essa legalidade, desaparece.
O facto de não se optar pela nacionalização completa da banca não significa que
se não deva reforçar a importância da banca pública no contexto português. Tem que
se pôr fim a uma inércia prolongada no que concerne ás entidade bancárias
radicadas na economia social. Em Portugal, neste sector merecem especial
destaque o Grupo das Caixas de Crédito Agrícola e o Montepio. Quanto a esta
matéria, há um preceito do Código Cooperativo adormecido desde 1980; é tempo de
acordá-lo. Discutamos à luz do interesse público e não sob a pata dos dogmas neoliberais em voga.
Tenhamos pois uma noção clara do
que está em jogo neste caso. Seja dada uma resposta imediata, mas prepare-se
uma renovação estrutural do sistema bancário, que possa realmente estar ao serviço do interesse nacional, do povo português, ao serviço da economia e não subordinado
ao sôfrego devorismo do capital financeiro.
1 comentário:
Durante duas décadas fui dirigente cooperativo (consumo)
Aí aprendi muito com o povo associado.
Senti aí o pulsar verdadeiro dos cooperantes e seus familiares.
Já nesse tempo /décadas de 70/80 )
tentava incutir no espirito cooperador um sistema (banco cooperativo) que, pensava eu, seria o melhor dentro de um sistema capitalista selvagem e nada moralista.
Mas a IGNORANCIA ERA E É BASTANTE FORTE.
Após A revolução Dos CRAVOS MEXEU-SE MUITO NA LEGISLAÇÃO do Comércio COOPERATIVO que até tinha uma secretaria para o efeito.
Aceito como muito válido a sua opinião, mas como tudo necessita
de apoios e organização fortes, faltou-nos principalmente o apoio dos técnicos e intelectuais.
A sociedade está a viver o dogma do "mercado consumista"
Obrigado por fazer lembrar tempos que já não voltam"
de "O Catraio" com respeito
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