quinta-feira, 31 de julho de 2014

As Sombras do Capital


A vida em sociedade no nosso planeta está posta em risco pela deriva neoliberal do capitalismo. Mas este risco estratégico, de médio prazo, traduzir-se-á inevitavelmente numa sucessão de episódios dramáticos, um pouco por todo o mundo, nos próximos anos, nas próximas décadas. Milhões de seres humanos sofrem e continuarão a sofrer como protagonistas desse apodrecimento civilizacional. As desigualdades permanecerão gritantes e imorais como chagas vivas de uma sociedade doente. Diferenciada mente, cada conjunto geopolítico, cada país, sofrerão a sua própria versão dessa desgraça; ou ocuparão o pelotão da frente num desejável processo histórico de saída pilotada do capitalismo. Processo longo e complexo, dependente de uma vontade colectiva firme e inteligente, corajosa e serena, suficientemente robusta para se manter durante um prolongado período de transição. Processo árduo, mas que é a única alternativa a um apodrecimento civilizacional que pode levar a um lento murchar da humanidade ou interromper-se dramaticamente numa guerra final. Isto é o essencial, a referência estratégica irremovível, sem a qual as medidas políticas, mesmo que em si próprias aparentemente lógicas e justificadas, correm sempre um risco acrescido de verem os seus efeitos dissipados num vazio de horizontes.

Portugal tem o seu lugar neste xadrez universal, em grande parte através da Europa. A sua inserção natural e objectiva no mundo não o dispensa de trilhar o seu próprio caminho, embora naturalmente, insisto, em conjugação e interacção com todos os outros povos, com particular relevo para os que com ele partilham a Europa. Ter o seu caminho, significa também que tem que reagir por si próprio e à sua maneira ás conjunturas dramáticas que lhe digam respeito.

Mal refeitos de uma fase aguda da agressão internacional do capital financeiro ao nosso país, de que o actual governo foi um dócil instrumento, estamos agora confrontados com um terramoto bancário, que, replicando abalos anteriores semelhantes, tem a particularidade simbólica de ter eclodido num dos grupos liderantes do capitalismo português e a complexidade de ser internacional. É impensável que os crimes que levaram ao naufrágio do Grupo Espírito Santo fiquem impunes. Seria intolerável que os recursos públicos fossem desviados para taparem um buraco aberto pelos desmandos do grande capital. Mas será imperdoável também que não sejam desde já tomadas medidas reguladoras estruturais que instituam um sistema susceptível de impedir objectivamente que se repitam os comportamentos que levaram ao colapso ocorrido.

E ao lado das medidas reguladoras deve desde já ser lançado um grande debate nacional sobre a banca, que possa ser um dos pontos de confronto programático nas próximas eleições legislativas. Deve estar em cima da mesa a conjugação entre capital  estrangeiro e capital nacional, entre bancos públicos,  privados e da economia social. Deve ser claro como pressuposto o facto de que a legitimidade da actividade bancária não é um direito absoluto de qualquer capitalista oriundo de qualquer país, estando necessariamente subordinada aos interesses do povo português e à legalidade democrática. Se lesar esses interesses e essa legalidade, desaparece. O facto de não se optar pela nacionalização completa da banca não significa que se não deva reforçar a importância da banca pública no contexto português. Tem que se pôr fim a uma inércia prolongada no que concerne ás entidade bancárias radicadas na economia social. Em Portugal, neste sector merecem especial destaque o Grupo das Caixas de Crédito Agrícola e o Montepio. Quanto a esta matéria, há um preceito do Código Cooperativo adormecido desde 1980; é tempo de acordá-lo. Discutamos à luz do interesse público e não sob a pata dos dogmas neoliberais em voga.


Tenhamos pois uma noção clara do que está em jogo neste caso. Seja dada uma resposta imediata, mas prepare-se uma renovação estrutural do sistema bancário, que possa realmente estar ao  serviço do interesse nacional,  do  povo português, ao serviço da economia e não subordinado ao sôfrego devorismo do capital financeiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Durante duas décadas fui dirigente cooperativo (consumo)
Aí aprendi muito com o povo associado.
Senti aí o pulsar verdadeiro dos cooperantes e seus familiares.
Já nesse tempo /décadas de 70/80 )
tentava incutir no espirito cooperador um sistema (banco cooperativo) que, pensava eu, seria o melhor dentro de um sistema capitalista selvagem e nada moralista.
Mas a IGNORANCIA ERA E É BASTANTE FORTE.
Após A revolução Dos CRAVOS MEXEU-SE MUITO NA LEGISLAÇÃO do Comércio COOPERATIVO que até tinha uma secretaria para o efeito.
Aceito como muito válido a sua opinião, mas como tudo necessita
de apoios e organização fortes, faltou-nos principalmente o apoio dos técnicos e intelectuais.
A sociedade está a viver o dogma do "mercado consumista"
Obrigado por fazer lembrar tempos que já não voltam"
de "O Catraio" com respeito