Na atual conjuntura portuguesa e europeia, o radicalismo
imediatista dos protestos, mesmo no quadro de um contexto táctico imaginativo e
até potencialmente fecundo, mesmo que eticamente justificados e politicamente
legítimos, são insuficientes, ainda que episodicamente confortadores. Não vão
além de uma vulnerável atitude defensiva.
Por mim, estou convencido que sem uma real ousadia
estratégica que assuma a necessidade de encetar um processo reformista de
superação do capitalismo, as esquerdas continuarão cercadas. Cercadas dentro de
um sistema que se sente confortável e tranquilo enquanto não for contestado na
sua globalidade. De facto, enquanto a circulação das ideias e das indignações
não o puserem em causa como modo de ser da sociedade, todas as contestações serão
encaradas pelos seus protagonistas centrais com descontracção e bonomia.
E se as esquerdas, e em especial a que é eleitoralmente
hegemónica, não forem capazes de passar por essa metamorfose, dificilmente
abrirão qualquer porta para o futuro. De facto, como poderão aspirar a ser a
expressão organizada dos explorados e dos oprimidos, se aceitarem a exploração capitalista
como um dado de facto irremovível e a opressão institucional como uma
fatalidade? Podem protestar contra a exploração e contra a opressão (e é bom
que o façam), mas, se não mostrarem uma vontade prática viável que leve a sair
delas, acabarão por espalhar apenas desilusão e desespero.
Não é, por isso, possível adiar mais, sem grandes riscos, a aposta num reformismo autêntico que caminhe,
gradual, democrática e ininterruptamente, para uma nova sociedade. Já não chega
um possível discurso milenar de esperança, ideologicamente generoso e
eticamente legítimo, se continuar desprovido de apostas práticas concretas
imediatas. Não é possível esquecer por mais tempo a actualidade de um horizonte
socialista, como contexto estratégico de longo prazo, qualificante e
justificativo, das nossas propostas, das nossas políticas, da nossa ambição
transformadora.
Os explorados e oprimidos podem bater-se por uma sociedade
justa , podem aceitar sacrifícios hoje para uma sociedade de iguais amanhã; não
estão mais dispostos a sofrer para que um pequeno grupo de ricos acumule
dinheiro e poder à custa da miséria de um número crescente de cidadãos. Muitos
estão dispostos a bater-se e sacrificar-se por uma sociedade justa, pela
igualdade e pela justiça. Será estulto pensar-se que alguém irá lutar por mais
zero vírgula um por cento do PIB, concedendo que a sociedade fique estruturalmente
como é hoje.
Este é o problema central. Fugir dele sem o resolver, aconchegando-nos
no suave tricotar de pequenas propostas, mesmo acompanhadas por uma forte
vociferação de diatribes, talvez desanuvie temporariamente o horizonte se
formos geniais, mas, de um ponto de vista estratégico, continuaremos
engessados, logo praticamente inofensivos. Talvez os gritos dêem uma ilusão de
acção, mas não nos farão sair do mesmo sítio.
E, mais cedo ou mais tarde, voltará tudo ao mesmo, mas com mais
pobres, mais injustiçados, mais cansados. E (nunca o esqueçamos!) com muito
menos paciência.
3 comentários:
Como te compreendo meu caro. Bem... pelo menos já podes contar com um "adepto". Sei que haverá mais umas centenas ou milhares aí, onde são precisos mais umas dezenas ou centenas... de milhar. Não desanimemos;)
Abraço e força.
Ter a tua concordância é um estímulo que aguça a confiança. A confiança de que aquilo que se disse faz algum sentido.
Abraço.
Um forte abraço, Rui, e parabens pelo teu "post".
Subscrevo-o na íntegra.
E, por outro lado,é gratificante e um gosto constatar a coerência do teu infatigável magistério, sempre empenhado.
Na esteira de André Gorz, por forma inquebrantável, mas actualizada.
Sublinho ainda em particular o teu alerta para o taticismo do " tricotar de pequenas propostas", pois é aí que tb. está e se desnuda o "nó do problema".
Não se pode confundir estratégia com táctica.
O reformismo ou é autêntico / revolucionário - como queria Gorz - ou não passa de uma mistificação, onde se altera o acidental para que tudo fique na mesma.
E a " falta de paciência" de que falas, e bem, pode desaguar na violência cujos resultados podem não passar de fogachos, nobres mas inconsequentes, quiçá trágicos.
Mas " paciência a mais " pode ainda ser mais funesto.
E ao dizer isto, estou convicto que tal cenário há já muito se configura na forma de excesso de paciência, mas o revolucionário consequente sabe onde se posicionar, qual o lado certo da trincheira.
E o tempo urge!
PS - Espero que nada me impeça de estar em Coimbra no lançamento do livro.
O teu,
( bento )
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