sábado, 30 de novembro de 2013

ESTA ECONOMIA MATA !


Na sequência do texto que coloquei ontem neste blog, volto  à Primeira Exortação Apostólica do atual  Papa.

Numa perspectiva histórica, está ainda fresca a cumplicidade  da Igreja Católica para com o salazarismo. Não deve ser esquecida. Tal como deve ser recordada a Santa Inquisição. Mas também não devem ser esquecidos os muitos católicos que, ao arrepio da hierarquia da sua Igreja, estiveram do lado certo da História, partilhando a resistência com muitos e muitos portugueses que nunca se conformaram com o fascismo português.

 Mas, se não há que branquear as complacências de quem quer que seja, em face das derivas opressivas que aflijam os povos, seria estulto não acolher com júbilo as novas solidariedades na denúncia de uma degradação neoliberal do capitalismo que, tornando-se mais e mais insuportável para as suas vítimas maiores, exclui o tipo de sociedade em que nos estamos a transformar  da legitimidade ética. De uma legitimidade ética  gerada pela cultura como expressão consensual de um humanismo, para onde convergiram várias ideologias e várias obediências religiosas. Que o Papa se sinta impelido a ser uma testemunha do mundo todo e em especial dos que mais sofrem, afastando-se com clareza do cartel dos poderes de facto que sorvem as nossas vidas, só pode ser um acontecimento maior.

E isto obriga também os agentes políticos colectivos, cuja existência tem na base a resistência ao capitalismo e a ambição histórica de apressar a caminhada para um mundo diferente, para um pós-capitalismo, a reexaminarem o cerne das suas posições, a reapreciarem a medida em que o futuro impregna de facto como esperança as suas posições políticas como seria lógico. Mas se este desafio envolve em primeira linha partidos e sindicatos, não deixa de fora cada militante individualmente considerado, cada cidadão que se sinta parte do povo de esquerda.

De facto, nada de mais irónico ( e de mais trágico) do que as esquerdas (ou algumas delas), descobrirem que a modorra ideológica e política em que se deixaram cair tenha levado a que acordem um belo dia à direita do Papa.

Mas, vamos ao substancial: analisemos com atenção mais um extrato do documento papal acima referido e já ontem aqui parcelarmente transcrito:


“Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas resíduos, «sobras».


Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.”

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

OS DEUSES TÊM SEDE ?


“Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas”.


Este texto não foi escrito por um perigoso esquerdista, ou por um nefelibata sem contacto com a realidade. É apenas um pequeno extracto da Primeira Exortação Apostólica de Papa Francisco.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Quinta-feira, em COIMBRA


O PASSADO COM PÉS DE BARRO


O Prof. Oráculo de Sousa ilustrou bem, na sua mais recente conversa de domingo, o espírito da estranha cerimónia ontem urdida em torno de Eanes, com o pretexto de comemorar o 25 de Novembro.

Havia que contrapor o exemplaríssimo Eanes, um ex-Presidente como deve ser, ao pouco recomendável Soares, excessivamente apostado em dizer coisas de esquerda. Não me passa pela cabeça demonizar o primeiro; e o segundo não precisa de ser santificado. Mas não quero ser vítima de ilusionismos.

Votei em Otelo contra Eanes, mas não pude deixar de optar por este contra Soares Carneiro.Mas muitos dos que beatamente fingiram ontem venerá-lo foram ostensivos apoiantes deste último.

É certo que o circunspecto Eanes já saiu do seu  pedestal de alegada  isenção para dar publicamente uma forcinha ao Presidente que estamos a sofrer, quando este queria ser eleito. Mas realmente o que os promotores do evento de ontem pretenderam foi usar Eanes como arma de arremesso contra Soares.Julgando estarem a diminuir o segundo estavam afinal a apoucar o primeiro, deixando bem claro que ele apenas pode servir como um instrumento, já que não tem dimensão para ser uma referência histórica.

Prudentemente, o PS deixou escorrer algumas das suas figuras para dar algum colorido à cerimónia, fazendo de conta que ela era apenas o que os seus promotores queriam fazer crer. Fiquei com alguma incomodidade.Um observador mais distraído podia pensar  que , no fundo no fundo, estava a reconhecer alguma razão ao Prof Oráculo. Ora, este exuberante comentador de domingo não só não teve razão, como distorceu grosseiramente a atitude que realmente Eanes teve como Presidente, pelo menos no que diz respeito ao PS. 

A Eanes não têm que se  regatear méritos, mas não se pode ignorar uma mancha indelével nas suas relações com o PS: a fundação do PRD que viria a liderar. Realmente, ele fora eleito duas vezes com o apoio do PS, sendo duvidoso que o tivesse sido se o PS apoiasse uma outra candidatura contra ele. E mesmo quando Soares lhe retirou o apoio pessoal na segunda candidatura, o PS como partido empenhou-se na sua eleição. E, no entanto, Eanes não hesitou em criar um partido, usando o seu lugar de Presidente (ainda que sem frontalidade), para procurar destruir o PS. Não o conseguiu, mas foi um elemento determinante para a abertura de portas a dez anos de cavaquismo.

Já se vê que o seráfico Eanes esteve longe de ter uma atitude angélica no que diz respeito ao PS. Admito que em política não se devam alimentar rancores por causa de episódios que vão ficando remotos, mas uma organização com profundidade histórica tem que ter sempre a memória bem acordada.

domingo, 24 de novembro de 2013

Agora em COIMBRA - "O mistério do cooperativismo"


Agora é em Coimbra que, na próxima quinta-feira, dia 28 de novembro, ás 18 h e 30 m ,vai decorrer uma sessão de apresentação de um livro meu.


Clicar sobre o convite para o poder ler melhor.)

sábado, 23 de novembro de 2013

O NÓ DO PROBLEMA


Na atual conjuntura portuguesa e europeia, o radicalismo imediatista dos protestos, mesmo no quadro de um contexto táctico imaginativo e até potencialmente fecundo, mesmo que eticamente justificados e politicamente legítimos, são insuficientes, ainda que episodicamente  confortadores. Não vão além de uma vulnerável atitude defensiva.

Por mim, estou convencido que sem uma real ousadia estratégica que assuma a necessidade de encetar um processo reformista de superação do capitalismo, as esquerdas continuarão cercadas. Cercadas dentro de um sistema que se sente confortável e tranquilo enquanto não for contestado na sua globalidade. De facto, enquanto a circulação das ideias e das indignações não o puserem em causa como modo de ser da sociedade, todas as contestações serão encaradas pelos seus protagonistas centrais com descontracção e bonomia.

E se as esquerdas, e em especial a que é eleitoralmente hegemónica, não forem capazes de passar por essa metamorfose, dificilmente abrirão qualquer porta para o futuro. De facto, como poderão aspirar a ser a expressão organizada dos explorados e dos oprimidos, se aceitarem a exploração capitalista como um dado de facto irremovível e a opressão institucional como uma fatalidade? Podem protestar contra a exploração e contra a opressão (e é bom que o façam), mas, se não mostrarem uma vontade prática viável que leve a sair delas, acabarão por espalhar apenas desilusão e desespero.

Não é, por isso, possível adiar mais, sem grandes riscos,  a aposta num reformismo autêntico que caminhe, gradual, democrática e ininterruptamente, para uma nova sociedade. Já não chega um possível discurso milenar de esperança, ideologicamente generoso e eticamente legítimo, se continuar desprovido de apostas práticas concretas imediatas. Não é possível esquecer por mais tempo a actualidade de um horizonte socialista, como contexto estratégico de longo prazo, qualificante e justificativo, das nossas propostas, das nossas políticas, da nossa ambição transformadora.

Os explorados e oprimidos podem bater-se por uma sociedade justa , podem aceitar sacrifícios hoje para uma sociedade de iguais amanhã; não estão mais dispostos a sofrer para que um pequeno grupo de ricos acumule dinheiro e poder à custa da miséria de um número crescente de cidadãos. Muitos estão dispostos a bater-se e sacrificar-se por uma sociedade justa, pela igualdade e pela justiça. Será estulto pensar-se que alguém irá lutar por mais zero vírgula um por cento do PIB, concedendo que a sociedade fique estruturalmente como é hoje.

Este é o problema central. Fugir dele sem o resolver, aconchegando-nos no suave tricotar de pequenas propostas, mesmo acompanhadas por uma forte vociferação de diatribes, talvez desanuvie temporariamente o horizonte se formos geniais, mas, de um ponto de vista estratégico, continuaremos engessados, logo praticamente inofensivos. Talvez os gritos dêem uma ilusão de acção, mas não nos farão sair do mesmo sítio.


E, mais cedo ou mais tarde, voltará tudo ao mesmo, mas com mais pobres, mais injustiçados, mais cansados. E (nunca o esqueçamos!) com muito menos paciência.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CONJUNTURA

Recordo uma vez mais o Cardeal de Retz:
"Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito." 

É PRECISO AVISAR TODA A GENTE !

Morse de Sangue foi um livro que não me foi possível manusear, mas que li, reli e em parte decorei, em cópias dactilografadas que circulavam à socapa entre a malta de esquerda, naqueles duros anos sessenta, aqui em Coimbra. O seu autor João Apolinário havia publicado o livro ainda na década de 50. 

Foi um dos muitos livros perseguidos que ganharam raízes na revolta dos estudantes e no coração do povo humilhado. Muitos de nós, como era o meu caso, nem sabiam quem era o autor, mas sentimos as sua palavras como se fossem nossas. Como se fossem as palavras que gostaríamos de ter escrito se tivéssemos tido a força  e a subtileza poética suficientes.  

O 25 de Abril foi o grande mar onde esses e outros poemas desaguaram. 

Hoje pequenos e toscos capatazes do neoliberalismo representam no poder a direita portuguesa. Apertam o pescoço do povo com cinismo. 

É, por isso,  tempo de pedirmos a João Apolinário para nos dar uma vez mais a força das suas palavras. E assim  recorramos a um dos seus  poemas que então mais fortemente povoavam a nossa revolta.


É preciso avisar toda a gente
dar notícias informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir.


É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha.


É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta.


É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores.
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores


[ João Apolinário ]

terça-feira, 19 de novembro de 2013

EM LISBOA - nesta quinta-feira

Terça-FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 2013


Venho lembrar  a apresentação de um livro que vai  
 decorrer em Lisboa, no próximo dia 21 de novembro, 5ª feira , às 18h e 30 , na Livraria Almedina - Atrium Saldanha 


(Clicar sobre o convite para o poder ler melhor.)


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

LISBOA - renovação de um convite

Venho lembrar que  a apresentação de um livro de que sou o autor  
 decorrerá  em Lisboa, no próximo dia 21 de novembro, 5ª feira , às 18h e 30 , na Livraria Almedina - Atrium Saldanha 

(Clicar sobre o convite para o poder ler melhor.)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

CONVITE - apresentação de um livro


Seria para mim motivo de júbilo  poder contar com a presença de amigos e de interessados numa das sessões de apresentação de um livro que escrevi e que aqui ficam anunciadas.
A primeira decorrerá  em Lisboa, no próximo dia 21 de novembro, 5ª feira , às 18h e 30 ; a segunda, em Coimbra, uma semana depois, no próximo dia 28 de novembro, 5ª feira , às 18h e 30 .

(Clicar sobre cada convite para o poder ler.)