A legitimidade da democracia não depende do agrado que em cada um de nós provoquem os resultados do seu funcionamento. Por isso, tudo o que nos últimos tempos se traduziu, no seio do mundo árabe, na abertura de percursos democráticos merece ser saudado.
O caso particular da Líbia está ainda por revelar o seu significado duradouro. Não justificando uma avaliação diferente da qualidade democrática do regime derrubado, merece que se não esqueça que suscitou uma guerra civil e que foi cenário de uma arrasadora interferência do que antes se chamavam as potências ocidentais. Potências que vestiram uma piedosa pele humanista de salvadoras de vidas, quando a maior parte dos mortos eram imputáveis ao regime deposto, mas se esqueceram rapidamente dessa desvanecedora atitude, quando não hesitaram em inscrever no activo da sua guerra um apreciável rosário de vidas humanas ceifadas. Potências que tiveram da ONU um mandato preciso com limites definidos, mas não hesitaram em excedê-lo, quando isso lhes foi conveniente. Potências que julgaram altaneiramente resolver em dias o que afinal lhes demorou meses a conseguir. Potências no seio das quais se assistiu ao apagamento estranho dos USA, para que emergisse caricata uma miniatura de Napoleão e nos chegasse o cheiro a um ranço tardio do império britânico. Ou seja, actores políticos que assumiram a pose de uma grande epopeia, quando afinal se confinaram à modéstia de um drama, com embaraçosos laivos de comédia. Pousaram para a fotografia como se roçassem a glória, mas mostraram apenas a melancólica sombra da decadência.
O caso particular da Líbia está ainda por revelar o seu significado duradouro. Não justificando uma avaliação diferente da qualidade democrática do regime derrubado, merece que se não esqueça que suscitou uma guerra civil e que foi cenário de uma arrasadora interferência do que antes se chamavam as potências ocidentais. Potências que vestiram uma piedosa pele humanista de salvadoras de vidas, quando a maior parte dos mortos eram imputáveis ao regime deposto, mas se esqueceram rapidamente dessa desvanecedora atitude, quando não hesitaram em inscrever no activo da sua guerra um apreciável rosário de vidas humanas ceifadas. Potências que tiveram da ONU um mandato preciso com limites definidos, mas não hesitaram em excedê-lo, quando isso lhes foi conveniente. Potências que julgaram altaneiramente resolver em dias o que afinal lhes demorou meses a conseguir. Potências no seio das quais se assistiu ao apagamento estranho dos USA, para que emergisse caricata uma miniatura de Napoleão e nos chegasse o cheiro a um ranço tardio do império britânico. Ou seja, actores políticos que assumiram a pose de uma grande epopeia, quando afinal se confinaram à modéstia de um drama, com embaraçosos laivos de comédia. Pousaram para a fotografia como se roçassem a glória, mas mostraram apenas a melancólica sombra da decadência.
Daqui a um ano, os mortos continuarão mortos, inscritos na culpa do regime deposto e das potências voadoras, mas o cenário pode ser mais eloquente, como ilustração do verdadeiro resultado político da destruição de uma parte da Líbia e de um regime autoritário, akiás, ultimamente tratado com toda a cordialidade pelos mesmos sujeitos que ordenaram os bombardeamentos.
Mas, se quanto à Líbia será preciso esperar para se perceber qual a tonalidade do que está para vir, noutros países, que também foram palco de mudanças, há já algum começo de resposta. Na Tunísia, os islamistas moderados venceram as eleições e no Egipto a vitória dos islamistas menos radicais foi maior do que receavam os laicos, enquanto o segundo lugar conseguido pelos islamistas radicais foi totalmente inesperado, podendo catapultar o peso global dessas duas forças para uns impressionantes dois terços do eleitorado. Mesmo em Marrocos, numa evolução tutelada pela Coroa, o passo dado rumo a uma democracia menos relativa traduziu-se na vitória de um partido islamista.
Cada um à sua maneira, na Síria e no Iraque continuam a decorrer dramas sangrentos. Com as características específicas de cada caso, perfilam-se nos respectivos horizontes distintas interrogações.
O que espanta é que quer a potência liderante, quer os seus apaniguados mais untuosos, parecem não ter uma política global coerente, onde adquiram uma lógica os diversos episódios que vão protagonizando nos vários tabuleiros em que decorre o grande jogo mundial do poder e dos interesses.
Na verdade, ao mesmo tempo que no essencial parecem enquistar-se num seguidismo acéfalo do fundamentalismo israelita, sectariamente anti-palestiniano, vão abrindo caminho ou estimulando evoluções no mundo muçulmano que, a prazo, só podem agravar o isolamento estratégico de Israel. É como se tivessem perdido a visão global do jogo em que participam, comportando-se em cada tabuleiro como se fosse o único.
Não estou aqui a exprimir acordo ou desacordo com as políticas das potências ocidentais neste campo, embora discorde delas no caso israelo-palestiniano, e não as aceite por completo nos outros casos, não pelo lado que apoiaram , mas pelo modo como materializaram esse apoio. E claro, repudio também a vergonhosa complacência com que tratam as ditaduras monárquicas, de que é exemplo gritante a Arábia Saudita, manifestando assim uma incoerência insuportável, em face do modo como trataram a questão líbia.
Por tudo isto, é cada vez mais claro que as lideranças chamadas ocidentais não têm meios para executar a política por que optam em todos os seus aspectos. E assim praticam actos que só teriam consistência estratégica, se fossem a acompanhados por outros que não conseguem praticar; e assim tornam-se objectivamente irresponsáveis. Mas se, pelo contrário, os têm, isso só pode significar que apenas não têm uma política globalmente coerente, por não serem capazes de a conceber, por serem intelectualmente lineares ou politicamente estúpidos.
Mas, se quanto à Líbia será preciso esperar para se perceber qual a tonalidade do que está para vir, noutros países, que também foram palco de mudanças, há já algum começo de resposta. Na Tunísia, os islamistas moderados venceram as eleições e no Egipto a vitória dos islamistas menos radicais foi maior do que receavam os laicos, enquanto o segundo lugar conseguido pelos islamistas radicais foi totalmente inesperado, podendo catapultar o peso global dessas duas forças para uns impressionantes dois terços do eleitorado. Mesmo em Marrocos, numa evolução tutelada pela Coroa, o passo dado rumo a uma democracia menos relativa traduziu-se na vitória de um partido islamista.
Cada um à sua maneira, na Síria e no Iraque continuam a decorrer dramas sangrentos. Com as características específicas de cada caso, perfilam-se nos respectivos horizontes distintas interrogações.
O que espanta é que quer a potência liderante, quer os seus apaniguados mais untuosos, parecem não ter uma política global coerente, onde adquiram uma lógica os diversos episódios que vão protagonizando nos vários tabuleiros em que decorre o grande jogo mundial do poder e dos interesses.
Na verdade, ao mesmo tempo que no essencial parecem enquistar-se num seguidismo acéfalo do fundamentalismo israelita, sectariamente anti-palestiniano, vão abrindo caminho ou estimulando evoluções no mundo muçulmano que, a prazo, só podem agravar o isolamento estratégico de Israel. É como se tivessem perdido a visão global do jogo em que participam, comportando-se em cada tabuleiro como se fosse o único.
Não estou aqui a exprimir acordo ou desacordo com as políticas das potências ocidentais neste campo, embora discorde delas no caso israelo-palestiniano, e não as aceite por completo nos outros casos, não pelo lado que apoiaram , mas pelo modo como materializaram esse apoio. E claro, repudio também a vergonhosa complacência com que tratam as ditaduras monárquicas, de que é exemplo gritante a Arábia Saudita, manifestando assim uma incoerência insuportável, em face do modo como trataram a questão líbia.
Por tudo isto, é cada vez mais claro que as lideranças chamadas ocidentais não têm meios para executar a política por que optam em todos os seus aspectos. E assim praticam actos que só teriam consistência estratégica, se fossem a acompanhados por outros que não conseguem praticar; e assim tornam-se objectivamente irresponsáveis. Mas se, pelo contrário, os têm, isso só pode significar que apenas não têm uma política globalmente coerente, por não serem capazes de a conceber, por serem intelectualmente lineares ou politicamente estúpidos.
E assim chegámos a um triste dilema: os grandes protagonistas da política mundial, alegadamente ocidentais, ou são irresponsáveis ou são estúpidos.
2 comentários:
Pode tratar-se de um falso dilema pois é de admitir que, além de irresponsáveis, sejam, também, estúpidos.
Subscrevo o comentário do JGama.
J.Rocha
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