segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

SINDICALISTAS COM MANUEL ALEGRE

Uma candidatura presidencial define-se pela conjungação de diversos factores, políticos, ideológicos, sociais, culturais, programáticos e até conjunturais. Um deles, seguramente um dos mais significativos, é o que reflecte a relação existente entre um candidato e os trabalhadores, com particular relevo para os activistas, quadros e dirigentes que dão vida quotidiana aos sindicatos. Por isso, me parece importante transcrever um texto sobre o documento "Um Compromisso entre Manuel Alegre e os Trabalhadores", recebido da direcção de campanha do candidato , que nos diz o seguinte:


"Manuel Alegre assinou um documento de compromisso com cerca de uma centena de dirigentes sindicais da CGTP e da UGT, no qual promete usar todos os seus poderes para defender os direitos sociais e os serviços públicos, intitulado “Um compromisso entre Manuel Alegre e os trabalhadores”, tendo o candidato presidencial recebido o apoio destes sindicalistas.


O candidato deixou uma garantia aos dirigentes sindicais: “Se for eleito Presidente da República ninguém contará comigo para pôr em causa o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, a segurança social pública ou os direitos sociais”.

Manuel Alegre compromete-se assim “a usar todos os poderes presidenciais para defender a democracia, direitos políticos e direitos sociais, para defender os serviços públicos, para defender os valores do 25 de Abril que estão consagrados na Constituição da República”. O candidato compromete-se ainda a lutar por defender “o direito dos jovens à esperança num futuro que garanta a dignidade humana, só plenamente alcançável com o direito ao emprego”.

Portugal precisa do Presidente Manuel Alegre.

“Nós, sindicalistas e activistas sociais, comprometidos com o mundo do trabalho, a defesa do Estado social e dos direitos dos trabalhadores, identificamo-nos com este candidato que tem uma visão humanista de Portugal e não uma visão contabilística. Um homem para quem as pessoas são pessoas e não números.”

Este documento foi assinado por dirigentes sindicais como Delmiro Carreira (Presidente do SBSI – UGT), Carlos Trindade (Dirigente do STAD – Com. Executiva CGTP), António Avelãs (Presidente SPGL – FENPROF), Paulo Sucena (Presidente Conselho Geral SPGL – FENPROF), Carlos Silva (Presidente SBC – UGT), Guadalupe Simões (Sindicato Enfermeiros), Manuel Camacho (Presidente UGT/Lisboa), Mário Jorge Neves (Presidente da Federação Nacional dos Médicos), Ulisses Garrido (Com. Executiva CGTP), António Chora (CT Autoeuropa), Rui Godinho (Presidente UGT – Setúbal), Óscar Antunes (Presidente SITEMA - UGT), Ana Paula Viseu (Presidente Mulheres/UGT) e a histórica dirigente socialista da UGT, Wanda Guimarães, entre outros".

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

CANDIDATO EM BUSCA DE SI PRÓPRIO


O Dr. Nobre esteve em Beirute: eis a irreprimível memória. Não se sabe bem a fazer o quê, mas certamente foi algo de louvável e corajoso. Congratulemo-nos.

O Dr. Nobre é um sacrificado e faz questão de o lembrar a cada momento. O Dr. Nobre é amigo dos pobres, dedicou a vida aos sinistrados e aos feridos. É certo que não chega a ser uma madre Teresa de Calcutá de calças. Mas será que tanto lhe podia ser exigido?
Alguém um dia confidenciou uma sua fraqueza: quando se olha ao espelho fica ufano e não resiste a perguntar: “espelho meu, há alguém mais ONG do que eu ?” Consta que o espelho lhe respondeu:” Não és um franciscano descalço arrastando-se esfomeado por entre tendas, em solidariedade para com os oprimidos, mas és muito ONG! “

É pois natural que o Dr. Nobre seja uma daquelas almas satisfeitas consigo próprias, que pairam muito acima da política dos mortais. É a sua história que o sussurra: quando o Salazar estava em Portugal, moendo-nos a paciência, ele espreguiçava-se, distante, na Bélgica. Outros, menos etéreos, políticos empedernidos, lá derrubaram o fascismo. Resolveu então vir até cá. Gostou. Ficou. Fez muitas coisas úteis que talvez nem ele consiga apagar por mais que as instrumentalize numa sofreguidão de popularidade.

Mas algo ocorreu no Olimpo do Dr. Nobre que o fez descer das alturas para o comércio rasteiro da política normal. E foi assim que , mesmo abominando a política normal, cheia de ideias , de luta de paixões, de interesses que se contradizem de esperanças que se opõem, não resistiu à tentação de entrar nela como turista.
E foi assim que se aproximou hoje de Durão Barroso, para depois migrar para Mário Soares, aventurando-se mesmo a frequentar o esquerdismo do Bloco de Esquerda. Forte dessas experiências de versatilidade , tentou a cambalhota suprema : apoiou ao mesmo tempo António Costa, em Lisboa e António Capucho, em Cascais. E rodeou toda essa versatilidade quanto a republicanos, de uma monárquica vassalagem, dentro da causa real, ao herdeiro do miguelismo, perante o qual curvou reiteradamente a espinhela numa comovente deferência.

Terá sido num dos seus passeios turísticos pela política normal, que tanto abomina, que alguém lhe terá dito: “Ó homem, você é o candidato presidencial ideal. Esteve em Beirute, é o rosto da AMI, já se aninhou nos mais diversos nichos político-partidários, sabe dizer dez palavras seguidas com convicção e pode fazer com denodo aquele velho choradinho do “sou português” e “gosto muito dos desgraçadinhos”. E , acima de tudo, pode fazer aquela clássica rábula dos políticos que fazem política como se a detestassem.

E assim nasceu o candidato Nobre. Podia ter sido o candidato do queijo da serra ou outra figura folclórica qualquer, deixando na campanha um rasto de boa disposição. Mas o seu ego não lho consentiu. Ele era muito maior do que isso. Ele era o “MAIOR”.E resolveu levar-se a sério na campanha. Falou uma, duas, três vezes; esgotou o guião elementar das grandes ocasiões e voltou ao princípio repetindo-se, uma e outra vez. E foi essa reiteração que estragou tudo. De facto, por detrás das palavras que foi dizendo acabou por ganhar evidência a raiz política do que ia proclamando.

Trovejando independência, arrasando o sistema político, queixando-se dos eleitos como se eles fossem os culpados psicológicos das características objectivas do tipo de sistema económico em que vivemos, talvez se tenha julgado um anjo vindo do céu da política, forte da companhia de imaginários deuses, para vir reduzir a pó os castelos de areia dos pobres mortais.

Mas se o apolítico Nobre tivesse um vestígio de cultura política , uma grão de conhecimento sobre a história das posições que se enfrentam no mundo em que vivemos, há muito que teria percebido que o seu discurso atrauliteirado e primário ostenta um evidente código genético que o identifica como uma variante previsível e tosca da velha ideologia reaccionária do populismo de direita.

E é essa neblina que o esconde de si próprio que faz com que o candidato Nobre ande à pedrada contra os vidros da democracia, sem perceber que aquilo que atira são pedras e que aquilo contra o qual as atira é a própria democracia. É por isso que, embora o candidato Nobre tenha estado em Beirute, seja um “ONG” conhecido e um médico sem fronteiras reputado, politicamente é aquilo que há de mais parecido com um nulo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

OS DOIS CAVACOS

A campanha para as eleições presidenciais continua a rolar, tão discretamente quanto possível, ao sabor dos poderes fácticos mediático-conservadores.

Nela deslizam dois Cavacos. Um, luminoso e institucional rodeado de figuras públicas, banhado melancolicamente pelo fado, desportivo entre os jovens, ostentando os galões de uma alegada competência como economista, piedoso perante as desgraças, vertendo uma lágrima furtiva pelos pobres e abandonados, avô de todas as crianças, moderníssimo na sofreguidão do ciberespaço. É o nosso presidente a navegar através das nossas angústias como um barco de serenidade. Arauto imodesto das suas vastíssimas virtudes é a segurança em forma de gente, embrulhada na bandeira nacional. É o vencedor coroado passando continuamente pelo seu arco do triunfo.

Mas há um o outro que, pouco a pouco, se vai afirmando como a sombra indelével do anterior. É um Cavaco hirto, tropeçando tenso nas palavras, escondendo ex-amigos debaixo do tapete, ficcionando glórias de governo num esforço para apagar a memória dos atalhos, por onde nos conduziu. Desliza como um felino pelas dificuldades da conjuntura, feroz e hipócrita para com os adversários internos, ronronante bichano perante os poderes fácticos internacionais que querem pôr um garrote no futuro do nosso país. Percorre os territórios densos da cultura, com o visível embaraço dos visitantes acidentais. Quando a pressão aperta, deixa vir à superfície a marca ostensiva da direita histórica que tão meticulosamente tem guardado no baú dos seus segredos.


Caminha através do seu própio discurso como se fugisse dele. As suas palavras são folhas secas que desenham outonos, mesmo quando revestidas pela previsibilidade do jargão mediático e pelo que há de mais “kitsch” no senso comum. As agências de imagem fazem tudo para o salvar. Em vão. As suas palavras atropelam-se com mais frequência, os seus gestos tornam-se mais hirtos, os seus discursos vivem em labirinto. As agências de imagem não desistem: esvaziaram-no meticulosamente da sua incerta humanidade, da contingente carne e do incómodo sangue. E aí está um candidato empalhado, movendo-se aos soluços numa sofreguidão de votos, distante de si próprio, reinventado pela direita numa saudade mórbida.

Estas dois Cavacos caminham a par no trajecto para as eleições presidenciais. O mais luminoso foge metodicamente da sombra que o persegue. O mais lunar não abandona a presa; e, como sombra que é, está sempre próximo e ameaçador.

Talvez não cheguem a encontrar-se, mas se isso vier a acontecer, o mais provável é que se abra um inesperado buraco negro político na direita portuguesa, ficando assim o povo em condições de poder respirar melhor.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

MANUEL ALEGRE : PRESIDENTE


Caloroso ambiente de combate, bandeiras desfraldadas, discursos fortes. Foi a sessão dedicada ao lançamento da Comissão de Honra da candidatura presidencial de Manuel Alegre. Maria de Belém, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, fizeram-nos ouvir palavras limpas, complementares, intensas.


A esperança não é um território perdido. É possível evitar a sombra do recavaquismo. É indispensável. Não se pode deixar crescer mais a arrogância da direita, banhada por uma tecnocracia economicista, com a qual se julga blindada. Não se pode deixar crescer ainda mais essa direita melíflua, disposta a suportar molemente a vergonha de todos os "diktats", desde que sejam da responsabilidade do que resta de imperial no xadrez europeu, do poder frio do dinheiro ou das sombras autoritárias dos poderes de facto. Uma direita como sempre preparada para balir como um cordeiro perante os predadores internacionais que nos cercam e para rugir como um leão contra o seu próprio povo.


Manuel Alegre, Presidente : é uma oportunidade única para um regresso do povo de esquerda à sua enorme força de se mover em conjunto, ao mesmo tempo, para o mesmo lado. É uma oportunidade, não é uma oferta. É um objectivo possível, não é uma certeza. É o oxigénio que todas as esquerdas podem respirar, sem terem que deixar de ser elas próprias.


Manuel Alegre, Presidente: é a muralha que nos protegerá dos bárbaros, que, mesmo com os seus ouropéis coloridos e tonitroantes, não conseguem esconder a sofreguidão com que procuram salvar-se, à custa de um retrocesso civilizacional, que começaria por afundar os povos, para depois arrastar na sua voragem o volátil conforto dos senhores.


Manuel Alegre, Presidente: não é a oportunidade de um poeta, nem o destino de um combatente. É a oportunidade de o povo de esquerda regressar à sua viagem.

UMA MELANCÓLICA EQUAÇÃO POLÍTICA


Há uma equação política que vale para qualquer partido, ganhando um relevo acrescido quanto aos partidos de esquerda. Ela pode identificar-se mais ou menos assim: um governo não pode agir sistemática e continuadamente ao arrepio dos sentimentos, das opiniões, das ideias e dos interesses do seu eleitorado mais fiel, mas principalmente da sua base social de apoio histórica. Se o fizer corre o risco, não só de sofrer um enorme desastre eleitoral, mas também de quebrar o elo de identificação ideológica, simbólica e afectiva com o cerne da sua base social, abrindo assim a porta a que uma outra organização ocupe esse lugar ou uma significativa parte dele. Isto, sem excluir o risco de uma pura e simples dispersão dessa sua base social, que assim ficará politicamente anulada, pelo menos , no plano institucional.

Se acontecesse hoje, isso ao PS em Portugal, a direita,forte dessa nova vantagem estratégica, por certo, não resistiria à tentação de procurar anular o 25 de Abril, como sempre tem querido.

Se isso ocorresse, no plano Europeu, ao PSE, a prazo, a União Europeia correria o risco de implodir, ou de subsistir melancolicamente como um museu triste da Eurásia.

sábado, 18 de dezembro de 2010

PRESIDENTE LULA: uma calorosa despedida


Na revista brasileira CartaCapital, um texto assinado pela Redacção comenta o facto de, numa recente sondagem, o Governo de Lula ter batido o recorde de aprovação. O subtítulo é sugestivo: "Presidente encerra seu mandato com 87% de aprovação da população brasileira."
Mas, vejamos o texto:


"Pesquisa do Ibope divulgada nesta quinta-feira 16, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem aprovação pessoal de 87% da população brasileira, a maior já registrada até agora. Na última pesquisa, realizada em outubro ele teve 85% de aprovação.O índice de brasileiros que aprovam o governo é de 80% e o dos que confiam no presidente é de 81%, novo recorde. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Entre as pessoas ouvidas, 62% acham que a presidenta eleita, Dilma Rousseff, fará um governo ótimo ou bom. Numa comparação com o governo do presidente Lula, 18% acreditam que a eleita Dilma Rousseff será melhor; 58% pensam que será igual; e 14% que será pior.
A região Nordeste do País é a que faz a melhor avaliação do governo, 86%. Nas regiões Norte e Centro-Oeste o governo é considerado ótimo ou bom para 81% da população. No Sudeste, 78% avaliam o governo positivamente e, no Sul, 75%.
As áreas apontadas pela população como prioritárias para o novo governo são a saúde, educação, segurança pública, o combate à fome e à pobreza, combate às drogas, a geração de emprego e o combate à corrupção. Em nove áreas de atuação do governo atual, sete tiveram avaliação positiva, com destaque para a segurança pública".

[A pesquisa foi feita entre os dias 4 e 7 de dezembro, com 2.002 pessoas, em 140 municípios.]

domingo, 12 de dezembro de 2010

PS/COIMBRA : duas eleições frustradas


1. Por duas vezes, se frustrou recentemente, em reuniões da Comissão Política da Federação de Coimbra do PS , a eleição do Secretariado da Federação. Vou hoje analisar os aspectos estatutários dessa questão, sem me preocupar com uma análise política do que está a acontecer.

Nos termos do art. 46 dos Estatutos do PS são órgãos de cada Federação, entre outros, a Comissão Política da Federação e o Presidente da Federação.

Nos termos do nº 7 do artº 47 dos mesmos Estatutos : « O Secretariado da Federação é eleito em lista completa, pela Comissão Política da Federação, de entre os seus membros, sob proposta do Presidente da Federação ».

Segundo o nº 10 do art.19 dos referidos Estatutos : « Quando a lista submetida à votação depender da propositura de outro órgão, a sua eleição ocorrerá com a obtenção da maioria favorável dos votos expressos ».

Conjugando estes três preceitos dos Estatutos do PS, verifica-se que o Secretariado de cada Federação distrital é eleito pela respectiva Comissão Política Federativa, sob proposta de um outro órgão, o Presidente da Federação, o que implica, para que esse Secretariado se considere validamente eleito, « a obtenção da maioria favorável dos votos expressos ».

Portanto, em qualquer das duas votações recentemente ocorridas, para a eleição do Secretariado da Federação de Coimbra, os estatutos foram respeitados, o que também aconteceu quando, em ambas, foi declarado não eleito o Secretariado proposto, uma vez que teve mais votos desfavoráveis do que favoráveis.



2. No calor das controvérsias, foi aventada a hipótese de, perante a repetição do resultado da primeira votação, o que realmente veio a ocorrer, o Secretariado Nacional impusesse uma Comissão Administrativa à Federação de Coimbra.

Ora, a única hipótese, admitida pelos Estatutos do PS, em que o Secretariado Nacional pode impor uma Comissão Administrativa, que substitua o Secretariado de qualquer das Federações, é a que resulta do art. 56 dos Estatutos, cujo nº 3 diz que : « No caso de se verificarem vagas no Secretariado da Federação, compete à Comissão Política da Federação eleger os membros em falta, sob proposta do Presidente da Federação” ; acrescentando o número seguinte que : « Nos casos em que a suspensão ou demissão de elementos do Secretariado da Federação provoquem a falta de quorum, e se a Comissão Política da Federação não proceder atempadamente à sua substituição, o Secretariado Nacional pode nomear uma Comissão Administrativa, que substituirá o Secretariado até à eleição de um novo ».

Percebe-se que a previsão inscrita neste artigo nada tem a ver com o que ocorreu em Coimbra recentemente e atrás se referiu. Está em causa, neste último preceito, o suprimento de uma inércia de um órgão que não actue « atempadamente ». Suprimento esse, que consiste na instituição provisória de um Secretariado, até que o órgão competente para o escolher quebre a sua inércia e assuma na prática a competência que tem. É essa inércia que desse modo se sanciona, nesses exactos e moderados termos, não o conteúdo de uma decisão.

Ora, o que ocorreu, recentemente, em Coimbra foi muito diferente. No exercício da sua competência o Presidente da Federação submeteu, uma e outra vez, uma lista ao sufrágio da Comissão Política da Federação que, também no legítimo exercício das suas competências, recusou a sua aprovação. Não tendo havido qualquer atropelo aos Estatutos, nem a qualquer preceito legal, de um ponto de vista jurídico não pode haver lugar a qualquer sanção.

Pensar o contrário, só faz sentido defendendo-se que a CPF estava obrigada a votar a favor da proposta que lhe foi apresentada. Mas isso é algo que não faz sentido. Seria de facto uma inovação inaudita dar a uma qualquer estrutura um poder de escolha, acompanhando-o com a imposição de que essa escolha lhe fosse ditada do exterior. Aliás, se fosse essa a posição querida pelos Estatutos, eles devê-lo-iam ter dito com clareza, dispondo expressamente que o Secretariado da Federação fosse designado pelo Presidente da Federação. Mas, não sendo isso que dizem expressamente, quando o poderiam fazer, não faz sentido sustentar esse exótico entendimento como tácito ou implícito.

Parece, pois, claro que nem o Secretariado Nacional, nem qualquer outro órgão nacional têm legitimidade para impor uma Comissão Administrativa à Federação de Coimbra, apenas por terem ocorrido as duas votações referidas com os resultados que tiveram.

3. Sendo assim, só está ao alcance dos órgãos nacionais do PS o recurso ao art. 100 dos Estatutos, que no seu nº 3 diz : « A Comissão Nacional, sob proposta da Comissão Política Nacional, e após prévia audição do respectivo órgão executivo, pode dissolver qualquer Secção ou Federação que deliberada ou sistematicamente viole a Declaração de Princípios, o Programa do Partido, os Estatutos ou os Regulamentos do Partido ». Sendo certo que nos termos do número seguinte : « Das deliberações previstas nos números anteriores 1 e 3 cabe recurso para a Comissão Nacional de Jurisdição, a interpor dentro do prazo de quinze dias ».

Assim, a interferência de órgãos nacionais na vida de uma Federação não decorre de nenhuma superioridade hierárquica legalmente reconhecida, que coloque na dependência da sua vontade se, quando e como podem intervir numa estrutura distrital. Pelo contrário, só a Comissão Nacional, depois do conjunto de diligências acima apontadas e perante uma prévia proposta da Comissão Política Nacional, pode dissolver uma Federação. Mas só a pode dissolver desde que ela « deliberada ou sistematicamente viole a Declaração de Princípios, o Programa do Partido, os Estatutos ou os Regulamentos do Partido » e não por qualquer outra razão..

Portanto, todos os receios de outro tipo de intervenção são simplesmente fantasiosos, na medida em que sendo anti-estatutários são ilegais ; e sendo ilegais não podem estar no horizonte das possibilidades cogitadas pela direcção nacional do PS.

4. Tudo isto apenas pretende demonstrar que estamos perante uma questão política e não perante uma infracção estatutária. E uma questão política como esta só pode ser resolvida, pela livre e conjugada decisão dos militantes da Federação de Coimbra investidos das responsabilidades que os militantes neles delegaram, sem interferências administrativas exteriores, que como vimos carecem de legitimidade e de fundamento jurídico.

CONTRACAPA DA VÉRTICE - 50


Vértice - nº 296- Maio de 1968

"São como esses fantasmas que projectam na sombra o clarão enganador da lanterna mágica; nenhuma realidade têm, mas imitam espantosamente a verdade que desfiguram..."

ALMEIDA GARRETT
( Discussão da Resposta ao Discurso da Coroa, 726 B)

sábado, 11 de dezembro de 2010

CONTRACAPA DA VÉRTICE - 49

Vértice - nºs 254-255 -Novembro-Dezembro de 1964

" O vosso país é devorado mesmo às claras pelos estrangeiros."


ISAÍAS, I...7

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CALINADA OU AVISO ?


O nosso (de Coimbra) jornal diário mais emblemático, carinhosa e ancestralmente designado por "calino", distrai-se por vezes, talvez absorvido pela qualidade e pelo profissionalismo de quem o faz, esquecendo-se do imperativo de, uma vez por outra, fazer jus ao seu cognome. Mas lá se vai lembrando,de quando em vez, como ontem aconteceu ao referir-se, quanto aos dois oradores de um momentoso evento de uma enérgica Secção do PS, ao nome do primeiro.
Isto é, pelo menos, o que parece mostrar a imagem acima reproduzida. Mas se a nossa reflexão se activar, por um minuto, seremos, quase de certeza, assaltados por uma desconfiança: muito mais do que uma "calinada" não haverá aqui uma subtil e dramática mensagem subliminar ?
Por mais que isso possa ferir as almas púdicas não posso deixar de o dizer. O nosso Diário de Coimbra, discreto mas ousado, sentiu-se irresistivelmente obrigado a avisar-nos que em matéria de mobilidade urbana estamos fodidos.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ILUMINADOS E PERIGOSOS


Os arautos de teorias de salvação nacional proliferam. Alguns podem até ser, psicologicamente, democratas sinceros, mas todos têm uma estrutura de pensamento marcada pelas suas origens, como apaniguados mais ou menos discretos ou simples pajens do velho salazarismo.

Por isso, têm tanta destreza a desenhar cenários aparentemente diversificados, mas onde se surpreende sempre um denominador comum: alguém por acto de vontade própria, de preferência um sujeito providencial, mas podendo ser um poder de facto instituído internacionalmente, sem a preocupação de se basear no seu consentimento democrático, virá dizer aos portugueses o que têm que fazer, distribuindo entre eles arbitrariamente sacrifícios e proveitos.

Ignoram assumidamente as diferenças ideológicas, quando se propõem impor a sua vontade, fingindo não perceber que mesmo isso já reflecte, por si só, uma opção ideológica específica. E, claro: dispensam-se inexplicavelmente de esclarecer por que razão se julgam infalíveis e pensam que os outros estão totalmente errados, até ao ponto de lhes poderem impor o seu caminho.

Uns desembainham um futuro Cavaco de hipotético segundo mandato, finalmente em condições de ser igual a si próprio, gélido e autoritário, preparando-se para salvar os portugueses de si próprios, não hesitando para isso em vestir a pele sombria de um salazar do século XXI.

Outros, mais modernizados, limitam-se a ansiar por um impessoal FMI que desagúe implacavelmente em Portugal , armado pela alegada objectividade do que lhe terão dito os seus números, talvez para virem repetir entre nós mais um dos seus recorrentes erros causadores de desastres.

Uns e outros, sozinhos ou misturados, armados pela fé da direita de sempre ou crédulos na imensidão da sua escassa ciência, por mais que se revistam de palavras mansas e vaticínios amargos, descontada a sua melíflua generosidade de superfície, quando exista, trilham afinal o mesmo caminho em que o fantasma de salazar insiste, aprisionado no seu providencialismo autoritário e cego pela novidade de um século que apenas começou.