sábado, 31 de outubro de 2009

CLACSO - Pensamento e Acção


No jornal argentino Página 12, foi publicado recentemente um pequeno texto informativo de autoria do reputado politólogo e sociólogo brasileiro Emir Sader, sob o título "Desafíos del pensamiento crítico"que me pareceu importante divulgar. O texto tem como ponto de partida a recente realização na Bolívia da XXIII Assembleia Geral do Conselho Latinoamericano de Ciencias Sociais ( CLACSO), do qual Emir Sader é secretário executivo.


"El pensamiento crítico latinoamericano ha acompañado, a lo largo de varias décadas, los procesos políticos más avanzados del continente, analizándolos y apuntando sus potencialidades, límites, contradicciones y perspectivas. Hoy, cuando varios países del continente experimentan la construcción de alternativas políticas al neoliberalismo, el pensamiento social del continente necesita urgentemente ponerse a tono con estos procesos. Una teoría que no desemboca en propuestas efectivas de trasformación social, que no busca la comprensión de las dinámicas de cambio democrático que ocurren de forma real y no meramente imaginaria en nuestras sociedades, termina por volverse una teoría estéril, inocua para cualquier proyecto emancipatorio y liberador. Asimismo, una práctica política que se nutre de la buena teoría, rigurosa, crítica y comprometida, tiende a multiplicar sus potencialidades como práctica transformadora de la realidad social. Esta perspectiva resume las palabras con que Alvaro García Linera, vicepresidente de Bolivia, cerró la XXIII Asamblea General del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), celebrada en Cochabamba hace algunos pocos días. El evento, que había sido inaugurado por el presidente Evo Morales, constituyó un vigoroso llamamiento a que la enorme capacidad crítica del pensamiento social latinoamericano y caribeño se vuelque de forma decidida a los desafíos concretos que los movimientos y los gobiernos populares de la región están enfrentando.
Clacso fue fundado hace poco más de cuatro décadas, en 1967. Un año lleno de significados relevantes para América latina: la muerte del Che y el lanzamiento de Cien años de soledad, dos acontecimientos que terminaron por proyectar, definitivamente, nuestro continente en el mundo. Desde entonces, Clacso ha ampliado y fortalecido sus acciones como red de instituciones académicas en el campo de las ciencias sociales, con 259 centros asociados en 25 países de América latina y el Caribe, Europa, Estados Unidos y Canadá. Se trata, sin lugar a dudas, de una de las redes universitarias más importantes del mundo, con 30 grupos de trabajo temáticos, de los que participan más de 1500 investigadores e investigadoras de 28 países; con una Red de Posgrados que reúne más de 500 maestrías y doctorados, donde actúan 7000 docentes y más de 30.000 alumnos y alumnas; con una reconocida política de becas para el desarrollo de investigaciones sociales, especialmente destinada a la formación de jóvenes académicos; con la mayor Biblioteca Virtual de América latina, articulada en una red de unidades de documentación y registro que llega casi al millón de textos bajados por mes; con un Campus Virtual pionero en el desarrollo de cursos formación a distancia de nivel de posgrado, con calidad y rigurosidad académica; con diversos programas de cooperación e integración regional, particularmente con países de Asia y Africa. Clacso dispone de una activa política editorial, con más de 500 libros publicados, además de desarrollar acciones de divulgación del pensamiento social latinoamericano con el apoyo de prestigiosos medios periodísticos como Página/12, de Argentina, La Jornada, de México, y las ediciones de Brasil, Chile, Perú, Bolivia, Colombia y España de Le Monde Diplomatique, en los que se publican mensualmente los Cuadernos del Pensamiento Crítico Latinoamericano, con una tirada de más de 2 millones de ejemplares por año. En los últimos tres años, Clacso ha publicado 150 libros, con textos de 822 autores y autoras de más de 50 países. Clacso cumple así sus funciones como institución pública no gubernamental, fiel a sus fines, democrática en sus prácticas y comprometida en sus acciones. Una institución que aspira a contribuir a que América latina se piense a sí misma y su lugar en el mundo, a partir de su propia historia, sus especificidades y sus intereses. Sin embargo, más allá de las conquistas colectivas de esta amplia red académica, los desafíos siguen siendo urgentes y necesarios. Debemos estar a la altura de los grandes problemas de nuestro continente, así como de las alternativas que se gestan popularmente para enfrentarlos. La refundación de los estados plurinacionales de Bolivia y Ecuador son sólo dos de los buenos ejemplos que nos interpelan e invitan a pensar y a trabajar activamente desde el campo universitario y desde la instituciones de investigación para consolidar la necesaria transformación democrática de nuestro continente. En Cochabamba he sido reelegido por un nuevo trienio para el ejercicio del cargo de secretario ejecutivo de Clacso. Al hacerlo, he reafirmado nuestro compromiso para que el Consejo obtenga una gravitación aún mayor como usina de pensamiento crítico a tono con los procesos cambio y de movilización social que vive nuestro continente. De la articulación estrecha entre la teoría crítica y los procesos emancipatorios dependerá, en gran medida, el futuro de América latina y, también, indisolublemente, el de Clacso. En esta dirección se concentrarán todos nuestros esfuerzos y energías."


[Emir Sader - Secretario ejecutivo de Clacso].

Os resultados eleitorais do ciclo de 2009

A maior parte da poeira levantada, em Portugal, pelo mais recente ciclo de eleições, já se aquietou. Cavou-se, assim, uma distância suficiente para se poder comentar serenamente o significado político dos resultados verificados nas últimas três eleições: europeias, legislativas e autárquicas. Sem retirar a cada uma delas uma importância própria, eram as legislativas que decidiam qual o partido que lideraria ou se responsabilizaria sozinho pelo governo, durante a nova legislatura.

O PS perdeu as eleições europeias, sendo o segundo partido; ganhou as legislativas com maioria relativa, tendo deixado o segundo partido sete pontos atrás; e teve um resultado autárquico bom, em comparação com os resultados obtidos nas últimas décadas. O resultado das autárquicas pode, aliás, considerar-se uma vitória, se o critério de seriação for o número de votos, ou de mandatos, obtidos no plano municipal.
E o PS só ficou atrás do PSD em número de presidências de câmaras municipais, e mesmo aí separado apenas por sete vitórias num total de trezentos municípios, mas, mesmo neste caso, ao conseguir 132 presidências de câmara, ultrapassou em cinco o que fora até então o seu melhor resultado. Se pensarmos que o PSD concorreu coligado em cerca de sessenta municípios (dos quais ganhou 19); e que o PS "conquistou" Lisboa, sem se coligar com qualquer outro partido, tendo progredido mais de vinte presidências, em face dos números 2005, facilmente podemos constatar que este último partido obteve um resultado extremamente positivo nas últimas eleições do ciclo, o qual representou um reforço da posição politica em que ficara após as eleições legislativas.
Tudo isto, não devendo fazer esquecer o facto de ter perdido a maioria absoluta, exprime uma apreciável resistência ao desgaste político produzido pela forte conflitualidade que colocou contra o PS partidos de esquerda e de direita e se projectou no plano social, tendo frequentemente transbordado para as ruas; e tendo assumido, em algumas instâncias mediáticas, níveis de parcialidade hostil e de agressividade, verdadeiramente escandalosos.

Se encararmos os resultados das eleições europeias como uma cisão provisória entre o PS e uma parte do seu eleitorado, que o deixou reduzido a pouco mais de 26%, podemos verificar que, em menos de quatro meses, o PS conseguiu reabsorver um pouco mais de metade da diferença que separava o resultado das europeias do obtido nas legislativas anteriores. É uma recuperação notável, num prazo tão curto, suficiente para lhe dar uma vitória relativa, mas que o deixou ainda longe do limiar da maioria absoluta e dos seus melhores resultados em eleições precedentes. E há também que recordar que o PS já perdeu eleições com uma percentagem de votos superior à que agora lhe deu a vitória. A eleição que fechou o ciclo, duas semanas depois da anterior, deu consistência a essa recuperação, robusteceu-a politicamente, mas, como seria de esperar em tão pouco tempo, não se traduziu, verdadeiramente, num novo passo qualitativo na recuperação do terreno perdido.

Partilhando o PS a cena política com outros partidos, tendo a seu lado no parlamento os mais representativos, a sua dinâmica e as suas posições só serão compreensíveis se nos lembrarmos que interagem com as de outros partidos.

O PSD, fortalecido pela vitória obtida nas eleições europeias, enfrentou o PS nas legislativas com uma ambição crível de as vencer. Afinal, ficou longe disso. A sua vantagem de Junho transformou-se em Setembro numa desvantagem ainda maior. Manuela Ferreira Leite foi eleitoralmente quase tão fraca como Santana Lopes. A “salvadora” revelou-se afinal como sendo apenas uma unidade a mais na tribo dos “coveiros” políticos do PSD. Nem a esforçada invenção de uma vitória autárquica lhe permitiu recuperar uma verdadeira respiração política. O seu tempo já passou dentro do PSD, parecendo que apenas vai esticando a sua agonia política, na ânsia desesperada de fazer nascer um sucessor que trave a ascensão de Pedro Passos Coelho.

Partilhando com o PSD nas legislativas os 40% que a direita, conseguiu neste ciclo eleitoral, o CDS/PP atingiu nelas o seu ponto mais alto ao ultrapassar os 10% de votos. Por outro lado, ao eleger 21 deputados, tornou-se no único partido, além do PSD, que pode, só por si, fazer maioria com o PS e contribuiu para que os deputados da direita somados sejam em maior número do que os deputados do PS. Pode dizer-se que o CDS/PP teve um bom resultado nas eleições europeias que melhorou ainda nas legislativas, tendo constituído as autárquicas uma espécie de balde de água fria deitado nas suas novas ambições. De facto, o CDS/PP pareceu querer assumir, logo após as legislativas, uma disputa pela futura hegemonia no seio da direita portuguesa, mas a sua vitória numa única câmara e a diluição do seu papel nas coligações com o PSD, com este a apossar-se de todos os louros das vitórias obtidas, redimensionaram fortemente essa ambição. Nas próximas autárquicas, o CDS/PP vai enfrentar um difícil dilema político: ou se conforma com a sua subalternidade estrutural no seio da direita portuguesa e consente em constituir coligações autárquicas que beneficiam largamente o seu “rival”, consolando-se com a presença de um punhado de autarcas seus em vereações de predomínio “laranja”; ou assume uma autonomia total em face do PSD, mesmo no plano autárquico, correndo o risco de ganhar muito poucas presidências de câmara, mas perdendo seguramente mandatos autárquicos.

Quanto ao PCP (no seu invólucro CDU) o seu pior resultado , em termos relativos, foi o das eleições legislativas, ao ter passado a ser o quinto partido parlamentar com menos do que 8% dos sufrágios, mas curiosamente graças a um particularismo da nossa geografia eleitoral, o BE com quase mais 2% de votos apenas tem na assembleia mais um deputado. Aliás, com o CDS, relativamente ao BE, passou-se algo de semelhante, mas para pior: uma vantagem percentual de 0,40 de votos, traduziu-se em mais cinco deputados do que o BE. Mas voltemos ao PCP, que nas eleições europeias foi quinto com menos 0,07 do que o BE , mas com menos um deputado europeu. Nas autárquicas o PCP teve o seu melhor resultado deste ciclo eleitoral, já que rondou os 10% de votos, tendo conseguido 28 presidências de câmara, que em comparação com a modesta vitória num único município, que quer o BE , quer o CDS/PP não conseguiram ultrapassar, ilustra bem a diferença entre consistência e volatilidade políticas. Apesar disso, o PCP viu encolher um pouco mais a sua implantação autárquica, em termos de municípios por si governados, já que desceu dos 32 que detinha para 28; ou seja, sofreu uma perda superior a dez por cento.

O BE saiu deste ciclo eleitoral como uma força política de média dimensão notoriamente integrado no pelotão a que também pertencem o CDS/PP e o PCP. De algum modo, esse avanço quantitativo suscitou nele uma verdadeira metamorfose política, o que representa uma novidade qualitativa apreciável no sistema partidário português. O seu melhor resultado foi o das eleições europeias, atingindo a terceira posição com quase 11% dos votos e elegendo 3 deputados; mas foi o das legislativas que verdadeiramente o fez saltar par um novo patamar político de importância relativa, quando passou de oito para dezasseis deputados.

E este salto só não revestiu maior importância política, pela circunstância de o CDS/PP ter tido uma subida ainda mais significativa do número de deputados, (o que o levou para o terceiro lugar no plano parlamentar), pelo facto de o PCP ter ficado apenas com menos um deputado e por não ter o número de deputados suficiente para constituir em conjunto com o PS uma maioria parlamentar. Mas a terceira eleição do ciclo abriu uma interrogação legítima quanto á solidez e perenidade dos avanços conseguidos pelo BE. Ficando pouco acima dos três por cento de votos o BE conquistou a presidência de câmara que já tinha e um total de 9 mandatos de vereador. Se compararmos este número de mandatos com os 174 do PCP e com os 31 do CDS/PP a que se devem somar os obtidos nas 60 coligações, perceberemos que no plano autárquico o BE não conseguiu aproximar-se, em termos de relevância política, do CDS/PP e muito menos do PCP.

Neste contexto, tendo como pano de fundo incontornável uma crise económica internacional que ameaça arrastar-se e para a qual as respostas encontradas pouco mais parecem ser do que paliativos, torna-se claro que a governação do PS vai ser difícil. Tão difícil que, por mais importante que seja, e é, a gestão adequada da conjuntura e uma capacidade mínima de reprodução social, pode vir a mostrar-se decisiva a vontade política do PS no sentido de se modificar para se poder assumir como uma instância renovada de uma vida política vocacionada para agir no plano da sociedade e não apenas para organizar e dirigir os órgãos de estado, através dos quais a democracia se estrutura.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

As amargas amêndoas de Bolonha




Recebi do meu amigo e colega Júlio Mota o texto que abaixo transcrevo, supondo eu que tenha sido ele a traduzi-lo. Julgo que esta minha iniciativa corresponde bem a uma interpretação adequada do sentido que foi dado à sua difusão, a qual, aliás, fez com que eu o tivesse recebido.

O texto é da autoria de Paolo Tortonese, Professor na Universidade de Paris III – Sorbonne, tendo sido publicado no Le Monde de 23 de Outubro.


No essencial, é um comentário crítico a um outro texto publicado em 2 de Outubro no mesmo jornal, da autoria de um outro reputado universitário francês, Alain Renaut.
Eis o texto:

A profissionalização da Universidade não é solução,
formar diplomados generalistas não é formar desempregados

“No Le Monde de 2 de Outubro, Alain Renaut, professor de Filosofia em Paris-IV, entoa um hino à profissionalização dos ensino universitário.
Conhecemos esta ideia ao nível dos diversos governos e que tem passado da esquerda para a direita, desde a época de Claude Alegre (PS) até à actual de Valérie Pécresse (época Sarkosy). Renaut não acrescenta grande coisa a esta mesma ideia: afirma que a universidade deve fornecer uma formação profissional, mas não dá nenhuma explicação em que consistirão os seus cursos, no dia em que a profissionalização venha a ser uma realidade. Abandonará Renaut a exegese de Kant para se dedicar às técnicas da comunicação de empresa? Seria muito lamentável quer para os seus estudantes que ele sabe introduzir no universo dos filósofos quer para a comunicação ao nível da empresa, de que ele não conhece nada.

Quando se fala de profissionalismo, seria necessário ser claro e fazer imediatamente algumas distinções. A confusão reina, primeiro e sobretudo no decreto sobre o estatuto dos professores-investigadores, que atribui aos professores a tarefa da inserção profissional dos seus estudantes, enquanto que esta tarefa só pode e deve assentar na própria instituição.
Não compete ao professor ajudar os seus estudantes a procurar um trabalho depois de ter concluído os seus estudos. Esta função de apoio aos estudantes diplomados deve ser atribuída à serviços ad hoc, que convém criar em cada universidade. E não é necessário confundir uma política de ajuda aos estudantes aquando do seu acesso ao mercado de trabalho, com uma política de profissionalização dos ensinos.
Além disso - é a terceira distinção - não é absolutamente indiferente propor formações profissionais que se situam depois das formações generalistas e disciplinares, ou alternativamente propor a substituição destas segundas pelas primeiras, pelas formações profissionais. A primeira estratégia tem em conta uma necessidade de sempre, diferentemente satisfeita pela sociedade, pelas empresas e pelas instituições: que os jovens que tenham adquirido um saber adquirem também um correspondente saber fazer.
A segunda estratégia pretende impor a substituição do saber pelo "saber-fazer", sob pretexto da inutilidade dos conhecimentos teóricos. É um espanto vermos um excelente professor de Filosofia colocar-se do lado dos que pensam que o espírito crítico, a reflexão metodológica e a abstracção são coisas já fora de uso, obsoletas. Os universitários, sobretudo em ciências humanos, deveriam ao contrário reafirmar o que a sociedade corre o risco de esquecer: que o saber teórico tem também uma eficácia prática. Por outras palavras, que as competências se baseiam no conhecimento.
Renaut coloca como argumento em defesa da profissionalização o exemplo da filosofia: dado que um número muito limitado dos seus estudantes em Paris-IV consegue passar no concurso da agregação, será então necessário transformar as formações filosóficas de acordo com as orientações profissionais que não sejam as do ensino secundário. Mas Renaut não nos diz quais são estas profissões que deveriam, a partir de agora, dar forma e moldar pelas suas exigências os cursos dos professores e as teses dos estudantes. O seu raciocínio poderia ser posto ao contrário : desde há muito tempo, que os diplomados em filosofia, como os diplomados em letras ou em história, não se tornam maioritariamente professores.
Nós pensamos que se trata do principal mercado, em termos de saídas profissionais, destes estudos, mas unicamente porque ignoramos a trajectória profissional dos nossos estudantes. É uma ilusão da qual nos deveríamos desembaraçar para olhar de frente a realidade : os estudos em letras, em ciências humanas e sociais conduzem os estudantes para uma grande diversidade de empregos. Nestas condições, como reorganizá-lo de acordo com uma orientação profissional mais precisa?
Não vale melhor ter em conta notável riqueza destes ensinos, que permitem a integração em meios profissionais muito diversificados? Objectar-nos –ão que a preocupação incide não sobre os que encontram um emprego, mas sim sobre os que não o encontram. Mas ninguém conseguiu até agora o demonstrar o que se dá sempre a entender : que o carácter não especialista e disciplinar das formações seria responsável pela taxa de desemprego. Dá-se como adquirido o que é mais incerto: que não se encontra trabalho porque não se recebeu uma formação profissional bastante desenvolvida.
Há uma outra grande ilusão, inutilmente desmentida pelos economistas: pretende-se criar um sistema ideal, no qual a previsão das necessidades do mercado de trabalho permitiria planificar as formações, e de trazer às empresas exactamente que estas necessitam como recursos humanos. Podemos então ficar espantados com a paixão planificadora de que dão mostras os nossos liberais.

Os nossos liberais esquecem duas coisas: por um lado que os dirigentes de empresa são incapazes de saber o que irão necessitar como competências precisas daqui a cinco ou oito anos, tempo este que corresponde ao tempo de formação em mestrado e ao tempo de doutoramento; por outro lado, que os jovens não são apenas recursos humanos mas seres humanos, e que a sua motivação no momento de escolher a sua fileira de estudos superiores não é redutível a um projecto profissional.
É necessário ser burocrata e nunca não ter falado com um estudante, o que infelizmente, é o caso em números instâncias de decisão, para não compreender que esta motivação é complexa, e que responde à necessidades, aspirações, ansiedades pessoais que nenhum formulário de inscrição poderá alguma vez reflectir.
A conversão do filósofo Renaut à profissionalização forçada é tanto mais surpreendente quanto ele mesmo emitiu a este respeito, há alguns anos, importantes reservas. Permito-me recomendar-lhe a leitura do seu livro: O que fazer das universidades? (ED. Bayard, 2002). Há nesta obra uma discussão muito convincente sobre os perigos da profissionalização das páginas 90 à 94.
Depois de ter evocado a política profissionalizante seguida pelas universidades americanas nos anos 1960, Renaut escreveu então: “O risco parece grande, se se procede de maneira cega a uma semelhante profissionalização das fileiras, ao mesmo tempo que se destinam sectores importantes do saber (os que estão sem saída directa para as profissões) ao destino que se foi o dos estudos latinos ou gregos, de os fazer desaparecer definitivamente dos estabelecimentos superiores referidos qualquer dimensão verdadeiramente universitária. Por um lado, a componente constituída pela formação do saber dava o lugar , exactamente como nas escolas profissionais, a uma simples formação ao saber constituído e profissionalmente explorável. Por outro lado, a diversificação de sectores também compartimentados como o são as profissões acabaria por retirar qualquer sentido a este projecto de ajuntamento que exprime a ideia de universidade(p. 92).
A posição de Renaut era então matizada: abordava o problema pesando os prós e os contras e defendia-o fortemente a formação generalista no primeiro ciclo. O que é feito hoje destas matizes? É deplorável que a controvérsia política as tenha apagado.”

[Paolo Tortonese. Professeur de littérature française à l’Université de Paris III-Sorbonne, La professionnalisation de l’Université n’est pas la solution, former diplômés généralistes n’est pas produire chômeurs, Le Monde, 23 de Outubro de 2009].

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Regresso da Teologia da Libertação?



No jornal espanhol « El País » de hoje, foi publicado um texto informativo assinado por Miguel Mora, com o título “Se busca Papa negro”, que me pareceu ter uma significativa relevância política, no plano estratégico. Sublinhando-se o sentido do texto pode ler-se como destaque, sob o título, a seguinte frase:“África se perfila como nuevo vivero del catolicismo - Los obispos de la región asumen el discurso antiglobalización y una renovada Teología de la Liberación “

Eis o texto:


"Muchos recuerdan en Roma que el día que Karol Wojtyla fue elegido Papa, en 1978, Carlo Cremona, un cura que comentaba el cónclave en la radio, exclamó en directo: "¡Han nombrado a un Papa negro!". Casi 20 años después, la canción Sarà vero, vogliamo un Papa Nero (Será verdad, queremos un Papa negro), fue un éxito en el Festival de San Remo y la canción más oída de 1997.
¿Pero acaso está listo el catolicismo para hacer lo que ha hecho Estados Unidos eligiendo a Barack Obama presidente de la nación? ¿Tendrá el Vaticano alguna vez un jefe negro o, como diría Berlusconi, bronceado?
La idea puede sonar descabellada, pero Filipo Di Giacomo, ex misionero en Congo durante 12 años, recuerda que sería sólo un retorno a los orígenes, "ya que en la serie de los primeros 10 sucesores de San Pedro, cuatro eran africanos o, mejor dicho, afer, es decir, negro de piel".
En las tres últimas semanas, el sínodo africano ha reunido en Roma a 247 obispos y 14 cardenales del continente hambriento. La asamblea, que se cerró el pasado viernes, ha reflexionado sobre los problemas africanos y ha abordado el futuro de una forma crítica.
Sobre el desarrollo, y sus vertientes paz y justicia, los obispos han lanzado duras críticas contra la política financiera y han hecho suyas ideas de los foros antiglobalización. El documento final achaca "guerras y conflictos, crisis y caos" a las "decisiones y acciones de personas que no tienen ninguna consideración por el bien común y, a menudo, a la complicidad trágica y criminal entre responsables locales e intereses extranjeros".
Los obispos han denunciado el saqueo de riquezas naturales por parte de las multinacionales que recurren a la corrupción de las élites políticas locales. "Lo que hacen BP, Shell o Mobil en el delta del Níger no puedo imaginar que lo hagan en el Mar del Norte o en Tejas", dijo John Olorunfemi Onaiyekan, arzobispo de Abuja (Nigeria).
El sínodo reclama un modelo de comportamiento ético a las empresas que operan en África, critica la falta de formación de las clases dirigentes locales africanas y clama contra la Organización Mundial del Comercio, que "sofoca el desarrollo de las agriculturas y las industrias locales impidiendo el autoabastecimiento".
"Al contrario que en el sínodo de 1994, esta vez África se ha contado a sí misma desde dentro", explica Filippo di Giacomo. "Lo que es indignante es que una reunión abierta con un documento que parece escrito por Gramsci y que toca todos los temas que la izquierda invoca en campaña electoral haya sido ignorada por un idiota prejuicio anticlerical. El sínodo ha sido una asamblea del Tercer Mundo como las de Bandung [Indonesia] y Medellín [Colombia] en los años cincuenta y setenta, pero la izquierda, otra vez, ha mirado hacia otro sitio".
Además, en Roma se ha oído el grito de rebelión de las mujeres africanas. El cardenal Turckson, de Cabo Costa (Ghana), reputado sociólogo, dijo que es necesario "evangelizar la cultura tradicional para liberarla de la poligamia, la violencia doméstica, las discriminaciones en las herencias, los matrimonios forzosos...".
Felicia Harry, superiora de la Congregación de las Misioneras de Notre Dame des Apôtres, ha reivindicado que "las monjas no deben servir sólo para enseñar el catecismo, decorar las Iglesias, lavar o remendar los hábitos, sino que deben formar parte de los consejos parroquiales y diocesanos".
La coexistencia con el Islam es otro tema crucial. El sínodo ensalza la cohabitación de países como Nigeria, Ghana o Camerún, alejada del modelo violento que rige en lugares como Sudán, donde ha habido seis crucificados en las últimas semanas.
Los obispos han pedido al Vaticano que adapte las liturgias del continente al rito clásico latino (medida aprobada ya en Congo por el cardenal Ratzinger en 1987). Y han recordado que la disciplina canónica en ambientes de hambre, enfermedad, pobreza y promiscuidad, "debe servir como alternativa social inspirada en las categorías culturales del pueblo y no de las jerarquías".
Además, defienden la versión africana de la Teología de la Liberación, elaborada, entre otros, por dos cameruneses: el teólogo jesuita asesinado Engelbert Mweng, y su discípulo Jean Marc Ela, recientemente fallecido en Canadá. "Nuestras diócesis deben ser modelos de buen gobierno, de transparencia y de buena gestión financiera", dicen las conclusiones. "Tenemos que seguir haciendo lo posible por combatir la pobreza, gran obstáculo a la paz y a la reconciliación. Las sugerencias en este ámbito para crear programas micro-financieros merecen una atención particular".
En la última década, el catolicismo africano ha aumentado sus fieles en un 700%, según el Vaticano, y hoy el 30% de las parroquias italianas tienen párrocos extracomunitarios, en su mayoría subsaharianos. Dentro de 10 años, África será uno de los grandes viveros del catolicismo, y con un 25% de bautizados superará el 20% que habrá en Occidente. "Ese peso se reflejará sin duda en la composición del cónclave", subraya Di Giacomo.
En Roma se esperaba desde hace tiempo que el Papa llamara a algún cardenal africano a trabajar en la Curia. Finalmente el elegido fue uno de los considerados papables, Kodwo Appiah Turkson, de Ghana, que había sido el relator del Sínodo y concelebró la misa con Benedicto XVI. Fue designado para presidir la Comisión de Justicia y Paz, algo así como un ministerio vaticano".

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Continuamos quietos ?



1. Um militante do PCP e um militante do PSD, assumiram a sua veste de dirigentes sindicais, que realmente são, e cometeram um bla, bla, bla previsível, sobre o que decretaram que deve ser feito pela próxima Ministra da Educação.

Falaram grosso, com a força que lhes é dada por muitos e muitos professores socialistas, filiados nos sindicatos dirigidos por cada um deles.

Será destino ou maldição sermos usados por agentes de outras áreas políticas para servirmos de arma contra os nossos próprios governos?

Sabemos que o governo anterior esteve longe de um desempenho satisfatório em matéria de educação. Mas as oposições e os sindicatos limitaram-se, quase sempre, a um assanhamento sectário sem ligação ao futuro. É preciso ir mais além. A moção “Mudar para Mudar” no Congresso Nacional do PS tentou. Não lhe foi dada importância.

2. Pouco a pouco, tenho regressado a uma ideia que me convenceram a congelar há umas décadas atrás: os professores socialistas têm que se organizar autonomamente. Num primeiro tempo, criando uma Associação Nacional dos Professores Socialistas. Depois se verá. Se for preciso, podemos ter que nos organizar sindicalmente, em sindicatos próprios e independentes.

Continuarmos como até agora é que não. Continuarmos a ser massa de manobra para dirigentes do PSD e do PCP usarem os sindicatos a que pertencemos contra os governos do PS; sofrermos ataques de Associações que têm como objectivo nuclear o combate ao PS; ou seja, deixarmos que nos combatam sem que nos defendamos. Não. Já chega.


Por outro lado, a nossa voz dentro do PS é completamente inaudível, a voz de milhares de professores socialistas dentro do partido não conta quase nada. A nossa influência na definição das políticas que têm a ver com a educação é nula.

Consequência: aumenta a probabilidade de políticas educativas erradas, por parte dos governos do PS e de reacções estéreis e politicamente instrumentalizadas, por parte dos sindicatos e associações de professores, acolitados pelas oposições, mas aos quais afinal muitos de nós pertencem.

Não esperemos mais. Criemos uma Associação Nacional dos Professores Socialistas, à qual possam aderir militantes e simpatizantes do PS, eleitores habituais do PS, e quaisquer outros cidadãos que identificando-se no essencial com a identidade histórica do PS não estejam filiados em qualquer outro partido político. A educação e o futuro precisam disso. Comecemos já a pensar nisso, para podermos agir no curto prazo.

O que acham camaradas?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os dentes do David


Saramago teceu publicamente algumas considerações sobre a Bíblia, a propósito do seu novo livro. A Igreja Católica ficou com algumas comichões, por causa disso. Se há liberdade de crítica, deve haver liberdade de comichão. Até aqui nada de grave.

Mas um cromo situado no parlamento europeu sob a bandeira do PSD (um “qualquer coisa” David), acha que Saramago deve renunciar à nacionalidade portuguesa e com grande dose de valentia desafiou-o nesse sentido.

Mas por alma de quem, ò santinho? Será que o fogoso europeu-laranja se julga detentor do poder de decidir quem merece e quem não merece ser português ?

E já agora : o que tem a ver a Bíblia com a nacionalidade portuguesa ?

Enfim, uma coisa parece certa: o “qualquer coisa” David conquistou uma leve hipótese de ficar na história.

De facto, quando se escrever a crónica completa de Saramago e se mostrar que, mesmo ao primeiro Prémio Nobel da Literatura de língua portuguesa, houve rafeiragem lusa a morder-lhe as canelas, logo a seguir a dois ou três pernósticos já conhecidos, virá o “qualquer coisa” David, com a enérgica menção de ter sido o autor da dentada mais idiota alguma vez dada nas canelas de José Saramago.

sábado, 17 de outubro de 2009

Estaturas virtuais



Andam há anos a esconder a sua pequenez, subindo desesperadamente para cima dos pequenos bancos dos poderes de circunstância, esperando que assim se crie a ilusão de que são grandes na feira das vaidades.


Espantam-se, por continuarem a ser valorizados apenas como são, sempre que chega uma "hora da verdade".


O meu espanto vem apenas do facto de eles ainda se espantarem.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O dilema do socialismo europeu




O diário espanhol “El País” publica hoje um estimulante texto de Sami Naïr, Professor da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, que merece ser transcrito. O texto tem como título « El dilema del socialismo europeo » e justifica uma leitura atenta, apesar de algumas ostensivas limitações, entre as quais se contam a ausência de referências aos partidos socialistas grego e português, que recentemente contrariaram a tendência dominante na Europa, um a partir da oposição, outro a partir do governo.


Isto não invalida que os socialistas portugueses devam prestar uma particular atenção a este texto. De facto, vamos entrar num período particularmente exigente para o PS português, de cuja capacidade para conjugar a eficácia na acção imediata do Governo com a construção de vias estruturantes para uma mutação política mais funda, projectada no médio e no longo prazo, vai depender em boa medida o futuro dos portugueses nas próximas décadas. E esse desígnio exige informação, estudo e reflexão colectiva sistemática, radicada nas raízes e na identidade histórica do PS, mas aberta a um horizonte de esperança e de inconformismo.


Eis o texto:


« El dilema del socialismo europeo »



"Los partidos socialistas europeos atraviesan una crisis extremadamente profunda. Si dejamos de lado el caso de los países nórdicos, donde, en su conjunto, la tradición socialista es muy particular y la conflictividad social menos aguda, o incluso de los partidos socialdemócratas de los países del Este europeo, demasiado recientes todavía para poder ser juzgados, constatamos, con la excepción notable de España, que en todos los otros lugares -Francia, Gran Bretaña, Alemania, Italia- los partidos socialistas están de capa caída.
El PS francés perdió al pueblo al decir Jospin que no podía hacer nada ante los despidos de Michelin
El SPD alemán, al que se le escapan votos por la izquierda, elige como líder a un centrista
En Francia, la crisis comenzó a principios del año 2000 con el fracaso estrepitoso del experimento de la "izquierda plural". La aplicación de una política de recuperación económica en 1997 había sido seguida a partir de 1999 de una política de adaptación liberal contraria al programa inicial. Simbólicamente, este cambio se encarnó en la célebre frase del entonces líder socialista Lionel Jospin -"no puedo hacer nada"- en el momento en que la empresa multinacional Michelin anunció superbeneficios y, a la vez, dejaba en el paro a miles de trabajadores debido a las deslocalizaciones. Ahí es donde el Partido Socialista Francés perdió al pueblo.
Pero hay algo aún más grave: el Partido Socialista Francés no ha visto venir la crisis de la globalización liberal; ha sido sorprendido y desconcertado por la estrategia de Nicolas Sarkozy, quien ha congregado alrededor de un único gran partido liberal-conservador a gentes de derechas, de extrema derecha, de centro y de la izquierda social-liberal. Por último, el PS es incapaz de cerrar filas en torno a un candidato creíble, puesto que ninguno de los/as aspirantes que pelean por las próximas elecciones presidenciales tiene ni la personalidad, ni la profundidad de visión necesarias para derrotar a Nicolas Sarkozy. Esta situación engendra la apatía de las clases populares, la desorientación de las clases medias y el aumento de la abstención electoral.
En Gran Bretaña, el fracaso del blairismo ha quedado simbolizado por la propia marcha de Tony Blair. La famosa Tercera Vía no ha sido en los hechos más que una adaptación sonriente y biempensante del tatcherismo basado en el desmantelamiento de los servicios públicos y la privatización generalizada. Hoy, el Partido Laborista está en caída libre. Durante su último congreso, Gordon Brown propuso un Welfare State (Estado del bienestar) centrado en un "nuevo modelo económico, social y político" y basado en la "regulación del mercado". Pero en ninguna parte del programa se especificaba cómo financiar este Welfare State y, menos aún, cómo convencer a las clases medias que quieren a la vez más Estado del bienestar y menos impuestos.
Al no estar en el euro, Gran Bretaña tiene sin duda mayor libertad para gestionar una deuda pública del 80% y un déficit presupuestario del 12,4%; pero el desempleo (3 millones de personas) aumentará y no vemos cómo podríamos contenerlo sin incentivos fiscales, y, por tanto, sin un endeudamiento creciente.
En Italia, la descomposición de la izquierda socialista se ha producido bajo la forma de un agujero negro que se la ha tragado. La alianza en el seno del PD de los ex comunistas y de una parte de la Democracia Cristiana ha llevado a dos desenlaces fatales: de un lado, a la desa-parición del socialismo político e ideológico del terreno político italiano; del otro, a la apertura desde hace casi 10 años de una amplia avenida electoral para el populismo reaccionario de Silvio Berlusconi. La crisis actual del berlusconismo, en lugar de beneficiar a la izquierda, pone sobre todo en evidencia su impotencia.
En Alemania, el SPD está en crisis desde que Oskar Lafontaine se negó a apoyar en el año 2000 la orientación liberal que preconizaba Gerhard Schröder. El SPD acabó perdiendo las elecciones y aceptando un Gobierno de coalición con la CDU. Acostumbrado a establecer alianzas con la derecha, no ha sabido esta vez sacarle provecho porque ha demostrado ser incapaz de ofrecer un discurso propio y creíble sobre la crisis económica. El caso es que, de momento, es el partido socialista europeo que mayores pérdidas ha sufrido. Además de su división por la creación en la izquierda de Die Linke, ha perdido 10 millones de votos desde 1998, en beneficio tanto de Die Linke como de los Verdes, los Liberales y la CDU.
El SPD alemán comparte hoy con el PS francés la misma crisis de liderazgo, y la elección reciente de Sigmar Gabriel, con fama de centrista sin color ideológico, está lejos de concitar unanimidad.
Este breve resumen permite despejar algunas tendencias de fondo.
En primer lugar, los partidos socialistas occidentales aceptaron en los años noventa adaptarse a la globalización liberal (bautizada como tercera vía o cultura de gobierno) no sólo sin ofrecer un proyecto alternativo a su electorado central (clases medias y clases populares), sino también sin sacar todas las consecuencias ideológicas de esta elección.
Con ello, han ganado sin duda en eficacia gubernativa, pero han mutilado gravemente su propia identidad. De ahí la paradoja actual: son arrastrados por la crisis del liberalismo mientras que la derecha liberal no duda en aplicar las recetas tradicionales del Welfare State para hacer frente al temporal. Dicho de otra manera, la derecha se muestra más pragmática que la izquierda, la cual, después de haber perdido su identidad socialista, ha creído plenamente en las virtudes del social-liberalismo.
En segundo lugar, en todas partes de Europa occidental, los partidos socialistas no saben cómo reaccionar ante la tendencia a la "derechización" de la sociedad, que es el resultado de la inestabilidad creada por la desregularización económica y social de estos últimos años y que se encarna en una fuerte demanda de seguridad (social, económica e identitaria), y en una vuelta a los nacionalismos. Estas dos tendencias de fondo, que podemos observar en todas partes, expresan en realidad una grave crisis de identidad de la socialdemocracia: ya no tiene ningún proyecto específico. Así que la victoria del liberalismo en estos últimos 15 años no sólo ha sido económica; ha sido también y, sobre todo, ideológica y cultural.
La izquierda ya no tiene ni conceptos, ni métodos, ni visión para entender el mundo y actuar. Tiene cada vez más dificultades para diferenciarse cualitativamente de la derecha. Además, esta falta de proyecto no puede ser enmascarada por una retórica de defensa de los "valores". Porque si la izquierda sigue creyendo en sus "valores" (de solidaridad, igualdad, libertad y tolerancia), también sabemos desde hace mucho tiempo que los invoca tanto más fácilmente en la oposición cuanto que, a menudo, se olvida de ellos cuando está en el gobierno.
Los partidos socialistas están enfrentados de este modo a un dilema trágico: o se inventan un nuevo programa o perecerán lentamente. ¿Qué hacer ante la crisis de la mundialización liberal? ¿Qué hacer ante el rechazo del que es objeto la Europa liberal? ¿Qué hacer ante el escepticismo y el alejamiento de las clases populares y medias? El proyecto de un nuevo Welfare State europeo, más necesario que nunca, depende de las respuestas que los partidos socialistas sean capaces de dar a estas preguntas.

domingo, 11 de outubro de 2009

Educação - especialistas isentos


Quando querem vituperar o despesismo insuportável dos poderes públicos, comparam as despesas de educação com as dos outros países, valorizando o seu nível percentual em correspondência com o PIB per capita.

Quando querem alegar a insensibilidade dos poderes públicos em face das necessidades em educação dos portugueses, comparam as despesas de educação com as dos outros países, valorizando o seu montante em termos brutos.

E são os mesmos especialistas igualmente isentos. Apenas retiram consequências opostas de uma mesma realidade, que só varia pela variação do modo como é encarada, ao sabor de encomendas ou de conjunturas.

Apenas pergunto: Querem fazer de nós tontos ou são, eles próprios, tontos ?

Coimbra - a luz do Mondego









segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Milagre?


Não sei se a Comissão Nacional de Eleições vai intervir. Mas devia. Na verdade, um Santo que não consegui identificar, mas que seguramente pertence à Igreja Católica, entrou inopinadamente na campanha para as Eleições Autárquicas de Marco de Canaveses.

Eis o que acabo de ouvir da boca de um dos candidatos, o piedoso Candidato Independente à Presidência da respectiva Câmara Municipal, Ferreira Torres.
Como é sabido, Ferreira Torres, acrisolado temente a Deus, tem uma capela privativa numa quinta de que é proprietário. Vai daí, em data recente, procurando ajuda para que uma sentença do Tribunal Constitucional lhe permitisse candidatar-se, FT orava intensa e recolhidamente na sua Capela.
A decisão estava por pouco, por horas. E, de repente, a luz acendeu-se por si própria, num sinal evidente da cumplicidade do Além. FT ficou com a respiração suspensa, balançando entre a incredulidade e a esperança. Por pouco tempo. Apostado em deixar as coisas bem claras, quanto à efectividade da sua interferência, o Santo não identificado acendeu de novo a luz e voltou a apagá-la. Aí, FT não teve dúvidas: o Santo não identificado fez realmente um milagre, convencendo os circunspectos juízes do Tribunal Constitucional a atenderem a cunhazita metida por FT.
E aqui é que bate o ponto. De facto, ao que parece, nenhum dos outros candidatos tem um Santo à sua disposição, para apoiá-lo. Logo, está introduzida na contenda de Marco de Canaveses, um factor de grande desigualdade entre os candidatos. De um lado, um candidato que pode usar um " Santo", sacramentado e com influência nas mais altas esferas do Além. Do outro, todos os restantes candidatos, aparentemente sem qualquer hipótese de contarem com o apoio de qualquer "Santo".
Não é justo. Esta asfixia não é democrática. Assim, o ungido Ferreira Torres não pode deixar de ganhar.

A República como superação da Monarquia


1.No caso português, entre os limites materiais das revisões constitucionais, encontra-se “a forma republicana de Governo”. Consta que alguns monárquicos sustentam a necessidade de remover esse limite, para depois se poder organizar um referendo que decida se os portugueses pretendem viver sob a égide de uma monarquia ou continuar sob uma república.

Se dissermos isto de uma outra maneira, fica claro que, no plano dos valores democráticos, a monarquia e a república não se equivalem. De facto, numa república nós escolhemos o Chefe de Estado periodicamente, o que significa que não só podemos mudá-lo de tantos em tantos anos, como asseguramos que os vindouros o possam continuar a fazer. Numa Monarquia somos condenados a ter como Chefe de Estado uma determinada pessoa, por mero facto de nascimento no seio de uma determinada família, sem possibilidade de a remover numa consulta popular livre. Pode-nos sair na rifa um génio ou um idiota, um autoritário ou um livre pensador. Pode-nos sair na rifa alguém que esteja em consonância com as opções maioritárias do povo ou que esteja contra elas.

Quando um dos valores básicos de um Estado de Direito é a igualdade dos cidadãos perante a lei, quando uma das áreas onde se têm gerado consensos interpartidários mais vastos é a que implica a valorização desse princípio, quando entre as traves mestras da nossa Constituição se encontram as várias repercussões desse princípio, se abríssemos na Constituição uma pequena porta que fosse à Monarquia estaríamos a instituir o risco da instituição de um privilégio de nascimento, para determinar quem ocuparia a cúpula do Estado. O maior privilégio que podia ser outorgado a alguém seria incrustado como um aleijão na nossa lei fundamental.

Mas não nos estaríamos apenas a condenar a um suicídio democrático no presente, estaríamos a expropriar as gerações futuras do direito de escolherem democraticamente quem vão querer como Chefe de Estado ao longo das suas vidas.

Ora, se é legítimo que se escolha quem deve ocupar este ou aquele cargo durante um certo período de tempo, não é legítimo que alguém decida hoje que os vindouros perdem o direito de decidir. E se já me parece difícil de sustentar que se use uma consulta democrática para legitimar uma possível perda do direito de ser consultado, mesmo que o eleitorado estivesse cem por cento de acordo, não me parece que pudesse confiscar aos vindouros o direito de decidirem quem deve ser o seu Chefe de Estado. Por tudo isso, me parece que, sem necessitar de outras considerações, o facto de a Constituição portuguesa não admitir a forma monárquica de regime, sendo essa inadmissibilidade um dos aspectos irremovíveis da sua lógica é coerente com o princípio democrático e com o valor da igualdade, da ilegitimidade geral de privilégios por nascimento. Não a admite, não por uma opção circunstancial e secundária que pode ser removida sem pôr em causa a sua estrutura e o seu sentido geral, mas sim pelo facto de essa mensagem normativa ser um elemento básico da sua identidade como um todo.
Por isso, verdadeiramente, aceitar na Constitução a possibilidade de uma monarquia não implicaria apenas retirar uma alínea dos limtes materiais da revisão constitcional, obrigaria também , pelo menos, a retirar dela o princípio da igualdade.

2. Isto é o principal, mas no caso português, podem juntar-se mais algumas considerações.

Desde logo, não podemos esquecer que o salazarismo em Portugal foi uma "república" apoiada pelos monárquicos ( salvas honrosas excepções que se não esquecem, mas que não podem servir para branquear a regra). E de tal o modo o foi, que com base nas alegadas preferências de Salazar, por mais do que uma vez pairou a hipótese de uma passagem suave da “república” salazarista para uma monarquia. Basta, por exemplo, consultar o jornal da “Causa Monárquica”publicado em plena ditadura, para se ver como estava identificado com o essencial da política do salazarismo.

E ,na actualidade, além de o PPM ser um pequeno partido de direita, entre os poucos cidadãos cuja opção monárquica é conhecida, a larga maioria é de gente claramente situada na direita política e ideológica. Também aqui, as honrosas excepções não podem servir para obnubilar a tendência largamente dominante. Aliás, bem sublinhada pelo Sr. Duarte Nuno, alegado pretendente ao trono português, um sujeito ideologicamente conservador e politicamente identificado com a direita portuguesa.

Ou seja, hoje, pode haver um Presidente ideologicamente de direita, como actualmente acontece, mas já houve os dois anteriores que eram de esquerda, todos eles escolhidos por voto popular. Se o Sr. Duarte Nuno fosse o Chefe de Estado vitalício, a direita teria instalado no topo do Estado um dos seus para sempre, seguindo-se-lhe os filhos e netos; e a esquerda, que representa mais de metade do eleitorado, ficaria reduzida a fazer vénias aos ungidos. Isto, desconsiderando provisoriamente o facto de, em circunstâncias normais, uma grande parte da direita preferir a República à Monarquia.

Com a agravante de, no caso concreto, o Sr. Duarte Nuno não estar sequer próximo de ter as capacidades e competências mínimas exigíveis a quem pretenda desempenhar a função de Chefe de Estado. Se o compararmos com qualquer dos Presidentes da República eleitos depois do 25 de Abril ou durante a 1ª República, percebemos a diferença e avaliamos melhor o risco da Monarquia.

Mas, mesmo que desembocássemos nesse absurdo histórico, por uma conjunção improvável de dislates, o Sr. Duarte Nuno não seria reconhecido como pretendente legítimo ao trono português, por uma boa parte dos monárquicos portugueses e desde logo pelo único partido monárquico existente, o PPM. De facto, o alegado pretendente descende do Infante D. Miguel que liderou os absolutistas na guerra civil que desencadeou contra os monárquicos liberais e que devastou Portugal no início do século XIX. Não descende dos reis liberais, mas sim do usurpador absolutista. Com ele não se chegaria a qualquer imaginário oásis de uma qualquer concórdia, mas a um provável acréscimo de confusão. Mesmo que se chegasse ao termo dos vários processos que conduzissem à Monarquia continuaria a não ser claro e pacífico quem podia ser rei.

Por último, quando se caminha para um mundo com instituições políticas globais, necessariamente democráticas e republicanas, que tornem mais provável a sobrevivência da espécie humana (no caso português, através de um projecto europeu que una os seus povos numa entidade que a todos represente e respeite), seria anacrónico devolver-nos ao pesadelo vivido um século atrás.

domingo, 4 de outubro de 2009

Viva a República!



No ano passado e há dois anos, para comemorar o 5 de Outubro de 1910, transcrevi neste mesmo blog um poema da minha autoria, publicado no livro "Nenhum lugar e sempre"(2003). Repito-o numa homenagem idêntica.




República




És a estátua do vento e das palavras

que inventamos ousadas e inteiras.


Foste penhor secreto de uma voz

desvendada em todos os caminhos.


Deusa das ruas e de muitas praças,

és um ofício, paciente e puro.


Olhaste além de nós, além do medo

e foste além de todas as fronteiras.


Há uma lenda inscrita no teu rosto:

és sonho esculpido em aventura.


Suavemente, guardas este povo,

num gesto de ternura, em tuas mãos.


E alguém deixou abertos no teu rosto

os traços fugidios da liberdade.