sábado, 26 de dezembro de 2015

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS - dilemas e confrontações.



 AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS  - dilemas e confrontações.

1. Está estabilizado o elenco dos candidatos à Presidência da República que vão ser votados pelos portugueses em 24 de janeiro. Mesmo sendo conhecida a falibilidade das sondagens, é improvável que elas sejam estruturalmente desmentidas nas eleições. A realidade saída das urnas pode afastar-se delas parcelarmente, mas não nos mostrará, decerto, uma imagem estruturalmente diferente daquela que elas nos têm vindo a transmitir.
Há um candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa, que se revela como o mais provável vencedor da primeira volta, reunindo um conjunto de intenções de voto que torna admissível a sua eleição à primeira volta. A máquina de propaganda da direita, todo o complexo mediático dominante, quer inculcar nos eleitores uma imagem de inevitabilidade dessa vitória à primeira volta, que todavia está longe de espelhar a realidade. De facto, as intenções de voto em MRS excedem pouco os 50% e é sabido que, em Portugal, o conjunto do eleitorado da esquerda tende quase sempre a ser maior do que o da direita.
À esquerda há quatro candidatos com consistência política, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e Edgar Silva. Os dois últimos são apoiados, respetivamente, pelo BE e pelo PCP. Os dois primeiros, embora não tendo o apoio oficial do PS na primeira volta, repartem entre si uma parte muito relevante dos eleitores desse partido. Sampaio da Nóvoa é também apoiado pelo Livre e pelo MRPP. Da dinâmica destas quatro candidaturas depende em larga medida a realização de uma segunda volta. Da sua dinâmica e da medida em que cada uma delas consiga aproximar-se do seu teto potencial de eleitores. Isto, dando-se como adquirido que não se digladiarão entre elas, concentrando todo o seu poder de fogo e toda a sua agressividade no candidato da direita.
Segue-se depois um pequeno pelotão de candidatos, politicamente pouco relevantes, com perfis pessoais, profissionais e políticos muito diversos, com níveis de notoriedade pública também distintos. As propostas que se lhes conhecem e os temas a que dão prioridade também não são coincidentes, mas talvez seja possível ver em todos eles uma forte desconfiança quanto aos partidos políticos existentes. Virão talvez deles os maiores dislates, mas não é de excluir que deste conjunto saiam também algumas ideias inovadoras. Não são um fenómeno novo. Os eleitores já se habituaram a eles. Não os hostilizam, alguns até gostam deles, mas poucos lhes dão o voto. Em conjunto, podem, no entanto, passar dos 5% dos votos. São talvez um sintoma da incompletude da nossa democracia, uma externalidade negativa no plano político, mas são uma manifestação  de vitalidade cívica.

2. É muito positivo o empenhamento dos cidadãos nas candidaturas que apoiem. É péssima a indiferença. É negativa a hesitação. É particularmente negativa a hesitação que se traduza de imediato no alheamento e mais tarde na abstenção.
Na perspetiva de um cidadão de esquerda, militante do Partido Socialista, apoiante de Maria de Belém, como é o meu caso, é naturalmente preferível que os apoios à sua candidata continuem a crescer. Mas é particularmente negativo, não o apoio dos eleitores habituais ou irregulares do PS em qualquer outro candidato de esquerda (em especial nos que tenham uma real densidade política), mas a ausência de apoio a qualquer deles. Essa possível omissão é a prenda mais apetitosa que pode ser dada ao candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa.
Praticando aquilo que preconizo e comportando-me como penso ser a atitude política mais recomendável aos cidadãos de esquerda na atual conjuntura, não vou tecer críticas substanciais a qualquer dos três candidatos de esquerda acima destacados que não apoio, nem vou insistir nas razões que me levam a apoiar Maria de Belém. Não esperando que quem já tenha uma opinião formada tenha que forçosamente deixar de me ler, vou no entanto dirigir-me especialmente aos cidadãos eleitores que estejam hesitantes entre apoiar Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa, as duas candidaturas que concitam mais apoios entre os socialistas.
 Sob pena de cairmos numa arrogância estéril, devemos dar todos como adquirido que a própria divisão de apoios referida indicia que ambos os candidatos têm um perfil adequado para desempenharem com êxito as funções a que se candidatam, embora naturalmente sejam diferentes as suas qualidades, aptidões e experiências. Por mim, valorizo mais as da candidata que apoio; com outros acontecerá certamente o contrário.

3. Mas a evolução política dos últimos meses, em Portugal, geradora de um xadrez politico inédito desde o 25 de abril, mudou estruturalmente os dados que caracterizavam a situação portuguesa. E essa mudança feriu profundamente uma dessas duas candidaturas e deixou incólume a outra.
De facto, essa mudança estrutural do xadrez político atingiu profundamente a candidatura de Sampaio da Nóvoa. Ela foi concebida, preparada e lançada, como elemento decisivo de um dispositivo facilitador de uma convergência dos partidos de esquerda, que se desejava ampla mas se admitia como mitigada na esperança de que pudesse vir a ser crescente. Muito naturalmente, o alvo principal era o PS na busca de ser conseguido o seu apoio institucional e político a essa candidatura. O seu apoio formal. Dos outros partidos de esquerda, desejando-se o apoio, não se excluía a utilidade de uma outra qualquer manifestação favorável menos formal. Poderia ser uma convergência logo à primeira volta; e, na pior das hipóteses, poderia ser uma convergência apenas na segunda.
Cientes da centralidade do PS neste processo, os outros partidos de esquerda, não tendo dado sinais negativos, não quebraram uma prudente reserva. O PS reagiu com uma abertura prudente, dando voz a Sampaio da Nóvoa, em eventos nacionais, quer sob a atual direção, quer sob a anterior. Não tendo eu a ciência dos corredores, não sei que conversas houve entre as direções do PS e o potencial candidato, ou sequer se as houve. E tendo havido alguns discretos sinais públicos de proximidade, o certo é que dentro do PS tal candidatura nunca foi discutida, não tendo sido tornada pública qualquer decisão de qualquer dos seus órgãos nacionais sobre o assunto.
 O que poderia ser encarado como uma maneira discreta de apoiar (de ir tornando evidente esse apoio) acabou por ser olhado como uma hesitação. Essa hesitação, sendo de início encarada principalmente como resultando das necessidades táticas e operacionais do PS, acabou por ser contaminada pela resistência do pré-candidato Nóvoa a subir nas sondagens, a ter uma presença ao menos honrosa nas sondagens. E o que começara por ser visto como simples tacticismo algo egoístico da direção do PS, passou também a ser olhado como consequência da fragilidade do candidato, em termos de popularidade eleitoral.
A ausência de um apoio oficial do PS ao pré-candidato Nóvoa, que continuava a voar baixo nas sondagens, sem concitar entusiasmos nem romper a teia de um quase anonimato em termos do grande público, suscitaram na área político-eleitoral do PS uma crescente incomodidade que rapidamente se transformou num vazio. Não era clara a mensagem objetiva dos factos.
O espaço para uma candidatura saída de dentro do PS alargou-se exponencialmente, transformando-se numa necessidade política, que naturalmente se projetou na consciência de quem se sabia vocacionado e preparado para isso, como um imperativo. Imperativo a que dificilmente poderia fugir quem, estando nessas condições, fosse reiteradamente desafiado e estimulado por muitos para se disponibilizar para esse combate. Foi o que aconteceu com Maria de Belém.

4. A direção do PS poderia ter organizado eleições primárias abertas para decidir quem apoiava, podia ter reunido órgãos nacionais e ter decidido. Não o fez. Decidiu antes não apoiar nenhum candidato na primeira volta. Podendo vislumbrar-se a positividade desta decisão no plano da ética, não se pode deixar de a considerar como politicamente negativa. Enfim, a decisão está tomada, os socialistas estão espalhados pelas duas candidaturas, embora muitos deles, infelizmente, permaneçam fora das duas.
Neste quadro, e voltando à análise dos danos causados à candidatura de Sampaio da Nóvoa pela recente mutação no xadrez político português, suscitada pelo entendimento entre as esquerdas que tornou possível o governo liderado por António Costa, verificamos que a paisagem política que esteve na génese da candidatura de Nóvoa já não existe. Os resultados eleitorais e o modo como as forças políticas de direita e de esquerda se concertaram e dividiram a partir deles, geraram um entendimento político das esquerdas parlamentares muito mais consistente e muito mais amplo do que aquele que estava no horizonte mais otimista da estratégia que concebia Nóvoa como um impulsionador potencial de uma convergência de esquerda. O desígnio estratégico central desta candidatura desvaneceu-se, tendo por isso perdido o essencial da sua razão de ser original. Da razão que ocupou o cerne das dinâmicas concertadas de apoio que o candidato suscitou.

5. O BE e o PCP compreenderam isso. Promoveram candidaturas próprias, cujos protagonistas têm um perfil político que indicia claramente que estamos perante candidaturas que querem ir a votos, que querem fixar na primeira volta o eleitorado dos respetivos partidos, para que possam, numa segunda volta, contribuir para a vitória de um candidato de esquerda. Perante isto, consumou-se a objetiva frustração do desígnio essencial da candidatura de Nóvoa. A inércia das dinâmicas frustradas e a posição neutra do PS prolongaram um nível de intenções de voto a seu favor que o aproxima das que reúne Maria de Belém, mas privaram-no irremediavelmente da margem de crescimento eleitoral de que precisa para poder pensar em vencer.
Por isso, verdadeiramente, a atual candidatura de Nóvoa é apenas uma sombra da que de início foi pensada. Não por ter havido nela uma qualquer mutação substancial, mas porque o novo xadrez político português lhe alterou radicalmente o sentido e o significado, esvaziando-a irremediavelmente do essencial do seu horizonte estratégico.
Pelo contrário, a candidatura de Maria de Belém nada perdeu com a referida alteração do xadrez político. Sendo uma candidatura que se situa no centro da esquerda no plano estritamente político, é uma candidatura estrutural e diretamente enraizada no terreno da economia social, o que lhe permite uma fácil e natural abertura através dela, a setores sociais que, em termos estritamente políticos, podem ser encarados como estando situados quer à sua esquerda quer à sua direita. Sabendo-se quem o é candidato da direita percebe-se que o terreno social é um terreno decisivo. Ele já está a ficcionar-se para tentar expandir os seus apoios através dele. E aí Maria de Belém tem a vantagem de quem está nesse terreno há décadas, tendo uma experiência sólida, daquelas que não se constroem de um dia para o outro, nem se compensam com banhos rápidos de assessoria, ou com qualquer retórica imaginativa e perdulária.

6.Dito isto, os meus votos relativamente a todos aqueles que convictamente já se envolveram em qualquer das quatro candidaturas de esquerda, que tenham verdadeira densidade política e que acima mencionei, ou que por opção partidária têm a sua escolha já feita, vão no sentido de que transmitam eficácia ao seu entusiasmo no apoio aos seus candidatos. Quanto aos que estejam ainda hesitantes no apoio a dar, peço-lhe que ponderem o que lhes acabo de dizer e decidam em consciência. 

                                                                                         Rui  Namorado
                                                                                                                          (26.12.2015)


domingo, 20 de dezembro de 2015

NÃO PODEMOS IGNORAR !



"Temos ouvidos e vemos, não podemos ignorar"

Alertado por um amigo fui ao YOUTUBE ver o vídeo, cujo link abaixo vos forneço.

 É cada vez mais claro que o governo anterior, o governo da nossa inefável e "patriótica" direita, com a cumplicidade  dos poderes europeus, foi enterrando o país no lodaçal do BANIF, deixando para depois das eleições de Outubro passado o incómodo de ter que resolver o problema. É um caso que deve ser somado ao da TAP e ao das concessões de transportes. São casos diferentes , mas que reflectem um mesmo padrão de utilização do aparelho de Estado em prol de interesses privados, seja por simples incompetência, seja por verdadeira má fé.

 Mas o caso do BANIF é especialmente grave. Ele soma-se aos casos BPN e BES, Casos distintos entre si, mas que reflectem a mesma dificuldade de controle público da banca privada, o irrealismo de se confiar na competência e na honestidade dos banqueiros como garantes últimos da salvaguarda do interesse público, Isto sem esquecer  a dimensão imensa dos prejuízos públicos suscitados pelos desvarios ou pela incompetência dos banqueiros.

Estamos aprisionados numa estranha ratoeira, protegida cuidadosamente pelos capatazes do neoliberalismo, que se traduz no insólito destino de obrigarmos milhões de portugueses a apertarem violentamente o cinto, não para gerarem um futuro mais justo para todos, mas para salvarem bancos. Compreende-se que o abandono dos bancos à sua sorte pudesse produzir lesões graves no tecido económico-social, mas não se compreende que perante a sucessão de casos não se corte o mal pela raiz. Não através de uma medida brusca e simplista  que possa gerar novas dificuldades e novos problemas; mas também não apenas através de uma qualquer cosmética que deixe afinal vivas as fontes do perigo. Nada  menos que uma solução que dê ao poder político democrático um poder de controle efectivo dos negócios bancários privados. O actual governo está confrontado com um problema imediato que herdou. Compreende-se a urgência da acção a curto prazo, mas espera-se uma solução futura do problema que seja eficaz, sólida e justa. É indispensável.

Ora, cliquem agora  no link que vem abaixo e ouçam, com atenção e a calma possível.

http://www.youtube.com/watch?v=OcxS1zYWJms

sábado, 12 de dezembro de 2015

Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista




Eleições Presidenciais ─ o grande ilusionista
 
1.O resultado das eleições presidenciais que se avizinham tem a importância inerente ao cargo em disputa. Muita. A esquerda tem estado a sofrer a lição penosa do que é ter em Belém um inquilino integrado no sistema de poder da  direita  e disposto a colocá-la à frente dos interesses do povo e da República.
Mas os últimos dias têm-nos fornecido alguns tímidos indícios de que pode vir a inscrever-se no horizonte de uma parte da direita um novo episódio de abuso na utilização política do cargo, através da tentativa de criar a partir da Presidência da República um novo partido político. Um partido que viria a apresentar uma parte da velha direita como novo centro político. Um partido que viria ocupar o espaço deixado vazio pela direitização do PSD e pelo acentuar da bipolaridade esquerda/direita que tenderia a empurrar o PS para a esquerda. Para isto, Marcelo Rebelo de Sousa terá que ser o próximo inquilino de Belém.
Um tal caminho repetiria, num outro registo, a tentativa falhada do PRD. Seria eventualmente uma hipótese de reserva, uma solução latente, para o caso de se consumar a absorção política do PSD e do CDS, por essa mistura instável de um fundamentalismo economicista neoliberal com uma atmosfera ideológico-política quase salazarenta. Uma solução que uma possível estabilização do acordo das esquerdas poderia transformar num antídoto indispensável para contrariar uma duradoura subalternidade político-institucional da direita portuguesa.
De facto, quando a direita está em dificuldades, o caminho que têm seguido os seus expoentes mais subtis e mais sagazes é o de vestirem a pele de cordeiro do centro, para assim atraírem uma parte da esquerda, aliciando-a com a célebre ilusão de que é no meio que está a virtude. O problema desta remansosa alternativa não está na dificuldade em concebê-la. Está na dificuldade de encontrar entre os fortes quem seja capaz de se auto-limitar e entre os de baixo quem se conforme com o destino triste de ser um tapete dócil. Por isso é que o centro é quase sempre uma passagem, uma hesitação, um equilíbrio instável, um adiamento. Mas nunca uma solução duradoura. Ou então é uma simples camuflagem da direita, reservada aos tempos, para si difíceis, em que o seu rosto ostensivo é menos frequentável.

2. Por isso, seria bom que o povo de esquerda se convencesse que deixar instalar Marcelo Rebelo de Sousa em Belém não é o mesmo que um fim de semana bem passado a ouvir histórias da carochinha, não é o mesmo que ter a representar a República um avô bem disposto e inteligente que nos dá palmadinhas nas costas, é amigo de toda a gente, toma banhos de mar no inverno e dorme pouco. Um malabarista que como avô é um jovem, mas que como jovem já é avô. Um professor que procura esmagar com suavidade com o que sugere saber. Um distraído fictício que presta toda a atenção a cada detalhe que o possa favorecer ou prejudicar. Um caminhante displicente que mede cada passo. Aparentemente superficial para ser amado, aparentemente profundo para ser temido.
Em suma, o que está em marcha é uma grande manobra de ilusionismo político cuidadosamente tecida, para que uma parte do povo de esquerda seja seduzida (e portanto enganada) por um dos seus mais sagazes inimigos.
Símbolo central desta prestidigitação política é a súbita conversão a um prudente anticavaquismo de um dos seus escudeiros mais eficazes.  Realmente, o desastrado inquilino de Belém que encerra crispado um pesadelo nosso, não se enganou quando escolheu Marcelo para o seu Conselho de Estado.
Ora, se o ilusionismo político num comentador pode ser um colorido estimulante, num candidato presidencial é um insuportável embuste. O povo tem o direito de escolher o candidato que prefere por aquilo que ele é e por aquilo que ele venha realmente  a ser quando for Presidente.
Por isso, é exigível a todos os candidatos que digam como vão exercer os poderes que a Constituição lhes dá. Nem mais nem menos do que isso. Nós não vamos eleger um chefe providencial que disponha do poder ilimitado de mudar tudo, vamos eleger um cidadão que ocupará um lugar específico (ainda que muito importante) num sistema de poderes constitucionalmente estabelecido. E neste sistema de poderes ele dispõe de alguns, não de todos. Vamos escolher o protagonista, por um tempo limitado, o protagonista de um dos  órgãos de soberania, não de todos. Vamos eleger um Chefe de Estado com poderes identificados e limitados, não o detentor absoluto de todos nos poderes do Estado.
Por isso, é exigível que os candidatos sejam transparentes quanto ao seu carácter, quanto à sua estabilidade emocional, quanto ao lugar exato que ocupam no xadrez político, quanto às suas opções ideológicas, quanto á sua biografia política e pessoal. Os eleitores têm direito a uma informação honesta e verdadeira. Têm direito a não correr o risco de serem driblados, por um qualquer virtuoso do marketing político. Ora, estando presente na atual pugna, como principal e forte candidato da direita, um driblador político por excelência, o povo de esquerda tem que ter uma especial atenção, pois é ele o principal alvo das fintas desse ilusionista.

3. É legítimo, neste contexto, que nos interroguemos sobre o modo como os partidos de esquerda têm agido no campo das eleições presidenciais. Podendo vir a fazê-lo em breve, não vou hoje discutir o mérito substancial e o sentido das diversas candidaturas de esquerda presentes na disputa. Hoje, vou apenas comentar o modo como os partidos se têm posicionado quanto a elas.
O PCP tem um candidato próprio, o BE tem uma candidata própria, o Livre e o MRPP apoiam um mesmo candidato. Falta o PS, cuja dimensão eleitoral torna especialmente importante a posição que toma. Mas o PS não apoia qualquer candidato na primeira volta, dando assim liberdade voto aos seus militantes e deixando sem uma indicação clara os seus eleitores. O facto de uma candidata ser sua militante, ter sido Presidente do PS e ser apoiada publicamente por muitos dos seus membros; e de outro candidato, embora sem filiação partidária, ser apoiado publicamente por muitos outros  dos seus membros ─ faz com que seja pacífica a ideia que o PS se reconhece nessas duas candidaturas, sem optar por nenhuma delas na primeira volta, mas apoiando na segunda volta aquela que passar.
São compreensíveis as razões que levaram a direção do Partido Socialista  a tomar esta posição. Foi talvez o caminho mais suscetível de atenuar crispações internas. Mas é um caminho que não está isento de aspetos negativos.
Em primeiro lugar, o PS condena-se a um inevitável apagamento político no palco das eleições presidenciais. Em segundo lugar, o PS desdramatiza objetivamente o significado político de uma vitória da direita, pelo seu simples distanciamento em face das eleições, mesmo sendo ele relativo. Em terceiro lugar, o PS leva muitos dos seus militantes e dos seus dirigentes nacionais, distritais e concelhios, que não se sintam especialmente atraídos por qualquer das duas candidaturas em causa (ou que hesitem entre elas), a manterem-se neutros e passivos, esperando por uma segunda volta. Em quarto lugar, será menos fluido o eventual apoio da máquina partidária (mesmo como coadjuvante) a essas duas candidaturas.
E todos estes aspetos negativos prejudicam duplamente as duas candidaturas. Por um lado, não se maximiza o apoio a cada uma delas; por outro lado, ao enfraquecer ambas, leva-se a que cada uma veja agravado o risco de uma vitória de Marcelo à primeira volta, não só pelo seu próprio enfraquecimento, mas também pelo enfraquecimento da outra.

4. Há assim duas hipóteses para a esquerda. Ou deixa correr o marfim, esperando que as coisas sigam o seu destino, quiçá esperando um qualquer milagre que impeça a vitória anunciada da direita na primeira volta; ou não se conforma com a sonolenta deriva estratégica que a tem tolhido neste campo e procura um golpe de asa que possa reverter o cenário anunciado.
Neste momento, por tudo o que atrás se disse, o essencial do sobressalto atualmente necessário cabe ao PS.  Passou o tempo em que se poderiam ter realizado eleições primárias para que o partido decidisse qual o candidato a que daria apoio oficial. Teria sido um excelente impulso a quem as tivesse vencido e poderia mediante um acordo político envolver áreas de esquerda exteriores ao PS. Não aconteceu.
Poder-se-ia então pensar ser aconselhável que uma das duas candidaturas que repartem o maior número de apoios na área do PS desistisse a favor da outra. Neste momento, isso equivaleria a garantir a vitória do candidato da direita na primeira volta. Mesmo sendo eu apoiante de Maria de Belém não me passa pela cabeça apelar à desistência de Sampaio da Nóvoa, pois esssa hipotética desistência seria um verdadeiro suicídio da candidatura que apoio. A recíproca é igualmente verdadeira, se Maria de Belém desistisse Sampaio da Nóvoa nada ganharia com isso. Em ambos os casos, o único beneficiário seria Marcelo.
Dentro da mesma lógica, os candidatos apoiados pelo PC e pelo BE não devem , em caso algum, desistir. Os quatro candidatos devem procurar ter o melhor resultado possível, concentrando na segunda volta os votos naquele de entre os quatro que a ela passar. Por isso, deve ser melhorado ainda mais o clima que existe entre eles não se atacando nunca uns aos outros e concentrando o fogo no candidato da direita.
O PS, a meu ver, deveria dramatizar o risco e as consequências de uma vitória de Marcelo, abandonando o distanciamento atual quanto à primeira volta. E assim passar a apoiar, em simultâneo, com todos os seus meios as duas candidaturas que contam com mais apoios entre os seus militantes (a de Maria de Belém e a de Sampaio da Nóvoa). Não optava por nenhuma delas, mas encorajava e apoiava ambas. E principalmente desaconselhava e passava a combater fortemente qualquer tentação de uma neutralidade, qualquer hesitação, que se possa traduzir numa abstenção na primeira volta.

5. A nova conjuntura política aumentou muito a importância da Presidência da República para a direita, que vê nela não só uma peça estratégica no seu sistema institucional de poder ( o que é normal), mas também um dispositivo essencial para uma tentativa de reverter a grande deslocação para a direita dos dois partidos da coligação que nos governou.
Reversão tentada pela invenção de um aparente novo centro que concorresse com o PS na captação desse hipotético espaço deixado vazio. E que pudesse ainda servir como antídoto à dinâmica de unidade das esquerdas, neste momento em marcha. Um alegado novo centro construído a partir da presidência de Marcelo, se necessário através de um novo partido.
As próximas eleições presidenciais não são por isso um jogo amigável em que se ganha uma taça de latão, não são uma alegre confraternização dominical em que por acaso até se vota; são um jogo a eliminar em que quem perder fica sem nada, são um combate político importante para o futuro do povo e da República.
A direita política sobrecarregada com o papel antipático que o neoliberalismo lhe atribuiu, procura desesperadamente travestir-se de centro e mostrar-se empenhada na solução dos problemas sociais que ela própria criou. Pode balir como um cordeiro ou rugir como um leão, pode vestir-se de azul, de amarelo ou de laranja, mas o seu papel é sempre o mesmo. Se deixarmos que ela instale mais uma vez um dos seus na cadeira presidencial, vamos arrepender-nos. Eles querem fazer-nos crer que estão a jogar a feijões, mas não estão.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Sob o manto diáfano da democracia, a nudez autoritária da direita.


Ao ter-lhe sido frustrada a tentativa de ser governo,  mesmo contra uma maioria de deputados na AR que o não queriam, a direita entrou numa desorientadas e vertiginosa  roda livre. Os seus expoentes mais extremistas (ou menos contidos) levam ( ou fingem que levam) a sério a lenda tosca de uma ilegitimidade democrática que contaminaria o actual governo do PS, apoiado parlamentarmente por toda a esquerda.
Tentaram um golpe de Estado subtil que os blindasse no poder e reduzisse a nada o significado político de se votar numa parte da esquerda e condenasse a outra parte a servir de aguadeira triste de suas excelências. Mas a resposta que receberam, afinal, demoliu uma constância estrutural que a favorecia e condenou-a à modesta necessidade de ter que ganhar realmente as eleições, tendo maioria absoluta, para nos voltara a mergulhar no pesadelo da sua governação.
A direita só gosta de eleições quando as ganha. E não tem um grande prazer em correr o risco de o não conseguir. Pelo menos de correr esse risco muitas vezes, estruturalmente.
As sombrias figuras que realmente personificam a direita e os seus poderes, os seus agitados escudeiros parlamentares, as meninas finas da linha e as matronas finas já um tanto passadas , os  maus e os bons filhos das abastadas famílias, que como todos sabemos são o coração mais puro da democracia, gritam desalmadamente a ilegitimidade irremediável do actual Governo.
O velho abutre de santa comba disse um dia tranquilamente que as eleições durante o seu triste reinado eram tão livres como na livre Inglaterra. Consta que foram então discretamente tratados em hospitais de referência gravíssimos ataques de riso. O actual coro de alucinados da direita não inaugurou, como se vê, o delírio. Tem nas sua raízes um  mestre triste.
De tal modo que poderíamos ousar perturbar a glória serena de Eça de Queirós para que nos emprestasse uma das suas frases mais límpidas: “Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade”.

Mas , supremo atrevimento  pelo qual pedimos desde já um perdão: vamos usar a frase de Eça para despirmos  a vacuidade desta direita . E dizemos:  “ Sob o manto diáfano da democracia, a nudez autoritária da direita”.