domingo, 2 de junho de 2013

O DENTE




Há um dente que morde no princípio da vida.
É um dente estragado, sem afago nem sonho.

Há um dente que morde nas manhãs mais abertas.
É um dente gerido, lucrativo, manhoso.

Há um dente que morde no trabalho e na esperança.
É um dente cotado, nas mais sólidas bolsas.

Há um dente que morde no longínquo futuro.
É um dente dourado, quase podre de rico.

Há um dente que morde nas palavras mais livres.
É um dente esculpido com rigor na mentira.

Há um dente que morde cada um dos teus filhos.
É um dente sem luz, miserável e lento.

Há um dente que morde no outono das casas,
É um dente sequioso, desbragado, vadio.

Há um dente que morde na mais funda desgraça.
É um dente que cerca , que tritura, que mata.

Há um dente aguçado que mergulha no mundo.
É um dente inventado no ofício mais torpe.

Há um dente que morde a nascente dos sonhos.
É um dente banqueiro, quase ocidental,
que se esconde matreiro na mais funda caverna.

É um dente londrino, quase americano,
Visitante em Berlim, Paris, Singapura.
É um dente de Tóquio, amigo da Sicília,
Passa férias na Suíça ou em Xangai.

É um dente bárbaro que resume a morte,
Um dente que vive por morder.
É um dente tão estranho que ao doer
Dói a quem morde e não a quem o tem.

Olha no espelho da luz que vais perdendo
A marca tão amarga do próprio desespero.

Olha no espelho de toda a tua esperança
A ameaça de inverno em todos nós.
E na página mais branca da justiça,
Escreve imensa a tua própria cólera.

[ Rui  Namorado]

1 comentário:

JGama disse...

Vampiros!