Há um dente que morde no princípio da vida.
É um dente estragado, sem afago nem sonho.
Há um dente que morde nas manhãs mais abertas.
É um dente gerido, lucrativo, manhoso.
Há um dente que morde no trabalho e na esperança.
É um dente cotado, nas mais sólidas bolsas.
Há um dente que morde no longínquo futuro.
É um dente dourado, quase podre de rico.
Há um dente que morde nas palavras mais livres.
É um dente esculpido com rigor na mentira.
Há um dente que morde cada um dos teus filhos.
É um dente sem luz, miserável e lento.
Há um dente que morde no outono das casas,
É um dente sequioso, desbragado, vadio.
Há um dente que morde na mais funda desgraça.
É um dente que cerca , que tritura, que mata.
Há um dente aguçado que mergulha no mundo.
É um dente inventado no ofício mais torpe.
Há um dente que morde a nascente dos sonhos.
É um dente banqueiro, quase ocidental,
que se esconde matreiro na mais funda caverna.
É um dente londrino, quase americano,
Visitante em Berlim, Paris, Singapura.
É um dente de Tóquio, amigo da Sicília,
Passa férias na Suíça ou em Xangai.
É um dente bárbaro que resume a morte,
Um dente que vive por morder.
É um dente tão estranho que ao doer
Dói a quem morde e não a quem o tem.
Olha no espelho da luz que vais perdendo
A marca tão amarga do próprio desespero.
Olha no espelho de toda a tua esperança
A ameaça de inverno em todos nós.
E na página mais branca da justiça,
Escreve imensa a tua própria cólera.
[ Rui Namorado]
[ Rui Namorado]
1 comentário:
Vampiros!
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